terça-feira, 13 de maio de 2008

O IMPÉRIO SECRETO E SUJO DA AUSTRÁLIA

Mail & Gardian Online/11 Maio 2008

John Pilger

Fonte: Timor Online/Tradução de Margarida

Quando o mundo exterior pensa na Austrália, geralmente saem respeitáveis clichés de inocência -- cricket, marsupiais saltitantes, brilhar do sol sem fim, nenhumas preocupações.
Os governos Australianos encorajam isto activamente. Vejam a recente campanha "G'Day USA" na qual Kylie Minogue e Nicole Kidman tentam persuadir os Americanos que, ao contrário de postos da frente problemáticos do império, uma saudação amável esperava por eles Lá em Baixo. No fim de contas, George W Bush tinha ordenado o anterior primeiro-ministro Australiano, John Howard, "sheriff da Ásia".
O que não é mencionado é que a Austrália dirige o seu próprio império, e contudo este estende-se dos bairros de lata Aborígenes de Sydney até às antigas terras do interior do continente e através do Mar de Arafura Se do Sul do Pacífico.
Quando o novo Primeiro-Ministro, Kevin Rudd, pediu desculpa aos povos Aborígenes em 13 de Fevereiro, estava a reconhecer isso. Quanto ao pedido de desculpas em si mesmo, o Sydney Morning Herald descreveu-o correctamente como uma "peça de naufrágio político" que o "governo de Rudd depressa limpou ... numa maneira que responde a algumas necessidades emocionais dos seus apoiantes, mas que contudo, nada muda. É uma manobra astuta."
Tal como a conquista dos Americanos Nativos, o extermínio dos Australianos Aborígenes projectou a fundação do império da Austrália. A terra foi tomada e muitos dos seus povos foram removidos e empobrecidos ou exterminados. Para os seus descendentes, não atingidos pelo tsunami de sentimentalismo que acompanhou o pedido de desculpas de Rudd, pouco mudou.
Na grande extensão do Território do Norte, conhecido como Utopia, as pessoas vivem sem condições sanitárias, água corrente, recolha de lixo, habitação decente ou saúde decente. A saúde dos Aborígenes, diz a Organização Mundial da Saúde, arrasta-se quase cem anos atrás da dos brancos da Austrália. Esta é a única nação desenvolvida na “lista de vergonha” da ONU de países que não irradicaram o tracoma, uma doença completamente evitável que cega as crianças Aborígines. Sri Lanka derrotou a doença, mas não a Austrália rica.
A maioria dos Australianos brancos raramente vê este Terceiro Mundo no seu próprio país. Centenas de milhões de dólares que os governos Australianos clamam ter gasto a melhorar as vidas dos indígenas Australianos nunca são gastos, ou acabam em projectos para os brancos.
Para distrair usam muitas vezes a difamação. Em 2006, o programa de topo dos assuntos correntes da Australian Broadcasting Corporation, Lateline, emitiu alegaçõespavorosas de "escravatura sexual" entre o povo Aborígene Mutitjulu. A fonte, descrita como um "jovem trabalhador anónimo", foi exposta como sendo um funcionário do governo federal, cuja "evidência" foi desacreditada pelo ministro chefe e polícia do Território do Norte.
Dentro dum ano, Howard tinha declarado uma "emergência nacional" e enviou o exército e "gestores de negócios" para as comunidades Aborígenes do Território do Norte. Um estudo encomendado sobre crianças Aborígenes foi citado e "proteger as crianças" tornou-se a choradeira dos media – tal e qual como há mais de meio século quando as crianças foram raptadas pelas autoridades da segurança social brancas.
Rudd, como líder da oposição, apoiou a "intervenção" e tem-na mantido como primeiro-ministro. Os pagamentos da segurança social estão "em quarentena" e o povo é controlado e guardado numa maneira familiar aos negros Sul-Africanos. Porquê? "Abuso infantil e alcoolismo," diz a maioria da imprensa da capital da propriedade de Murdoch.
Há um truque. O Território do Norte é aonde os povos Aborígenes têm tido direitos de terra gerais há mais tempo que em qualquer outro sítio, doados quase por acidente há 30 anos. O governo Howard predispôs-se a agarrá-los de volta.
O território contém extraordinária riqueza mineral, incluindo enormes depósitos de urânio em terra Aborígene. O número de companhias licenciadas para explorar o urânio duplicou para 80. Kellogg Brown & Root, uma subsidiária do gigante Americano Halliburton, construiu a linha férrea de Adelaide a Darwin, que corre adjacente à Barragem Olímpica, a maior mina do mundo de urânio empobrecido.
O ano passado o governo Howard expropriou terra Aborígene perto de Tennant Creek, onde tem a intenção de armazenar lixo radioactivo. "O roubo de terra tribal Aborígene nada tem a ver com abuso sexual infantil," diz a cientista Australiana famosa internacionalmente e activista Helen Caldicott, "mas tem tudo a ver com a mineração a céu aberto do urânio e a conversão do Território do Norte numa lixeira nuclear global."
Este "fim de topo" da Austrália faz fronteira com os Mares de Arafura e de Timor, através do arquipélago Indonésio. Um dos grandes depósitos do mundo de gás e petróleo está na costa de Timor-Leste. Em 1975, o então Embaixador da Austrália em Jacarta, Richard Woolcott, recomendou secretamente a Canberra que a Austrália fingisse que não via a invasão de Timor-Leste pela Indonésia, sublinhando que as riquezas do fundo do mar "podiam ser muito mais rapidamente negociadas com a Indonésia ... do que com um Timor [independente]".
Gareth Evans, mais tarde ministro dos estrangeiros, descreveu-o como um prémio no valor de "ziliões de dólares". O seu governo foi um dos poucos a reconhecer a sangrenta ocupação do General Suharto, onde 200 000 Timorenses perderam as suas vidas. Quando eventualmente, em 1999, Timor-Leste ganhou a sua independência, a Austrália preparou-se para empurrar os Timorenses para fora da sua própria parte dos rendimentos do petróleo e do gás ao mudar unilateralmente a fronteira marítima e ao retirar-se da jurisdição do Tribunal Mundial de disputas marítimas.
Isso teria negado ao novo país rendimentos desesperadamente necessários, golpeado por anos de ocupação brutal. Mas o então primeiro-ministro de Timor-Leste, Mari Alkatiri, líder do partido maioritário, a Fretilin, mostrou ser um rival de nível superior a Canberra. Ele mostrou ser um nacionalista que acreditava que o seu país deve pertencer ao seu povo. Ele rejeitou o Banco Mundial.
Ele acreditava que as mulheres devem ter oportunidades iguais e que os cuidados de saúde e a educação deviam ser universais. "Estou contra os ricos que se banqueteiam por detrás de portas fechadas," disse ele. Por isso foi caricaturado como comunista pelos opositores, nomeadamente pelo presidente, Xanana Gusmão, e o então ministro dos estrangeiros, José Ramos-Horta, ambos próximos da elite política Australiana.
Quando um grupo de soldados decepcionados se levantaram contra o governo de Alkatiri em 2006, a Austrália aceitou prontamente um "convite" para mandar tropas para Timor-Leste. A "Austrália," escreveu Paul Kelly no The Australian de Murdoch , "está a operar como um poder regional ... Esta linguagem é intragável para muitos. Contudo é a realidade. É um território novo, não experimentado para a Austrália."
Foi montada uma campanha mentirosa contra o "corrupto" Alkatiri nos media Australianos, que lembram o golpe mediático que derrubou durante pouco tempo Hugo Chávez na Venezuela. Tal como os soldados dos USA que ignoraram os ladrões de pilhagens nas ruas de Baghdad, os soldados Australianos estavam parados enquanto amotinados armados aterrorizavam o povo, queimavam as suas casas e atacavam igrejas.
O líder amotinado Alfredo Reinado, um brutal homicida formado na Austrália, foi elevado a herói folclórico. Sob a sua pressão, o governo democraticamente eleito de Alkatiri foi forçado a sair e Timor-Leste foi declarado um "Estado falhado" pela legião Australiana de académicos da segurança preocupados com o "arco de instabilidade" para o norte, na Ásia, uma instabilidade que eles apoiaram quando o genocida Suharto estava ao comando.
A Austrália está engajada nas Ilhas Solomão e na Papua Nova Guiné, onde as suas tropas e a polícia federal têm lidado com "colapsos na lei e ordem" que estão a "privar a Austrália de oportunidades de negócios e investimentos".
A Australia está também enterrada no Afeganistão e no Iraque. A promessa eleitoral de Rudd de se retirar da "coligação dos desejosos" não inclui quase metade das tropas da Austrália no Iraque. As forças militares Australianas cada vez mais politicizadas, imbuídas com a doutrina de "segurança" de Washingto, têm estado em estado de prontidão mais vezes do que nunca em tempo de paz.
Na conferência do ano passado sobre o Diálogo de Liderança Americano-Australiano – um evento anual definido para unir as políticas estrangeiras dos dois países, mas na realidade uma oportunidade para a elite Australiana expressar o seu servilismo histórico aos grandes poderes -- Rudd estava num estilo oratório desusado. "É altura de cantarmos de cima dos telhados do mundo," disse ele, "[porque] apesar do Iraque, a América é uma força proeminente para o bem no mundo ... Eu procuro mais do que trabalhar com a grande democracia Americana, o arsenal da liberdade, em trazer para o planeta mudanças de longo prazo."Tinha falado o novo sheriff para a Ásia.

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