segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Portugal/ACERCA DAS “NOVAS RELAÇÕES LABORAIS”

1 outubro 2012/Odiario.info http://www.odiario.info (Portugal)


Um ex-secretário de Estado do Trabalho, dizia numa entrevista que “todos os bons profissionais estão preparados para as novas relações laborais”. Esta frase é exatamente a argumentação usada então pelos defensores do regime fascista contra a crescente difusão do movimento sindical de classe. Ao trabalhador é-lhe proposta a distinta honra de ser um “prestador de serviços” e o empregador o seu “cliente”. Eis a filosofia corporativista do fascismo com roupagem “pós-moderna”, sem interesses de classe contraditórios e antagónicos em que tudo se transforma em relações de mercado. O ser humano, uma mercadoria como qualquer outra, uma coisa, um objeto.

Devolvam-nos o nosso futuro. Estamos fartos do vosso passado.
(do filme “Michael Collins”)
Um ex-secretário de Estado do Trabalho, dizia numa entrevista (1) que “todos os bons profissionais estão preparados para as novas relações laborais”. Esta frase é exatamente a argumentação usada então pelos defensores do regime fascista contra a crescente difusão do movimento sindical de classe.
Lembro-me que na Ordem do Engenheiros, no final dos anos 60, princípio dos anos 70, sendo bastonário, o eng. Cunha Serra, figura de grande dignidade cívica, se promoveram conferências sobre sindicalismo. Nessa altura, o sector ligado ao grande patronato e ao regime, opunha-se a esta orientação e argumentava com mal disfarçada arrogância, mas também inquietação, que os bons engenheiros não precisavam de sindicatos ou ação sindical, assim defendendo a divisão entre trabalhadores e a arbitrariedade patronal. É justamente esta a ideologia que atualmente o espaço mediático se esforça por propagar-
As teses das “novas relações laborais” são apresentadas como factos consumados, atribuídos aos “novos contextos”, perante os quais não restaria às pessoas senão submeterem-se e adaptarem-se.
Costuma dizer-se que quando as teorias não batem certo com a realidade se inventa um mito, acrescentamos que quando os mitos não funcionam na prática se inventa um enigma. A falência dos mitos capitalistas (2) leva a que a questão do desemprego se tenha tornado agora um enigma, “a grande incógnita do século XXI”.
Mas não é incógnita nenhuma, é a expressão exacerbada das contradições do capital que para se realizar precisa de trabalhadores produtivos, mas para maximizar o lucro tem de reduzir ao máximo o número de trabalhadores. Numa sociedade baseada no lucro e na competição, a guerra de uns capitalistas contra os outros, “não se ganha tanto alistando exércitos de trabalhadores como licenciando-os. Os generais capitalistas rivalizam com quem despede mais soldados industriais” (3)
Mas por que será o desemprego uma incógnita? O emprego é uma necessidade social, não apenas uma necessidade individual de subsistência, de equilíbrio e desenvolvimento psíquico. Uma sociedade que considera uma incógnita sem solução o que seria desde logo um dado de entrada da economia política, é uma sociedade sem capacidade de resolução dos seus problemas, individuais e sociais, bloqueada e que tem inevitavelmente de ser substituída.
Os protagonistas destas políticas podem mentir em público acerca das suas preocupações com o desemprego, as medidas que tomam são em tudo contraditórias com o que dizem. Estas alegadas “preocupações” parecem no entanto não ter os seus consultores, os seus especialistas em “managing” ou em “executive search” - aqui a terminologia anglo-saxónica tem o efeito do latim na religião de outros tempos para os leigos. Para estes tecnocratas a segurança da existência dos trabalhadores “é um cenário cada vez mais distante”. Claro que sim. Já Engels alertava que no capitalismo, para além de eventuais ganhos através da luta dos trabalhadores, a insegurança da existência cresce sempre. (da “Crítica ao Programa de Erfhurt”)
As pessoas neste “contexto” são como cobaias do laboratório neoliberal, em que os seus “especialistas” nunca têm dúvidas e raramente se enganam, exceto nas suas previsões económicas e sociais - sempre.
Que se propõe então aos trabalhadores? Sobreviver, adaptando-se às “novas realidades”, decretam os tecnocratas ao serviço do grande capital monopolista e da especulação financeira. É assim, adaptem-se, sem mais? Mas a que realidade? A dos seus mitos e incógnitas? Criar uma sociedade de seres “flexíveis”, isto é, em permanente insegurança e instabilidade, sem valores de humanismo, que se limitam a lutar desesperadamente pela sobrevivência, tentado adaptar-se ao aumento das desigualdades e à sobre-exploração?
Claro que este termo não existe no seu léxico, pois é camuflada pelos “mercados” e pela sua “mão invisível”, como se não estivesse bastante visível nas rendas monopolistas e na especulação. Mas o que dizer quando se considera que a tecnologia “permite-nos estar disponíveis quase 24 horas por dia”? É um regresso a um passado de opressão sobre quem trabalha, agora à conta das “tecnologias”, o que só comprova que as tecnologias não foram desenvolvidas para minorar o esforço ou melhorar condições de vida dos trabalhadores – se assim fosse o desemprego não seria “uma incógnita”, para mais não dizer – mas tendo em vista garantir o aumento de lucro. E já Marx o tinha dito.
Ao trabalhador é-lhe proposta a distinta honra de ser um “prestador de serviços” e o empregador o seu “cliente”. Eis a filosofia corporativista do fascismo com roupagem “pós-moderna”, sem interesses de classe contraditórios e antagónicos em que tudo se transforma em relações de mercado. O ser humano, uma mercadoria como qualquer outra, uma coisa, um objeto.
As causas do desemprego caem então ou na responsabilidade individual ou na abstração. Aponta-se que os jovens não se estão a preparar para as necessidades de trabalho, mas não dizem quais, nem quem as deveria definir, pois parece que o mercado também não resolve o problema. Porém quando entre os jovens o desemprego atinge mais de 36%, nem os mais qualificados encontram emprego. Eis então uma sociedade em que as qualificações perdem valor. O problema não é de formação, inclusive continua, como se isto fosse responsabilidade exclusiva do próprio trabalhador, é a engrenagem programada do neoliberalismo que faz do desemprego não um acidente, mas uma forma de gestão.
Eis uma sociedade que não serve, uma sociedade para a qual o desenvolvimento tecnológico e a maior qualificação serviram para aumentar as desigualdades e reduzir o “custo de trabalho”, numa dramática transferência de riqueza da força de trabalho para o capital – o grande capital, que a transforma em capital fictício na vertigem da especulação. Como salientou Marx nos Manuscritos de 1844, o motivo condutor do liberalismo não é a humanidade, é o egoísmo.
Diz-se que cada qual tem de adaptar-se à realidade. Mas que realidade? Primeiro, promove-se a livre circulação de capitais, a fuga de lucros e rendimentos para paraísos fiscais, a competição fiscal dentro da UE, as políticas do BCE a favor da especulação, depois, candidamente, apontam-se as inevitabilidades: austeridade, reduzir salários e direitos laborais. Não, esta realidade não é para ninguém fora da orla oligárquica se adaptar, é para ser radicalmente transformada.
No futuro, diz-se, as empresas não oferecem emprego, compram trabalho. Marx desmontou há 150 anos de forma irrefutável, esta falácia ao expor em que consistia a mais-valia. Mas eles não têm mais nada para dizer, é o grau zero do pensamento que recua 200 anos. As pessoas não são como que “produtos” para a empresa comprar. O que é espantoso é que estes “experts” e consultores mostram com as suas “relações laborais” não ter a mínima ideia de como deve funcionar uma empresa para ter êxito.
O empreendedorismo acaba por ser a sua solução das soluções. Foco no negócio! Mas que empreendedorismo sem crédito, sem procura? Na recessão? Claro que depois vem o habitual procedimento da desonestidade intelectual: é a arte de ter sempre razão (segundo o sr. Schopenhauer), argumentando com exceções. Aparecem exemplos dos EUA, esquecendo os 46 milhões de pobres e o desemprego que em sentido lato atinge cerca de 22% (4). Quem havia de dizer, na pátria do empreendedorismo…
Em Portugal também há exceções claro, mas para quem tem o que é preciso para estas coisas: relações (boas) e informações (também), omitindo o drama das mais de 500 falências por mês este ano. O empreendedorismo é mais um mito da teoria da oferta (a desacreditada supply side economics) sem procura solvente.
Enfim, o sistema é ótimo e se há desemprego é por se ser incompetente, incapaz e não ser empreendedor. É porque os desempregados não prestam, não assumem a sua condição como uma “oportunidade”, não passam de “useless eaters” (conforme definiu o candidato republicano Mitt Romney) ou de “subsídio dependentes” no ver de certos comentadores. Como escreveu Brecht em “Mahagonny “a falta de dinheiro é na verdade o maior crime que se pode cometer sobre a terra”.
Que resta então às pessoas? Fazer mais por menos – apesar das tecnologias – sem perguntar por quê nem para quem, esquecendo também que grande parte da mais valia criada nas MPME é absorvida pelos monopólios e pela especulação.
Neste admirável mundo das “novas relações laborais” a depressão psicológica tornou-se endémica, e a taxa de suicídios aumentou dramaticamente. De facto, é extremamente doentio uma pessoa adaptar-se a esta sociedade que está doente. Aliás também a psicologia – ou o bom senso – nos recomenda que a melhor forma de combater a depressão é lutar contra as suas causas.
A completa ausência de noção do que seja o funcionamento da economia real prova-se ao serem apontadas profissões do futuro: saúde, tecnologias da informação, serviços financeiros, educação (emigrem…), consultoria. Não há aqui um exemplo de trabalho diretamente produtivo a partir do qual se gera valor para repartir pelas outras profissões – umas mais necessárias que outras, claro.
Com a sobranceria das verdades absolutas afirma-se que o desemprego é uma luta que tem de ser ganha individualmente e que não se espere que o Estado social lhes resolva a vida. Claro que não! Com estes governos, o Estado existe em primeiro lugar para garantir o capital especulador e rentista (monopólios, PPP, privatizações a saldo, etc.).
Desde sempre foi desejo das oligarquias dividir os trabalhadores em lutas individuais, competindo uns com os outros por migalhas. Foi na luta contra este desígnio do capital, que no século XIX os trabalhadores derrotaram a lei Chapelier que proibia com severas penas as associações operárias, precisamente em nome da defesa da “livre empresa” e da iniciativa privada. Desenganem-se, não a vão trazer de de volta no século XXI, por muito que o seu ideal seja tornar todos os vínculos laborais precários.
De acordo com as suas teorias, tão autoconvencidos especialistas deveriam apresentar os cálculos de quanto seria necessário o salário decrescer para o desemprego se reduzir a um número “aceitável” e que investimentos seriam necessários para o alcançar. E com que taxa de lucro.
Dizem que não há alternativas. Há, e começa por algo muito simples: substituir o cálculo económico baseado na obtenção do máximo lucro privado, pela obtenção do máximo de benefícios sociais, entre os quais justamente a criação de postos de trabalho com direitos e a devida recompensa.
Os políticos do sistema habituaram-se a mentir despudoradamente. As pessoas não são chamadas a decidir das suas vidas, perdem cidadania, são tratadas como hilotas ou servos da gleba, o que se queira chamar, menos cidadãos. Sob o sofisma de uma “revolução de mentalidades” é um neofascismo – fascismo de fachada democrática - que querem impor. O neoliberalismo, a ideologia que atualmente suporta o capitalismo, também não é um acidente ou um desvio do “capitalismo bom”. O neoliberalismo, foi a resposta que o capital encontrou para conservar o seu domínio e os seus privilégios e tentar resolver insuperáveis contradições.
Escreveu Antoine Saint-Exupery, em “A terra dos Homens” “A grandeza de uma profissão consiste talvez, acima de tudo em unir os Homens. Só há uma verdadeira riqueza: a das relações humanas. Trabalhando apenas para alcançar bens materiais construimos a nossa própria prisão.”
Para o marxismo a liberdade do trabalhador resulta da tomada de consciência, da compreensão, que a sua atividade integra o pessoal e o social. É este o caminho `de um futuro aberto ao humanismo e à esperança. O neoliberalismo com mais ou com menos verniz social democrata, será derrotado,


1 – Luís Pais Antunes, no governo entre 2002 e 2004, à revista “Saber Viver” - já vamos compreender como! - de agosto de 20012
2 – Ver “Os 12 mitos do capitalismo” -www.odiario.info – 07.jan.2012 – por Guilherme Alves Coelho - Também em informatioclesringhouse -Ten Myths About Capitalism By Lubov Lulko -article first published April 02, 2012 at Pravda”
3 – Trabalho assalariado e Capital – C. Marx – Obras Escolhidas de Marx e Engels – Ed. Progresso - Moscovo – 1973 – p.175
4 - Tornar boas as más notícias financeiras - -www.odiario.info - por Paul Craig Roberts - 16.set.12

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