Estudo revela que Funai deixou de utilizar cerca de 50% da verba destinada para demarcações de terras em 2008. Além disso, PEC quer transferir ao Senado a competência de aprovar as demarcações, medida esta considerada inconstitucional pelo movimento indígena
17 abril 2009/Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br
Às vésperas da comemoração do Dia Nacional do Índio, o movimento indígena e entidades indigenistas revelaram duas ações políticas que servem como entrave para a realização das demarcações de terras indígenas no país.
De acordo com nota do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgada nesta quinta-feira (16), a Fundação Nacional do Índio (Funai) deixou de gastar cerca de 50% da verba destinada às demarcações de terras no ano de 2008.
A denúncia foi baseada na análise do orçamento indígena de 2008, feita pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que mostrou que dos R$ 30,456 milhões autorizados para o ano passado, a Funai usou somente R$ 4,854 milhões mais os R$ 8,644 milhões que ficaram para pagar em 2009, deixando de utilizar quase R$ 17 milhões.
Além disso, o estudo revelou que a Funai instituiu apenas 31 Grupos Técnicos para os estudos de identificação de terras indígenas, frente aos cerca de 500 pedidos que aguardam a ação do órgão.
Ameaça
Outro entrave, apontado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), entidade que congrega várias organizações indígenas, é a tentativa de transferência ao Senado da competência de aprovar as demarcações de terras indígenas.
Cláudio Luís Beirão, assessor jurídico do Cimi, classifica como inconstitucional a tentativa de transferência ao Senado de uma competência assegurada na Constituição de 1988 ao Executivo. “A competência de fazer a demarcação é uma competência originária, por conta da Constituição, da União, do Poder Executivo, e não do Senado Federal. O Poder executivo é que tem condições de fazer essas demarcações, de fazer um estudo para reconhecer as terras indígenas que devem ser demarcadas”, defende Beirão.
Beirão ainda ressalta que, ao se transferir a competência ao Senado, haveria uma demora ainda maior nos processos demarcatórios em curso e nos que ainda aguardam início. “Essa PEC sendo aprovada faria com quase todos os processos de demarcação se paralisassem, porque grande parte delas teriam que ser demandadas para o Senado. A aprovação disso no Senado ia ser um caos, o Senado não consegue dar conta dos projetos e das propostas legislativas que tem lá para serem aprovados, imagina a quantidade de demarcações que iriam passar por aquele cenário”, protesta o assessor do jurídico.
Mudanças na Constituição
A medida faz parte de uma proposta de Emenda à Constituição, PEC 038/99, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) que, junto com a PEC 03/04, do Senador Juvêncio da Fonseca (PSDB-MS), propõe ainda limite de 30% de cada unidade da Federação para reservas indígenas e unidades de conservação, e indenização aos retirados de terras demarcadas sobre a terra nua, não prevista atualmente pela Constituição.
Em relação ao limite a 30% de cada unidade da Federação para unidades de conservação e reservas indígenas, Beirão diz que o Senado pode acabar se pautando somente nisto na hora de aprovar as demarcações e, ainda, fazer com que as demarcações que já foram feitas sejam revistas.
Já no que diz respeito à indenização sobre a terra nua, Beirão afirma que é inconstitucional, porque o título que a pessoa tem sobre a propriedade é nulo, já que essas terras são da União, e conforme a Constituição, de posse originária dos índios. “A pessoa que tem o título de posse [da terra em área indígena] não é retirada a propriedade dele, porque nunca teve essa propriedade, porque esse direito dos índios à terra é um direito originário, anterior àquele título”, descreve.
De acordo com a Apib, as PEC’s, que aguardam votação na Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal para os próximos dias, se constituem uma ameaça aos direitos dos povos indígenas às terras que ocupam tradicionalmente. A entidade encaminhou, no último dia 9, um manifesto aos senadores que compõem a CCJ pedindo que rejeitem as PECs.
Interesses políticos e econômicos
Beirão afirma que, para entender o porque da proposta de tais alterações na Constituição em relação aos povos indígenas, é necessário saber quem compõem hoje o Senado Federal e a quais setores eles estão ligados.
“Exatamente os interesses econômicos ligados ao agronegócio, ligados aos ruralistas, aos setores de interesses de exploração de recursos nas terras indígenas é que estão no Senado. Se você passa a competência ao Senado de decidir isso [processos demarcatórios] vai fazer com que a demarcação de terra indígena passe por um debate onde os interesses dos indígenas não vão ser levados em consideração e sim os interesses desses setores”, revela o assessor do Cimi.
Ele explica que o que pode estar por trás das ações propostas e da postura do senador Mozarildo Cavalcanti, que se coloca publicamente contra a questão indígena, como foi no caso da Reserva Raposa Serra do Sol, assim como de outros senadores, é o compromisso com estes setores contrários às demarcações que compõem suas bases eleitorais. “Eles se comprometem com suas bases eleitorais, ligadas ao setor agropecuário de algumas regiões, e agora querem então impedir as demarcações”, protesta.
Confira as atividades da semana dos Povos Indígenas
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/acoes-politicas-impedem-demarcacoes-de-terras-indigenas
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