13 julho 2015, Resistir.info resistir.info
(Portugal)
por Michael
Hudson
O maior problema financeiro que dilacerou
economias ao longo do século passado estava mais do lado da dívida oficial
inter-governamental do que do da dívida do sector privado. Eis porque a
economia global de hoje enfrenta uma ruptura semelhante à de 1929-31, quando
ficou evidente que o volume de dívidas oficiais inter-governamentais não podia
ser reembolsado. O Tratado de Versalhes impôs reparações impossíveis à Alemanha
e os Estados Unidos impuseram exigências igualmente destrutivas aos Aliados
quanto ao pagamento de dívidas [pelo fornecimento] de armas utilizadas na I
Guerra Mundial. [1]
Há procedimentos legais bem estabelecidos para enfrentar bancarrotas corporativas e pessoais. Tribunais cancelam parcialmente (write down) dívidas de pessoas e de negócios tanto sob o procedimento "devedor no controle" como pelo arresto e os credores assumem uma perda sobre empréstimos que correram mal. A bancarrota pessoal permite a indivíduos retomarem a vida.
É muito mais difícil cancelar parcialmente dívidas possuídas ou garantidas por governos. A dívida de empréstimos a estudantes dos EUA não pode ser anulada, mas permanece de modo a impedir os diplomados de ganharem o suficiente para terem um salário líquido (depois de o serviço da dívida e a retenção na fonte da contribuição para a Segurança Social ser deduzida dos seus cheques de
pagamento) de modo a casarem, constituírem família e comprarem casas para si
próprios. Só os bancos obtêm salvamentos (bailed out), agora que se
tornaram efectivamente os planeadores centrais da economia.Há procedimentos legais bem estabelecidos para enfrentar bancarrotas corporativas e pessoais. Tribunais cancelam parcialmente (write down) dívidas de pessoas e de negócios tanto sob o procedimento "devedor no controle" como pelo arresto e os credores assumem uma perda sobre empréstimos que correram mal. A bancarrota pessoal permite a indivíduos retomarem a vida.
É muito mais difícil cancelar parcialmente dívidas possuídas ou garantidas por governos. A dívida de empréstimos a estudantes dos EUA não pode ser anulada, mas permanece de modo a impedir os diplomados de ganharem o suficiente para terem um salário líquido (depois de o serviço da dívida e a retenção na fonte da contribuição para a Segurança Social ser deduzida dos seus cheques de
Acima de tudo, não há estrutura legal para cancelamentos parciais de dívidas ao FMI, BCE ou governos credores europeus e americanos. Desde a década de 1960 nações inteiras foram sujeitas à austeridade e contracção económica que torna cada vez menos possível livrarem-se da dívida. Governos são implacáveis e o FMI e BCE actuam por conta de bancos e possuidores de títulos – e estão ideologicamente capturados pelos combatentes financeiros do anti-trabalho e anti-governo.
O resultado não é a "economia de mercado livre" que pretende ser, nem a regra da racionalidade económica. Uma genuína economia de mercado reconheceria a realidade financeira e cancelaria dívidas parcialmente de acordo com a capacidade de serem pagas, mas a dívida inter-governamental cancela mercados e recusa-se a reconhecer a necessidade de um Quadro Limpo (Clean Slate). A teoria condutora de hoje – apoiada pela teoria económica lixo do monetarismo – é que dívidas de qualquer dimensão podem ser pagas, simplesmente pela redução dos salários e padrões de vida do trabalho mais a liquidação do domínio público de uma nação – sua terra, reservas de petróleo e gás, minerais e distribuição de água, estradas e sistemas de transporte, centrais eléctricas e sistemas de esgotos, além de todas as formas de infraestrutura pública.
Imposta pelo monopólio das instituições financeiras inter-governamentais – o FMI, BCE, Tesouro dos EUA e assim por diante – a alavancagem financeira do credor tornou-se o novo modo de travar a guerra no século XXI. É tão devastador quanto à guerra militar no seu efeito sobre a população: elevação das taxas de suicídio, tempos de vida mais curtos e emigração daqueles em idade de tropa que sempre foram as principais baixas de guerra: adultos jovens. Ao invés de serem conscritos no exército para combaterem inimigos estrangeiros, eles são afastados dos seus lares para procurarem trabalho no exterior. O que costumava ser um êxodo rural da terra para as cidades desde o século XVII é agora um "êxodo do devedor" dos países cujos governos devem somas impagavelmente altas a governos credores e aos bancos e possuidores de títulos em cujo benefício impuseram sua política.
Ao mesmo tempo que empurra a economia do mundo para um estado de guerra internacional, a alta finança trava também uma guerra contra o trabalho – e em última análise contra governos e portanto contra a democracia. A política do BCE neste ano tem sido brutal em relação à Grécia: "Se não reeleger um partido ou coligação de direita, destruiremos o seu sistema bancário. Se não vender a preço de saldo o seu domínio público tornaremos a vida ainda mais difícil para si".
Não é de admirar que o ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis tenha chamado a posição negocial da Troika de "terrorismo financeiro". A sua ideia de "negociação" é a rendição. Eles são inflexíveis. Instituições credoras oficiais ameaçam isolar, sancionar e destruir economias inteiras, incluindo sua indústria bem como o trabalho. Isto transforma a guerra de classe do século XIX num colapso puramente destrutivo.
Esta é a grande diferença entre os dias de hoje e 1929-31. Naquele tempo, os principais governos do mundo finalmente reconheceram que dívidas não podiam ser pagas e suspenderam reparações alemãs e dívidas inter-aliados. A situação de hoje está a utilizar a impagabilidade de dívidas como alavanca na guerra de classe.
O objectivo político imediato desta guerra financeira na Grécia é substituir seu governo eleito (apoiado por uma notável votação no referendo de 5 de Julho de 61 a 39%) pelo controle de credores estrangeiros através de "tecnocratas", isto é, lobbyistas de bancos, factótuns e antigos administradores da Goldman Sachs. O objectivo a longo prazo é impor uma guerra contra o trabalho – na forma de austeridade – e contra o poder dos governos de determinarem sua própria política fiscal, política financeira e política pública regulamentar.
Felizmente, há uma alternativa. Aqui está o que é necessário. (esbocei minhas propostas numa apresentação perante o Parlamento em Bruxelas no dia 3 de Julho [2] , a seguir a uma defesa anterior na Iniciativa Delphi, na Grécia, reunida pela esquerda do Syriza na semana anterior. [3]
Uma declaração reafirmando os direitos de nações soberanas
Nações soberanas têm o direito de colocar o seu próprio crescimento à frente de credores externos. Nenhuma nação deveria ser obrigada a impor depressão crónica e desemprego ou a polarizar a distribuição da riqueza e rendimento a fim de pagar dívidas.
Toda nação tem o direito ao critério chave da nacionalidade: o direito de emitir sua própria moeda, cobrar impostos e escrever suas leis, incluindo aquelas que governam relações entre credores e devedores, especialmente os termos de bancarrota e anulação de dívida.
A lógica económica dita o que foi reconhecido no fim da década de 1920: Quando dívidas atingem o nível em que perturbam o equilíbrio económico básico e desordenam a sociedade, elas deveriam ser anuladas. Uma outra forma de dizer isto é que o volume de dívida – e os custos dos seus encargos – deve ser trazido a uma razoável capacidade para pagar.
Rejeitando a posição do "hard money" (realmente um "hard credor") de economistas anti-alemães como Bertil Ohlin e Jacques Rueff, Keynes argumentou que credores tês obrigação de explicar à Alemanha simplesmente como teriam possibilidade de pagar suas reparações. [4] Ele queria naquele tempo que a França, Grã-Bretanha e outros receptores de reparações deveriam especificar exactamente que exportações alemãs deveriam concordar em comprar. Mas hoje, os credores definem a capacidade de pagar de uma nação não em termos de como ela pode ganhar o dinheiro para pagar, mas ao invés que activos do domínio público ela pode liquidar naquilo que é um processo de bancarrota nacional. Países devedores devem deixar sua infraestrutura pública ser vendida a extractores de renda para criar uma economia de portagens neofeudal.
Sob o direito internacional, nenhuma nação está legalmente obrigada a fazer isto. E sob a definição moral de nacionalidade, elas não deveriam ser forçadas a assim fazer. O seu direito a resistir é o que as faz soberanas, afinal de contas.
Um fórum internacional para determinar a capacidade (ou incapacidade) de pagar dívidas
O que é necessário para colocar este princípio básico em prática é a criação de um novo fórum internacional para determinar (to adjudicate) quanta dívida pode razoavelmente ser paga – e quanto deveria ser anulada. Em 1929 o Plano Young (o qual substituiu o Plano Dawes para tratar mais racionalmente das reparações alemãs) apelou à criação de uma tal instituição – o que se tornou o Bank for International Settlements (BIS), em 1931, para travar a destruição económica da Alemanha fazendo com que suas reparações ficassem em consonância com a sua capacidade para pagar.
O BIS não desempenha mais tal papel, porque se tornou o principal local de reunião para os bancos centrais do mundo e, como tal, adoptou a linha rígida de que "todas as dívidas devem ser pagas" a que originalmente estava destinada a se opor.
Igualmente o FMI já não pode desempenhar este papel. Ele é irremediavelmente político. Apesar de a sua equipe técnica determinar em 2010-11 que as dívidas externas da Grécia não podiam ser pagas e portanto precisavam ser anuladas, seus chefes – primeiro Dominique Strauss-Kahn e a seguir Lagarde – actuarem em flagrante conflito de interesse em apoio aos banqueiros franceses que pediam o pagamento pleno, e aos pedidos do presidente Obama e do lobbyista da Wall Street Tim Geithner a insistirem em nenhum cancelamento parcial. Aquele foi o preço para o apoio da banca francesa à pretensão de Strauss-Kahn de candidatar-se à presidência da França, e recentemente ao apoio a Lagarde. Dado o poder de veto dos EUA pela Wall Street e à insistência dos ideólogos anti-trabalho da direita (habitualmente franceses) em serem nomeados chefes do FMI, é necessária uma nova organização representando a espécie de lógica económica delineada nos anos 1920 por Keynes, Harold Moulton e outros.
A criação de uma tal instituição deveria ser uma plataforma importante da política da esquerda europeia.
Uma lei da transmissão fraudulenta, aplicável a governos
O sector privado desde há muito tem leis que impedem prestamistas de emprestarem a um tomador mais fundos do que o devedor possa razoavelmente reembolsar no decorrer dos negócios. Se um prestamista avança, digamos US$10 mil como um empréstimo hipotecário contra uma casa que valha mais (digamos, US$100 mil), e então insiste em que o devedor pague ou perca a sua casa, os tribunais podem assumir que o empréstimo foi efectuado com este objectivo em mente e anular a dívida.
Da mesma forma, se uma companhia é atacada por prestatários carregando-a com títulos lixo de altos juros e a seguir toma o seu fundo de pensões e liquida activa para pagar suas dívidas, a companhia sob ataque pode processar sob [a lei] das transmissões fraudulentas. Assim fizeram na década de 1980.
Este estratagema empréstimo-arresto é o jogo que a Troika tem feito com a Grécia. Eles emprestam ao seu governo dinheiro que os economistas do FMI explicaram bastante claramente em 2010-11 (e reafirmaram este ano pouco antes do referendo grego) que não podia ser pago. Mas então veio o BCE e disse: "Liquidem vossa infraestrutura, vendam seus portos, seus direitos ao gás no Egeu e ilhas inteiras, a fim de obter o dinheiro para pagar o que o FMI e o BCE tem pago a franceses, alemães e outros detentores de títulos em seu nome (enquanto salvavam bancos de investimento e hedge funds dos EUA de perderem suas apostas em que dívidas gregas seriam realmente pagas).
A aplicação deste princípio requer que um tribunal internacional determina em que ponto aquele serviço de dívida se torna intrusivo e consequentemente cancele dívidas parcialmente.
Criação de Tesourarias como bancos centrais nacionais para monetizar gastos com défice
Os bancos centrais de hoje só emprestam dinheiro a bancos, com o objectivo de carregar economias com dívida. A exigência irracional dos banqueiros de impedir uma opção pública de criação de crédito nos seus próprios teclados de computador (do mesmo modo como aqueles bancos criam empréstimos e depósitos) destina-se simplesmente a criar um monopólio privado para extrair renda económica na forma de juros, taxas e finalmente arrestos de credores que incumprem – tudo garantido pelos "contribuintes".
O Banco Central Europeu não é adequado para este dever. Antes de mais nada, ele baseia-se na ideologia de que a criação de moeda pública é inflacionária. A realidade é que a criação de moeda pelo banco central apenas financiou a maior inflação da história moderna – a inflação de preços de activos no mercado imobiliário por hipotecas lixo, inflação de preços de acções por emissões de títulos lixo e a Facilidade Quantitative(Quantitative Easing) do banco central para criar a maior e mais rápida corrida no mercado de títulos da história. A experiência pós 1980 com bancos centrais removeu qualquer lógica moral ou económica do seu comportamento quando lobbyistas de bancos comerciais, defensores de privilégios especiais, desregulamentadores do crime financeiro e extremistas de direita bloqueadores de uma opção pública na banca a fim fazer com que serviços básicos estejam de acordo com seus custos reais. Em suma, se sistemas de banca comercial em praticamente todos os países tornaram-nos desindustrializado e perversos, seus possibilitadores foram bancos centrais.
O remédio é substituir estes bancos centrais com o que os antecedeu: Tesourarias nacionais, cuja função adequada é monetizar as despesas do governo dentro da economia. O princípio básico de funcionamento deveria ser que qualquer necessidade monetária e de crédito da economia deveria ser cumprida pelo gasto público e monetização, não por bancos centrais que criam crédito portador de juros para financiar a transferência de activos (ex.: hipotecas imobiliárias, buyouts e raids corporativos, arbitragem e jogos de casino capitalistas).
Sumário
Toda nação tem o direito de se defender contra o ataque – tanto o ataque financeiro como o ataque militar aberto. Isso faz parte do princípio da auto-determinação.
A Grécia, Espanha, Portugal, Itália e outros países devedores têm estado sob o mesmo modo de ataque como o do FMI e sua doutrina da austeridade que levaram a América Latina à bancarrota na década de 1970. O direito internacional precisa ser actualizado para reconhecer que a finança tornou-se o modo de guerra dos dias modernos. Seus objectivos são os mesmos: aquisição de terra, matérias-primas e monopólios.
Um subproduto desta guerra foi tornar a rede financeira de hoje tão disfuncional que as nações agora precisam de um Quadro Limpo (Clean Slate) financeiro. Aquele que teve mais êxito em tempos modernos foi o Milagre Económico alemão – a Reforma Monetária dos Aliados após a II Guerra Mundial. Todas as dívidas internas alemãs foram anuladas, excepto dividas salariais de empregados à força de trabalho e balanços básicos. Posteriormente, em 1953, suas dívidas internacionais foram canceladas parcialmente. A lógica que levou a estes actos precisa ser reaplicada hoje.
Em relação especificamente à Grécia, líderes do Syriza disseram que querem salvar a Europa. Antes de mais nada, da irracionalidade económica destrutiva da eurozona ao não ter um banco central real. Este defeito foi construído deliberadamente na eurozona, a fim de forçar um monopólio de bancos comerciais e detentores de títulos suficientemente poderosos para ganhar o controle de governos, rejeitando a política e os referendos democráticos.
As regras da eurozona – os tratados de Maastricht e Lisboa – destinam-se a impedir governos de incidirem em défices orçamentais injectando dinheiro na economia para reviver o emprego. O novo objectivo é apenas resgatar detentores de títulos e bancos de maus empréstimos e mesmo de empréstimos fraudulentos, salvando-os a expensas públicas. As economias são obrigadas a voltarem-se para empréstimos da banca comercia a fim de obter o dinheiro que precisam para crescer. Este princípio precisa ser rejeitado pois viola um direito soberano básico dos governos e da democracia económica.
Uma vez que uma economia está financeira defeituosa por (1) não ter um banco central para financiar despesa governamental, e (2) pela limitação dos défices orçamentais do governo a apenas 3% do PIB, a economia deve contrair-se. Uma economia em contracção significará menos receitas fiscais e, portanto, défices no orçamento do governo mais profundos e elevação da dívida governamental.
O supremo assassínio é a exigência do BCE, FMI e CE de que governos paguem suas dívidas através da privatização da infraestrutura pública, recursos naturais, terra e outros activos no domínio público. Para agravar esta exigência, a Troika impediu a Grécia de vender pela oferta mais alta, se fosse a Gazprom ou outra companhia russa. A política financeira tornou-se portanto militarizada com parte da política de Nova Guerra-fria da NATO. Economias devedoras estão destinadas a vender a euro-cleptocratas – em termos financiados pelos bancos, de modo a que encargos de juros do acordo absorvam todos os lucros, deixando os governos sem muita receita fiscal.
07/Julho/2015
[1]
Este é o tema do meu livro Super Imperialism: The Economic Strategy of American
Empire (1972, new ed., 2002).
[2] O vídeo pode ser visto aqui: www.guengl.eu/... (apareço cerca do minuto 37).
[3] resistir.info/grecia/declaracao_delphi.html
[4] Resumo este debate entre Keynes e seus antagonistas em Trade, Development and Foreign Debt (new ed. ISLET 2009), chapter 16.
Ver também:
[2] O vídeo pode ser visto aqui: www.guengl.eu/... (apareço cerca do minuto 37).
[3] resistir.info/grecia/declaracao_delphi.html
[4] Resumo este debate entre Keynes e seus antagonistas em Trade, Development and Foreign Debt (new ed. ISLET 2009), chapter 16.
Ver também:
Grecia: Críticas pasadas y el camino a seguir , Olivier Blanchard
O original encontra-se em www.unz.com/mhudson/the-financial-attack-on-greece/
O original encontra-se em www.unz.com/mhudson/the-financial-attack-on-greece/
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