30 julho 2015,
Resistir.info http://resistir.info (Portugal)
– A austeridade (Brasilː arrôcho) não é apenas
um modelo de política económica, nem sequer conjuntural: ela é um novo regime
político e social, uma nova ordem.
Por Manuel Loff*
Um governo legítimo de
um Estado-membro da UE que usa do euro como moeda, pergunta aos cidadãos se
estão de acordo com as medidas que os seus parceiros lhes queriam impor. Uma maioria muito
ampla de cidadãos, superando amplamente a base política que elegeu o governo,
disse não. Dias depois, o mesmo governo disse-se ter visto obrigado a assinar
um acordo que o obrigava a contradizer o essencial do seu compromisso
eleitoral. Que lições podemos tirar?
1. A austeridade (arrôcho) eurocrática adotou-se, mantém-se e impõe-se contra a democracia. Concebida como uma nova ordem económica anti-social, pensada desde o horror a todas as políticas promotoras da igualdade ou da simples distribuição da riqueza por via fiscal para garantir um mínimo de coesão social (a ilusão de que o Estado de Bem Estar poderia, um dia, humanizaro capitalismo ), a austeridade (arrôcho) não é simplesmente a opção de governos nacionais, no âmbito de uma soberania económica que já não lhes resta. É, na prática, uma imposição europeia (Comissão, BCE, a Alemanha e os seus aliados), adotada num plano supranacional sem qualquer controlo democrático minimamente
2 . Podemos regressar a outra Europa? Um grande número daqueles que se mantêm fiéis à ideia (eu diria ilusão ) de que a construção europeia foi, desde os anos 50, outra coisa muito diferente deste autoritarismo tecnocrático dos nossos dias, cujo preço é pago essencialmente pelos países do Sul, estão cada vez mais incómodos com esta nova ordemimposta por Berlim e Bruxelas, por Merkel/Schäuble, Djisselbloem e Juncker. Falo essencialmente de setores da socialdemocracia que já não sabem o que pensar da forma como os Hollande, os Gabriel, os Renzi (ou os Sócrates e os Papandreou) adotaram sem reservas as várias componentes (económicas, mas também políticas e culturais) do There Is No Alternative thatcheriano, sabendo bem que as partilham com toda a direita de que se dizem alternativa... Numa parte considerável da sociedade (sobretudo nessa classe média que se imagina cidadã de uma Europa laica, democrática e respeitadora dos Direitos Humanos), defende-se o regresso a um projeto europeu perdido, , como se Schäuble fosse (e não é) a antítese de tecnocratas como Schuman (o partidário de Pétain em 1940) e Monnet (horrorizado com o controlo parlamentar da política económica). Há que fazer uma reavaliação muito crítica dessa génese profundamente elitista da construção europeia, feita de despotismo esclarecido , e desta conceção e gestão das políticas europeias sempre cheia de preconceito tecnocrático que entende como populista toda a crítica ao europeísmo rançoso e dogmático, que reivindica a soberania democrática onde ela, mal ou bem, ainda se se tem a sensação de se exercer: à escala nacional.
3. Uma lógica neocolonial e assimilacionista. Voltaram ao debate público alguns dos impulsos essenciais em que se baseou no séc. XIX a dominação imperialista europeia: relações de domínio baseadas na dependência económica (o credor manda no devedor, fazendo-lhe crer que o faz para o bem deste); a naturalização de uma hierarquia de povos e de Estados, divididos entre os que são verdadeiros europeus e os que não passam de candidatos fracassados a sê-lo (os PIGS), que devem ser sujeitos a um processo de assimilação semelhantes aos que as potências coloniais sujeitavam os colonizados; uma relação neocolonial, sob a forma (assumida!) de protetorado económico. Quer-se reescrever toda a história da integração europeia como se a adesão da Europa do Sul tivesse sido resultado de uma ansiedade unilateral dos parceiros do Sul, como se as economias do centro da UE (alemã, francesa, holandesa, italiana, britânica, …) não beneficiassem enormemente da liberdade de circulação de capitais, bens transacionáveis e mão-de-obra barata oriunda de Portugal, da Espanha ou da Grécia (ou da Europa Centro-Oriental)!
25/Julho/2015
Do mesmo autor em
resistir.info: Uma história em
fascículos
*Historiador
O original encontra-se em www.publico.pt/mundo/noticia/licoes-gregas-1703110
*Historiador
O original encontra-se em www.publico.pt/mundo/noticia/licoes-gregas-1703110
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