26 julho 2015, Pátria
Latina http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
por Suhayla
Khalil*, Le Monde Diplomatique
A consolidação da América do Sul como espaço estável e
de integração é prioritária para a política externa brasileira. Na sequência,
enfatiza-se a necessidade de fortalecimento da relação com os Brics, a África,
os Estados Unidos e a União Europeia, nessa ordem
Partidos,
eleições e política externa
O segundo mandato de Dilma Rousseff se iniciou depois
de uma eleição em que os temas internacionais apareceram de forma subsidiária
no debate – em geral, dentro de um discurso anacrônico de alguns candidatos,
calcado na recuperação do imaginário de Cuba como o inimigo comunista da Guerra
Fria. Questionou-se principalmente a vinda de médicos cubanos pelo programa
nacional de saúde Mais Médicos e o investimento brasileiro no porto de Cuba. O
que se verificou, mais uma vez, foi a percepção entre os partidos políticos de
que política externa não dá voto no país e de que não é preciso ir além de uma
discussão rasa e, em alguns casos, mesmo fantasiosa durante as eleições.
No entanto, apesar da superficialidade do tratamento
do tema nos debates eleitorais, assistimos a um fenômeno novo: o da
partidarização da política externa brasileira. Ao olharmos para a nossa
história republicana, partidos políticos não foram determinantes de política
externa. Em alguns momentos, como no Estado Novo, nem sequer havia partido político
no Brasil. Em outros casos, como no regime militar pós-1964, o bipartidarismo
representado por MDB e Arena configurava-se artificial. As burocracias
diplomática e militar, além do papel do líder, com sua diplomacia presidencial,
eram os fatores que importavam no processo de formulação da política externa.
Nos anos 1960, chegamos a ver um Jânio Quadros, do partido conservador
udenista, levar a cabo uma política externa mais esquerdizante e
universalizante do que a de seu próprio sucessor de esquerda, representante do
PTB, João Goulart, o que conferia pouca clareza à identificação de partidos e
agendas internacionais.
Ao observarmos a disputa entre o PT e o PSDB, vemos
agora, de fato, um embate de distintas perspectivas partidárias sobre o lugar
do Brasil no mundo. De um lado, a proposta de pertencimento ao Sul Global e de
reforço dos arranjos Sul-Sul advogada e colocada em prática pelo PT. Do outro,
a defesa do PSDB da ênfase nas relações com os Estados Unidos e a União
Europeia. No que diz respeito à esfera regional, os dois partidos discordam
quanto ao modelo de integração. Enquanto o PSDB defende um regionalismo
econômico e a ênfase no livre-comércio, alegando que o Mercosul não deu certo,
o PT aposta em uma integração política, com o aprofundamento dos mecanismos de
soluções de controvérsias intrarregionais e a discussão sobre desenvolvimento
inclusivo.
As
escolhas presidenciais neste 2015
É dentro desse quadro maior que devemos analisar as
escolhas da presidenta. A decisão de nomear Mauro Vieira ministro das Relações
Exteriores do novo mandato marca a continuação de uma opção do PT por
selecionar exclusivamente diplomatas de carreira para ocupar a pasta, o que
pode ser interpretado como o reconhecimento pelo partido do alto nível de
especialização dessa burocracia. Vale lembrar que, com a redemocratização, os
primeiros ministros das Relações Exteriores foram Olavo Setúbal, político e
banqueiro, e Abreu Sodré, político e empresário. As décadas de 1980 e 1990
foram marcadas pela tendência de selecionar ministros fora dos quadros
diplomáticos.
Há também certa coerência nos discursos de posse de
Dilma e de Vieira, que deixaram claras as linhas de política externa a serem
seguidas, alinhadas com as dos três últimos governos petistas, com ênfase no
Sul Global. A consolidação da América do Sul como espaço estável e de
integração aparece como prioritária. Na sequência, é enfatizada a necessidade
de fortalecimento da relação com os Brics, a África, os Estados Unidos e a
União Europeia, nessa ordem.
Ao olharmos para esses primeiros meses do novo
governo, é possível dizer que prática e discurso se entrelaçam – o que, é
preciso considerar, nem sempre ocorre. No que diz respeito à América Latina, o
governo brasileiro priorizou a defesa e a articulação do aprofundamento das
instituições regionais. Em janeiro, durante a III Cúpula da Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) – criada em 2010 e primeira
instituição regional a congregar os 33 países latino-americanos –, Dilma
manifestou a urgência de intensificar o comércio e de pensar a integração das
cadeias produtivas entre os países da região. Defendeu ainda a importância de
pensar em programas sociais na região. Pautas defendidas, ademais, no recente
encontro da Cepal. A presença brasileira também tem sido fundamental na
mediação da crise política na Venezuela, com a atuação direta de Vieira nas
negociações entre governo e oposição.
Ao priorizar as viagens para países do Sul, o
recém-nomeado chanceler realizou um périplo africano. Os países escolhidos
foram São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola, com os quais o governo
brasileiro já vem mantendo relações próximas nos últimos anos. Durante a visita
ao continente, foram assinados diversos acordos de investimento. Além disso,
representantes do governo brasileiro têm participado de inúmeros fóruns sobre
desenvolvimento humano e proteção social na região. Tanto no Seminário
Internacional sobre Proteção Social na África quanto na Conferência
Internacional sobre a África Emergente, importantes eventos ocorridos este ano,
o Brasil foi considerado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO) um modelo para a exportação de programas sociais. Não à toa,
em junho, José Graziano da Silva, criador do Fome Zero, foi reeleito diretor-geral
da FAO com a maior votação da história: 177 votos de um total de 182 delegações
presentes.
Quanto à Ásia e aos Brics, a iniciativa que se
destacou no início de 2015 foi a opção brasileira em aceitar o convite chinês
para participar do Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura. Como único
representante latino-americano e ao lado de outros países europeus que também
comporão o arranjo, como o Reino Unido, a Alemanha e a França, o governo
brasileiro mostra uma clara e acertada aposta em ocupar os espaços que lhe são
oferecidos nos processos decisórios internacionais a partir da ordem multipolar
que se institucionaliza.
Uma
rede do Sul Global
O que chama atenção, além da evidente caracterização e
consolidação de uma agenda do Sul Global na política externa brasileira, é a
crescente inter-relação entre esses arranjos e o aprofundamento de uma nova
rede Sul-Sul com características próprias que a diferenciam do Movimento dos
Não Alinhados da Guerra Fria. Assiste-se, assim, à institucionalização da rearticulação
de poder no sistema internacional. Como exemplo, no início do ano, foi
realizada a 1a Reunião da Celac em Pequim, com a criação do Foro Celac-China e
a aprovação de um Plano de Cooperação 2015-2019 com o objetivo de ampliar o
comércio e promover futuros investimentos entre a China e o grupo
latino-americano. Da mesma forma, em março ocorreu o Seminário Preparatório
para a Cúpula América do Sul-África, que unirá os representantes da Unasul e da
União Africana, em 2016.
Diante desse panorama, os principais desafios de
política externa do governo Dilma para o segundo mandato são alguns. O primeiro
é viabilizar a aplicação de todas as agendas, apesar dos expressivos cortes
orçamentários sofridos pelo Ministério das Relações Exteriores, os quais têm
deixado alguns representantes brasileiros no exterior em situações por vezes
periclitantes. O segundo, recuperar a assertividade e a credibilidade,
colocadas em xeque durante o primeiro mandato, em que o Brasil deixou de ocupar
a posição de playerem importantes articulações e causou certa decepção em
alguns importantes aliados internacionais. O terceiro, convencer setores ainda
nabuquistas do Estado – políticos e burocratas – e da sociedade de que é
preciso colocar em prática uma política externa voltada para o Sul Global, sob
pena de ficarmos para trás no rearranjo de poder que está em curso.
*Suhayla
Khalilː Doutoranda em Relações Internacionais pela
Universidade de São Paulo e recentemente foi doutoranda-visitante do Instituto
de Estudos Políticos de Paris
Ilustração:
Daniel Kondo, d´aprés Torres Garci.
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