Transmitir deliberadamente HIV/SIDA passa a ser crime
Moçambique modernizou seu código penal, distanciando-se,
doravante, de alguns dogmas jurídicos vigentes desde 16 de Setembro de 1886. Os
tribunais passarão abordar Ilícitos eleitorais, crimes contra ambiente, crimes
informáticos, dentre outros, observando uma doutrina reflectida na nossa
realidade actual.
A Assembleia da República aprovou este instrumento
jurídico a 11 de Julho de 2014, movida pela necessidade de reformar o Código
Penal de 1886, com vista a garantir o gozo de direitos e liberdades ao cidadão
e a sua conformação com as hodiernas concepções da dogmática penal.
No dia 18 de Dezembro de 2014, o então Presidente da
República, Armando Guebuza, procedeu à
promulgação da Lei n.º 35/2014 (Código
Penal), seguindo-se um período de vacatio legis de 180 dias
até sua implementação efectiva.
Desde modo, só na semana finda o país passou a contar com
novo Código Penal, em substituição de outro que vigorava no país há mais de um
século. O novo código acomoda alterações constitucionais de 1990 e de 2004 e
elimina a obsolescência e o desajustamento da legislação colonial.
Não sendo perfeito, segundo algumas organizações da
sociedade civil, consagra molduras penais mais consentâneas aos chamados crimes
hediondos, aos raptos, a crimes ambientais, contra a propriedade, informáticos,
dentre outros.
Uma novidade importante do novo instrumento associa-se à
despenalização do aborto durante as primeiras semanas de gravidez, sem dúvida
uma grande vitória dos movimentos feministas que viram igualmente a violência
doméstica a ser tipificada como crime com moldura penal bem expressiva.
Deste modo, devem imediatamente ser restituídos à
liberdade todos os detidos preventivos e condenados por factos que para efeitos
da presente lei deixaram de constituir crime.
Conceito de penas alternativas
Avulta como uma das principais inovações da nova lei,
destacando-se aqui a prestação compulsiva de trabalho socialmente útil por
parte dos condenados.
A medida ou pena de prestação de trabalho socialmente
útil é fixada entre um mínimo de trinta e cinco e um máximo de mil e cento e
vinte períodos de trabalho. Cada período de trabalho tem o limite de quatro
horas de duração.
Só poderão beneficiar desta pena delinquente primária.
Na nossa próxima edição, reproduziremos, em pormenor, as
inquietações em torno deste novo instrumento jurídico, que gravitam, sobretudo
em volta de crimes de violação de menores de 16 anos, deixando de fora outras
(maiores de 16 anos e menores de 18 anos).
Refira-se que a Convenção Internacional dos Direitos das
Crianças e a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-estar das Crianças, ambas
ratificadas por Moçambique, bem como a legislação nacional, definem como
crianças todas as pessoas menores de 18 anos.
O Artigo 219, Violação de menor de doze anos (ler quadros
ao lado), destaca-se como o mais contestado justamente por considerar crianças
apenas os menores de 12 anos, em violação às disposições da Constituição da
República e das Convenções acima referidas.
De acordo com organizações da sociedade civil, o crime de
violação de menor deveria reflectir a definição de criança patente na lei
moçambicana, passando a ser “violação de menor de 18 anos”.
Publicamos, a seguir, alguns artigos que reputamos de
extrema importância.
Crimes informáticos
ARTIGO 317
(Incitação de menores por meios informáticos)
1. Quem por meio informático incitar menor de doze anos
para a prática de actos ilícitos, tipificados na lei criminal, será punido com
pena de prisão.
2. Quando da incitação resultar a prática de um crime
consumado, será punido com a pena prevista para o tipo legal de crime cometido,
especialmente agravado.
ARTIGO 318
(Furto informático de moedas ou valores)
Aquele que, sem autorização e com recurso a meios
informáticos, subtrair valores patrimoniais para si ou para terceiro, é punido
com pena aplicável para o furto.
ARTIGO 323
(Instigação pública a um crime com uso de meios
informáticos)
1. Quem, através de meios informáticos ou electrónicos,
por divulgação de escrito ou outro meio electrónico de reprodução técnica, provocar
ou incitar ao motim, à prática de um crime tipificado, é punido com pena de
prisão, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
ARTIGO 326
(Fraudes relativas aos instrumentos e canais de pagamento
electrónico)
1. Será punido com pena de prisão maior de dois a oito
anos, aquele que com intenção praticar actos fraudulentos:
a) Contrafizer ou falsificar um
instrumento ou canal de pagamento electrónico,
b) Aceder ilegalmente a um sistema de
pagamento electrónico, mediante a violação indevida dos mecanismos de
segurança;
c) Instalar objectos que afectem
o funcionamento do canal ou sistema de pagamento electrónico, visando obter,
adulterar ou destruir dados ou informações;
d) Furtar, roubar ou por outra forma ilícita
apropriar-se de um instrumento de pagamento electrónico de outrem, incluindo o
correspondente crédito secreto;
e) Possuir, deter, importar,
exportar, receber, transportar, vender ou transferir para terceiros
instrumentos de pagamento electrónico obtidos indevidamente ou que tenham sido
objecto de contrafacção ou falsificação;
f) Criar programas
informáticos, instrumentos, objectos e outros meios preparados deliberadamente
para práticas de infracções relacionadas com instrumentos de pagamento
electrónico.
1. Considera-se instrumento de
pagamento electrónico o dispositivo ou registo electrónico que permite ao
utilizador transferir fundos ou pagar a um beneficiário.
Crimes de linchamento e hediondos
ARTIGO 159
(Linchamento)
Aquele que se ajuntar para animar, instigar ou executar,
com espontaneidade, imitação, influência mútua, emoção e fúria, utilizando ou
não instrumentos contundentes, com o fim de torturar, espancar, atear
fogo à outra pessoa, sob suspeita de criminoso, será condenado, se pena mais
grave não couber, a:
a) Pena de prisão de dois a oito
anos se tiver agido como executor e dos actos resultar a morte da vítima;
b) Pena de prisão se tiver agido como
animador ou instigador e dos actos resultar a morte da vítima;
c) Pena de prisão até seis meses,
em qualquer das posições dos autores referidos nas alíneas anteriores, e dos
actos resultar ofensas corporais e ferimentos.
ARTIGO 160
(Crimes hediondos)
1. São hediondos os crimes
praticados com extrema violência, crueldade, sem nenhum senso de compaixão ou
misericórdia de seus agentes, causando profunda repugnância e aversão à
sociedade.
2. Os crimes hediondos
compreendem:
a) Homicídio praticado em actividades típicas de
extermínio, ainda que cometido por um só agente,
b) Homicídio praticado como meio para consumar o roubo;
c) Homicídio praticado em consequência de violação de
pessoa vulnerável;
d) Rapto seguido de morte da vítima;
e) Violação de menor de 12 anos;
f) Epidemia provocada por agente com resultado morte;
g) Falsificação e adulteração de produtos destinados a
fins terapêuticos ou medicinais;
h) Terrorismo, quando praticado com recurso a violência
física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou
instalações de um governo ou população, de modo a incutir medo ou terror;
i) Tortura, quando o agente impo sofrimento físico ou
psicológico por crueldade, intimidação, punição para obter uma confissão,
informação ou simplesmente por prazer;
j) Genocídio, quando o agente pratica assassinato deliberado
a pessoas motivada por diferenças étnicas, nacionalidades, raciais ou
religiosas.
3. Os crimes referidos no número anterior são punidos com
a pena de prisão de vinte a vinte e quatro anos, agravado nos termos do artigo
118.
Ferir animais e derrubar árvores passa a ser crime
ARTIGO 346
(Morte ou ferimento de animais)
1. Aquele que matar ou ferir sem necessidade qualquer
animal doméstico alheio, em terreno cujo direito de uso e aproveitamento seja
do dono do animal ou detenha o direito de uso e habitação, será punido na pena
de prisão de seis dias a dois meses.
ARTIGO 353
(Abate de espécies protegidas ou proibidas)
Aquele que destruir fauna, flora, mangais, corais e
outras espécies marinhas, lacustres ou fluviais protegidas ou proibidas, ou
provocar com suas actividades erosão ou alteração de corpos hídricos, será
punido com pena de prisão de oito a doze anos e multa correspondente.
ARTIGO 342
(Danos em árvores)
1. Aquele que cortar ou destruir qualquer árvore
frutífera ou não frutífera, ou enxerto pertencente a outrem, ou a mutilar ou a
danificar, de modo que a faça perecer, será punido com pena de prisão de três a
trinta dias.
2. Se for mais do que uma árvore ou enxerto, a pena será
imposta multiplicada pelo número das árvores ou enxertos destruídos, contando
que não exceda ao máximo da prisão.
3. Se a árvore ou árvores eram plantadas em lugar
público, em estrada, caminho público ou autárquico, as penas serão em dobro,
sem nunca excederem ao máximo da prisão e multa.
Raptos, tráfico de pessoas e
outras formas de violência
ARTIGO 198
(Tráfico de pessoas)
Aquele que recrutar, transportar, acolher, fornecer ou
receber uma pessoa, sob pretexto de emprego, formação ou aprendizagem, para
fins de prostituição, trabalho forçado, escravatura, servidão involuntária ou
servidão por dívida será punido com pena de prisão maior de dezasseis anos.
ARTIGO 199
(Rapto)
1. Aquele que, por meio de
violência, ameaça ou qualquer fraude, raptar outra pessoa, com o fim de
submete-la à extorsão, a violação, obter resgate, recompensa, constranger
autoridade pública ou terceiro à uma acção ou omissão, ou suportar uma
actividade, será punido com pena de prisão maior de vinte a vinte e quatro
anos.
ARTIGO 161
(Posse, transporte e tráfico de órgãos humanos)
1. Aquele que detiver, possuir,
transportar e traficar partes ou órgãos humanos, internos ou externos, sangue,
produtos de sangue ou tecidos do corpo humano em violação das normas, será
punido com a pena de prisão de doze a dezasseis anos.
2. Aquele que instigar com
promessa de sucesso na vida sentimental ou em negócios ou de qualquer outra
natureza induza o agente a prática dos actos referidos no número anterior, será
punido com a pena de prisão de dezasseis a vinte anos.
3. Aquele que aliciar outrem, com
pagamento ou sua promessa, a qualquer título, conducente a pratica dos actos
previstos no número 1 do presente artigo, será punido com a pena do número
anterior.
ARTIGO 219
(Violação de menor de doze anos)
Aquele que violar menor de doze anos será punido com a
pena de vinte a vinte e quatro anos de prisão maior.
ARTIGO 249
(Coito com transmissão de doenças)
2. Aquele que, consciente do seu
estado infeccioso, mantiver coito consentido ou não consentido, com mulher ou
homem com quem tem ou teve uma relação, laços de parentesco ou consanguinidade
ou com quem viva no mesmo espaço, transmitindo-lhe doença ou infecção de
transmissão sexual, é punido com pena de prisão maior de dois a oito anos,
sendo a pena mínima elevada a três anos.
3. Se do coito resultar a
transmissão de vírus de imunodeficiência adquirida, a pena é de oito a doze
anos de prisão maior.
ARTIGO 250
(Violência patrimonial)
1. É punido com a pena de
prestação de trabalho socialmente útil, de cinquenta a cem horas, aquele que
cause deterioração ou perda de objectos, animais ou bens do núcleo família.
2. É punido com pena de prisão
ate seis meses aquele que deixar de prestar alimentos a que está obrigado, por
um período superior a sessenta dias, privando os benefícios de sustento e de
cuidados de saúde, educação e habitação.
3. O devedor referido no número
anterior é obrigado a pagar em dobro o valor da pensão de alimentos em falta.
4. Aquele que se apoderar dos
bens do núcleo familiar após morte do cônjuge, com quem vivia como tal, é
punido com pena de prisão até seis meses e multa correspondente.
Despenalização do aborto e
penas alternativas
ARTIGO 89
(Penas alternativas à prisão)
1.- São penas alternativas à prisão:
a) A prestação de trabalho socialmente útil;
b) A prestação pecuniária ou em espécie;
c) A perda de bens ou valores;
d) A multa;
e) A interdição temporária de direitos.
2. As penas alternativas à pena de prisão são
obrigatoriamente impostas ao condenado nos casos em que a conduta criminosa
seja punível com pena superior a dois e até ao limite máximo de oito anos,
verificados os pressupostos gerais de aplicação estabelecidos no artigo 102.
3.- as penas alternativas substituem a pena de prisão,
obstando a sua efectivação.
ARTIGO 168
(Aborto não punível)
1.Não é punido o aborto efectuado por médico ou outro
profissional de saúde habilitado para o efeito, ou sob a sua direcção, em
estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com
consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e
da experiencia da medicina:
a) Constituir o único meio de
remover o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para
a saúde física, psíquica ou mental da mulher grávida;
b) Se mostrar indicada para evitar perigo
de morte ou de grave e duradoira lesão para o corpo ou para a saúde física,
psíquica ou mental da mulher grávida e for realizado nas primeiras doze semanas
de gravidez.
c) Houver seguros motivos para
prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou
má-formação congénita, e for efectuado nas primeiras vinte e quatro semanas de
gravidez, comprovadas por ecografia ou por outro meio adequado, segundo as
normas da profissão e da ciência médica
d) O feto for inviável;
e) For recomendável, em caso de
doenças crónico-degenerativas;
f) A gravidez tenha
resultado de crime de violação sexual ou de relações de incesto, e o aborto
tenha lugar nas primeiras dezasseis semanas.
2.A verificação das circunstâncias que tornam não punível
o aborto será certificada por atestado médico, escrito e assinado antes da
intervenção por dois profissionais de saúde diferentes daquele por quem, ou sob
sua direcção, o aborto será efectivado.
3.O consentimento será prestado:
a) Em documento assinado pela
mulher grávida ou a seu pedido e, sempre que possível, com antecedência mínima
de três dias relativamente à data da intervenção;
b) Sendo a mulher grávida menor de
dezasseis anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, consoante
os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua
falta por quaisquer parentes da linha colateral
4. Se não for possível obter o
consentimento nos termos do número anterior e a realização do aborto se
revestir de urgência, o médico decidirá em consciência face a situação,
socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.
5. Não é punível o aborto
efectuado por médico ou outro profissional de saúde habilitado para o efeito,
ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente
reconhecido e com consentimento da mulher grávida, quando for praticado nas
primeiras doze semanas de gravidez.
6. Ao consentimento referido no
número anterior, é aplicável o disposto no número 3 e 4 do presente artigo.
Código penaliza acusações de feitiçaria
ARTIGO 180
(Maus tratos contra pessoa idosa)
1.É punido com a pena de prisão de três dias a dois anos
e multa correspondente àquele que:
a) Discriminar, humilhar,
menosprezar a pessoa idosa, impedindo ou dificultando o seu acesso à operações
bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer
outro meio impedir o exercício normal de cidadania;
b) Deixar de prestar alimentos devidos
condicionando-o à prática da mendicidade;
c) Não prestar assistência à
pessoa idosa quando seja possível fazê-lo em situação de iminente perigo;
d) Recusar, retardar ou dificultar
assistência a saúde ou a não solicitar o socorro de autoridade pública;
e) Abandonar pessoa idosa em
estabelecimento hospitalar, entidades de acolhimento ou congéneres, ou não
prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei,
f) Ofender psicologicamente
a pessoa idosa, acusando-a de feitiçaria ou de outras práticas tradicionais que
violem os direitos humanos;
g) Deixar de cumprir, retardar ou
frustrar sem justo motivo a execução de ordem judicial;
h) Expuser em perigo a integridade
física ou psíquica da pessoa idosa, submetendo-a a condições desumanas ou
degradantes ou privando-a de cuidados indispensáveis.
Dispositivos retirados no
novo Código Penal
·
Despenalização do crime de bigamia – eliminado.
·
Criminalização do adultério – eliminado.
· Fixação da
idade criminal aos 10 anos – aumentado para 16 anos.
· Suspensão da
pena do violador por se casar com a vítima – eliminado.
· Discriminação
entre menores virgens e não virgens (crime de estupro) – eliminado.
·
Descriminalização da violação conjugal – eliminado.
. Penalização
de menores por prática da prostituição por menores – eliminado.
Bento Venâncio
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