sexta-feira, 17 de julho de 2015

Mocambique/PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DO CÓDIGO PENAL

5 julho 2015, Jornal Domingo http://www.jornaldomingo.co.mz (Moçambique)

Transmitir deliberadamente HIV/SIDA passa a ser crime

Moçambique modernizou seu código penal, distanciando-se, doravante, de alguns dogmas jurídicos vigentes desde 16 de Setembro de 1886. Os tribunais passarão abordar Ilícitos eleitorais, crimes contra ambiente, crimes informáticos, dentre outros, observando uma doutrina reflectida na nossa realidade actual.

A Assembleia da República aprovou este instrumento jurídico a 11 de Julho de 2014, movida pela necessidade de reformar o Código Penal de 1886, com vista a garantir o gozo de direitos e liberdades ao cidadão e a sua conformação com as hodiernas concepções da dogmática penal.

No dia 18 de Dezembro de 2014, o então Presidente da República, Armando Guebuza, procedeu à
promulgação da Lei n.º 35/2014 (Código Penal), seguindo-se um período de vacatio legis de 180 dias até sua implementação efectiva.

Desde modo, só na semana finda o país passou a contar com novo Código Penal, em substituição de outro que vigorava no país há mais de um século. O novo código acomoda alterações constitucionais de 1990 e de 2004 e elimina a obsolescência e o desajustamento da legislação colonial.

Não sendo perfeito, segundo algumas organizações da sociedade civil, consagra molduras penais mais consentâneas aos chamados crimes hediondos, aos raptos, a crimes ambientais, contra a propriedade, informáticos, dentre outros.

Uma novidade importante do novo instrumento associa-se à despenalização do aborto durante as primeiras semanas de gravidez, sem dúvida uma grande vitória dos movimentos feministas que viram igualmente a violência doméstica a ser tipificada como crime com moldura penal bem expressiva.

Deste modo, devem imediatamente ser restituídos à liberdade todos os detidos preventivos e condenados por factos que para efeitos da presente lei deixaram de constituir crime.

Conceito de penas alternativas
Avulta como uma das principais inovações da nova lei, destacando-se aqui a prestação compulsiva de trabalho socialmente útil por parte dos condenados.

A medida ou pena de prestação de trabalho socialmente útil é fixada entre um mínimo de trinta e cinco e um máximo de mil e cento e vinte períodos de trabalho. Cada período de trabalho tem o limite de quatro horas de duração.

Só poderão beneficiar desta pena delinquente primária.

Na nossa próxima edição, reproduziremos, em pormenor, as inquietações em torno deste novo instrumento jurídico, que gravitam, sobretudo em volta de crimes de violação de menores de 16 anos, deixando de fora outras (maiores de 16 anos e menores de 18 anos).
Refira-se que a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-estar das Crianças, ambas ratificadas por Moçambique, bem como a legislação nacional, definem como crianças todas as pessoas menores de 18 anos.

O Artigo 219, Violação de menor de doze anos (ler quadros ao lado), destaca-se como o mais contestado justamente por considerar crianças apenas os menores de 12 anos, em violação às disposições da Constituição da República e das Convenções acima referidas.
De acordo com organizações da sociedade civil, o crime de violação de menor deveria reflectir a definição de criança patente na lei moçambicana, passando a ser “violação de menor de 18 anos”.

Publicamos, a seguir, alguns artigos que reputamos de extrema importância.

Crimes informáticos
ARTIGO 317
(Incitação de menores por meios informáticos)
1. Quem por meio informático incitar menor de doze anos para a prática de actos ilícitos, tipificados na lei criminal, será punido com pena de prisão.
2. Quando da incitação resultar a prática de um crime consumado, será punido com a pena prevista para o tipo legal de crime cometido, especialmente agravado.
ARTIGO 318
(Furto informático de moedas ou valores)
Aquele que, sem autorização e com recurso a meios informáticos, subtrair valores patrimoniais para si ou para terceiro, é punido com pena aplicável para o furto.
ARTIGO 323
(Instigação pública a um crime com uso de meios informáticos)
1. Quem, através de meios informáticos ou electrónicos, por divulgação de escrito ou outro meio electrónico de reprodução técnica, provocar ou incitar ao motim, à prática de um crime tipificado, é punido com pena de prisão, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
ARTIGO 326
(Fraudes relativas aos instrumentos e canais de pagamento electrónico)
1. Será punido com pena de prisão maior de dois a oito anos, aquele que com intenção praticar actos fraudulentos:
a)     Contrafizer ou falsificar um instrumento ou canal de pagamento electrónico,
b)    Aceder ilegalmente a um sistema de pagamento electrónico, mediante a violação indevida dos mecanismos de segurança;
c)     Instalar objectos que afectem o funcionamento do canal ou sistema de pagamento electrónico, visando obter, adulterar ou destruir dados ou informações;
d)    Furtar, roubar ou por outra forma ilícita apropriar-se de um instrumento de pagamento electrónico de outrem, incluindo o correspondente crédito secreto;
e)     Possuir, deter, importar, exportar, receber, transportar, vender ou transferir para terceiros instrumentos de pagamento electrónico obtidos indevidamente ou que tenham sido objecto de contrafacção ou falsificação;
f)      Criar programas informáticos, instrumentos, objectos e outros meios preparados deliberadamente para práticas de infracções relacionadas com instrumentos de pagamento electrónico.
1.     Considera-se instrumento de pagamento electrónico o dispositivo ou registo electrónico que permite ao utilizador transferir fundos ou pagar a um beneficiário.

Crimes de linchamento e hediondos
ARTIGO 159
(Linchamento)
Aquele que se ajuntar para animar, instigar ou executar, com espontaneidade, imitação, influência mútua, emoção e fúria, utilizando ou não  instrumentos contundentes, com o fim de torturar, espancar, atear fogo à outra pessoa, sob suspeita de criminoso, será condenado, se pena mais grave não couber, a:
a)     Pena de prisão de dois a oito anos se tiver agido como executor e dos actos resultar a morte da vítima;
b)    Pena de prisão se tiver agido como animador ou instigador e dos actos resultar a morte da vítima;
c)     Pena de prisão até seis meses, em qualquer das posições dos autores referidos nas alíneas anteriores, e dos actos resultar ofensas corporais e ferimentos.

ARTIGO 160
(Crimes hediondos)
1.     São hediondos os crimes praticados com extrema violência, crueldade, sem nenhum senso de compaixão ou misericórdia de seus agentes, causando profunda repugnância e aversão à sociedade.
2.     Os crimes hediondos compreendem:
a) Homicídio praticado em actividades típicas de extermínio, ainda que cometido por um só agente,
b) Homicídio praticado como meio para consumar o roubo;
c) Homicídio praticado em consequência de violação de pessoa vulnerável;
d) Rapto seguido de morte da vítima;
e) Violação de menor de 12 anos;
f) Epidemia provocada por agente com resultado morte;
g) Falsificação e adulteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais;
h) Terrorismo, quando praticado com recurso a violência física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou população, de modo a incutir medo ou terror;
i) Tortura, quando o agente impo sofrimento físico ou psicológico por crueldade, intimidação, punição para obter uma confissão, informação ou simplesmente por prazer;
j) Genocídio, quando o agente pratica assassinato deliberado a pessoas motivada por diferenças étnicas, nacionalidades, raciais ou religiosas.
3. Os crimes referidos no número anterior são punidos com a pena de prisão de vinte a vinte e quatro anos, agravado nos termos do artigo 118.

Ferir animais e derrubar árvores passa a ser crime
ARTIGO 346
(Morte ou ferimento de animais)
1. Aquele que matar ou ferir sem necessidade qualquer animal doméstico alheio, em terreno cujo direito de uso e aproveitamento seja do dono do animal ou detenha o direito de uso e habitação, será punido na pena de prisão de seis dias a dois meses.

ARTIGO 353
(Abate de espécies protegidas ou proibidas)
Aquele que destruir fauna, flora, mangais, corais e outras espécies marinhas, lacustres ou fluviais protegidas ou proibidas, ou provocar com suas actividades erosão ou alteração de corpos hídricos, será punido com pena de prisão de oito a doze anos e multa correspondente.

ARTIGO 342
(Danos em árvores)
1. Aquele que cortar ou destruir qualquer árvore frutífera ou não frutífera, ou enxerto pertencente a outrem, ou a mutilar ou a danificar, de modo que a faça perecer, será punido com pena de prisão de três a trinta dias.
2. Se for mais do que uma árvore ou enxerto, a pena será imposta multiplicada pelo número das árvores ou enxertos destruídos, contando que não exceda ao máximo da prisão.
3. Se a árvore ou árvores eram plantadas em lugar público, em estrada, caminho público ou autárquico, as penas serão em dobro, sem nunca excederem ao máximo da prisão e multa.

Raptos, tráfico de pessoas e outras formas de violência
ARTIGO 198
(Tráfico de pessoas)
Aquele que recrutar, transportar, acolher, fornecer ou receber uma pessoa, sob pretexto de emprego, formação ou aprendizagem, para fins de prostituição, trabalho forçado, escravatura, servidão involuntária ou servidão por dívida será punido com pena de prisão maior de dezasseis anos.

ARTIGO 199
(Rapto)
1.     Aquele que, por meio de violência, ameaça ou qualquer fraude, raptar outra pessoa, com o fim de submete-la à extorsão, a violação, obter resgate, recompensa, constranger autoridade pública ou terceiro à uma acção ou omissão, ou suportar uma actividade, será punido com pena de prisão maior de vinte a vinte e quatro anos.

ARTIGO 161
(Posse, transporte e tráfico de órgãos humanos)
1.     Aquele que detiver, possuir, transportar e traficar partes ou órgãos humanos, internos ou externos, sangue, produtos de sangue ou tecidos do corpo humano em violação das normas, será punido com a pena de prisão de doze a dezasseis anos.
2.     Aquele que instigar com promessa de sucesso na vida sentimental ou em negócios ou de qualquer outra natureza induza o agente a prática dos actos referidos no número anterior, será punido com a pena de prisão de dezasseis a vinte anos.
3.     Aquele que aliciar outrem, com pagamento ou sua promessa, a qualquer título, conducente a pratica dos actos previstos no número 1 do presente artigo, será punido com a pena do número anterior.

ARTIGO 219
(Violação de menor de doze anos)
Aquele que violar menor de doze anos será punido com a pena de vinte a vinte e quatro anos de prisão maior.

ARTIGO 249
(Coito com transmissão de doenças)
2.     Aquele que, consciente do seu estado infeccioso, mantiver coito consentido ou não consentido, com mulher ou homem com quem tem ou teve uma relação, laços de parentesco ou consanguinidade ou com quem viva no mesmo espaço, transmitindo-lhe doença ou infecção de transmissão sexual, é punido com pena de prisão maior de dois a oito anos, sendo a pena mínima elevada a três anos.
3.     Se do coito resultar a transmissão de vírus de imunodeficiência adquirida, a pena é de oito a doze anos de prisão maior.

ARTIGO 250
(Violência patrimonial)
1.     É punido com a pena de prestação de trabalho socialmente útil, de cinquenta a cem horas, aquele que cause deterioração ou perda de objectos, animais ou bens do núcleo família.
2.     É punido com pena de prisão ate seis meses aquele que deixar de prestar alimentos a que está obrigado, por um período superior a sessenta dias, privando os benefícios de sustento e de cuidados de saúde, educação e habitação.
3.     O devedor referido no número anterior é obrigado a pagar em dobro o valor da pensão de alimentos em falta.
4.     Aquele que se apoderar dos bens do núcleo familiar após morte do cônjuge, com quem vivia como tal, é punido com pena de prisão até seis meses e multa correspondente.

Despenalização do aborto e penas alternativas
ARTIGO 89
(Penas alternativas à prisão)
1.- São penas alternativas à prisão:
a) A prestação de trabalho socialmente útil;
b) A prestação pecuniária ou em espécie;
c) A perda de bens ou valores;
d) A multa;
e) A interdição temporária de direitos.
2. As penas alternativas à pena de prisão são obrigatoriamente impostas ao condenado nos casos em que a conduta criminosa seja punível com pena superior a dois e até ao limite máximo de oito anos, verificados os pressupostos gerais de aplicação estabelecidos no artigo 102.
3.- as penas alternativas substituem a pena de prisão, obstando a sua efectivação.

ARTIGO 168
(Aborto não punível)
1.Não é punido o aborto efectuado por médico ou outro profissional de saúde habilitado para o efeito, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiencia da medicina:
a)     Constituir o único meio de remover o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física, psíquica ou mental da mulher grávida;
b)    Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoira lesão para o corpo ou para a saúde física, psíquica ou mental da mulher grávida e for realizado nas primeiras doze semanas de gravidez.
c)     Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou má-formação congénita, e for efectuado nas primeiras vinte e quatro semanas de gravidez, comprovadas por ecografia ou por outro meio adequado, segundo as normas da profissão e da ciência médica
d)    O feto for inviável;
e)     For recomendável, em caso de doenças crónico-degenerativas;
f)      A gravidez tenha resultado de crime de violação sexual ou de relações de incesto, e o aborto tenha lugar nas primeiras dezasseis semanas.
2.A verificação das circunstâncias que tornam não punível o aborto será certificada por atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por dois profissionais de saúde diferentes daquele por quem, ou sob sua direcção, o aborto será efectivado.

3.O consentimento será prestado:
a)     Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu pedido e, sempre que possível, com antecedência mínima de três dias relativamente à data da intervenção;
b)    Sendo a mulher grávida menor de dezasseis anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, consoante os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta por quaisquer parentes da linha colateral
4.     Se não for possível obter o consentimento nos termos do número anterior e a realização do aborto se revestir de urgência, o médico decidirá em consciência face a situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.
5.     Não é punível o aborto efectuado por médico ou outro profissional de saúde habilitado para o efeito, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com consentimento da mulher grávida, quando for praticado nas primeiras doze semanas de gravidez.
6.     Ao consentimento referido no número anterior, é aplicável o disposto no número 3 e 4 do presente artigo.

Código penaliza acusações de feitiçaria
ARTIGO 180
(Maus tratos contra pessoa idosa)
1.É punido com a pena de prisão de três dias a dois anos e multa correspondente àquele que:
a)     Discriminar, humilhar, menosprezar a pessoa idosa, impedindo ou dificultando o seu acesso à operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio impedir o exercício normal de cidadania;
b)    Deixar de prestar alimentos devidos condicionando-o à prática da mendicidade;
c)     Não prestar assistência à pessoa idosa quando seja possível fazê-lo em situação de iminente perigo;
d)    Recusar, retardar ou dificultar assistência a saúde ou a não solicitar o socorro de autoridade pública;
e)     Abandonar pessoa idosa em estabelecimento hospitalar, entidades de acolhimento ou congéneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei,
f)      Ofender psicologicamente a pessoa idosa, acusando-a de feitiçaria ou de outras práticas tradicionais que violem os direitos humanos;
g)     Deixar de cumprir, retardar ou frustrar sem justo motivo a execução de ordem judicial;
h)    Expuser em perigo a integridade física ou psíquica da pessoa idosa, submetendo-a a condições desumanas ou degradantes ou privando-a de cuidados indispensáveis.

Dispositivos retirados no novo Código Penal
·        Despenalização do crime de bigamia – eliminado.
·        Criminalização do adultério – eliminado.
·        Fixação da idade criminal aos 10 anos – aumentado para 16 anos.
·        Suspensão da pena do violador por se casar com a vítima – eliminado.
·        Discriminação entre menores virgens e não virgens (crime de estupro) – eliminado.
·        Descriminalização da violação conjugal – eliminado.
.        Penalização de menores por prática da prostituição por menores – eliminado.

Bento Venâncio
bentok1000©yahoo.com.br

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