29 julho 2015, Angop http://www.portalangop.co.ao (Angola)
Luanda -- O ministro da Saúde, José Van-Dúnem,
afirmou que apesar da guerra de quase 30 anos ter destruído o país e grande
parte das infra-estruturas da saúde, hoje, após 40 anos desde que foi
proclamada a independência, os angolanos podem sentir-se vitoriosos porque a
saúde é para todos e não para uma minoria como acontecia até 1974.
José Van-Dúnem fez esta afirmação numa entrevista exclusiva à Angop no
âmbito dos 40 anos de Independência de Angola, que se celebra a 11 de Novembro
deste ano.
Eis a
entrevista na íntegra:
(Por
Rosária Fortunato e Eurídice da Conceição)
ANGOP:
São 40 anos desde que foi proclamada a Independência Nacional, onde estava o
senhor no dia 11 de Novembro de 1975 e que sentimento lhe vinha na alma?
José Van-Dúnem (JV) - Em 1975, não pude assistir a proclamação da
Independência na praça da Independência, porque infeliz ou felizmente naquela
altura eu era militar, pertencia a uma Unidade de Protecção Costeira de
Artilharia que estava a proteger a Ilha de Luanda na eventualidade de travar a
possibilidade de um desembarque do inimigo, naquela altura do 11 de Novembro.
Sabe que o país estava em guerra e era necessário criar as condições para que a
nossa festa não fosse interrompida. Tínhamos combates em Kifangondo e era
preciso uma série de medidas. Era uma aspiração profunda de todos os angolanos,
principalmente os da minha juventude que vinha de uma geração de adultos que
estiveram presos no Processo 50 e depois, já na nossa geração, uma grande vaga
de prisões numa estrutura clandestina do MPLA em Luanda. Era esse o sentimento
nutrido na época. Por isso, valeu a pena. Era um marco incontornável e
de
felicidade na vida de todos nós e, particularmente, dos da minha geração.
ANGOP:
Senhor ministro, recorda-se quando foi constituído o Ministério da Saúde?
JV - O Ministério da Saúde foi instituído em 1975, porque não havia um
Serviço Nacional de Saúde. O Serviço Nacional de Saúde foi uma conquista da
revolução, uma conquista do poder. Nós tivemos que adaptar lojas e casas que
foram abandonadas naquela altura pelo colono e depois transformar em centros e
postos de saúde. E entendemos já naquela altura que era necessário, através dos
cuidados primários de saúde, garantir o acesso a todas as populações os
cuidados de saúde. Este ano também vamos comemorar os 40 anos da
institucionalização do Serviço Nacional de Saúde. O Serviço Nacional de Saúde
tinha como características principais a sua gratuitidade e o acesso possível. O
que nós pretendíamos é que fosse um acesso universal com as limitações que
tínhamos, como a escassez de médicos, de enfermeiros, de infra-estruturas e até
de experiência de fazer funcionar o Serviço Nacional de Saúde.
ANGOP:
Muito foi feito apesar dos momentos de guerra que o país viveu. Podemos afirmar
que destes 40 anos, 30 ou quase estiveram virados para a guerra. Que
investimentos foram feitos em prol do desenvolvimento sanitário ao longo destes
anos?
JV - Temos que entender dois tempos: Um em que a guerra não permitiu que
houvesse intervenções estratégicas. Construíram-se unidades que eram destruídas
pela guerra, colocavam-se profissionais em zonas onde se fazia mais falta e
eram mortos, ou tinham a sua vida em risco, e tudo isso resultou nas
consequências que temos no sector da saúde. A grande maioria destas populações
eram pessoas preparadas para viver nas zonas rurais, as suas habilidades eram
para viver no campo, e então foram transferidas para ambientes laborais para os
quais elas não estavam preparadas e nem tinham habilidades. Por outro lado,
para salvarem as suas vidas abandonaram as casas e lavras, vivendo em situações
de precariedade nas periferias das grandes cidades e é assim que vimos enormes
musseques surgindo em Luanda, no Lubango e Benguela. Todas as grandes capitais
onde havia segurança, os musseques cresceram significativamente com déficit de
habitação, de água e de saneamento e, portanto, pessoas vivendo sem qualidade
de vida.
Estes aspectos, que são as determinantes de saúde associadas à
insuficiência dos serviços de saúde, não cresceram na dimensão em que estas
populações cresceram, o que levou a que a saúde não fosse muito boa. Também
temos que ter em conta que o financiamento era insuficiente e, porque os fundos
não eram elásticos, tivemos que manter a soberania do país, precisávamos de
manter a integridade territorial e como os recursos não podiam ao mesmo tempo
ser distribuídos por todas as frentes, priorizou-se a defesa do país, a saúde e
a educação. Esta conjuntura levou com que a saúde não fosse boa. A saúde era
aquela que era possível mas que não era boa.
Depois de termos conseguido a paz, a partir de 2002, começou-se um
esforço gigantesco de reconstrução, de formação, a nível de todas as capitais
provinciais, com duas funções: uma de capacitar os profissionais que já estavam
na rede pública a trabalhar, mas que tinham uma formação que muitas vezes não
tinha em conta o ambiente de trabalho. O que quer dizer que muitos estavam a
trabalhar a nível da atenção primária, centros e postos de saúde. Mas a
formação tinha como centro de treinamento um hospital, como por exemplo na
Huíla, em que eles eram formados.
Por outro lado, a base de estudo não era adequada, ou não havia muitos
recursos, e então não se podia modernizar os meios. Por isso, não se podia
conservar alguns e tudo isto acabou por ter repercussões na qualidade dos
profissionais. Ao reabrirmos estas escolas em todas as capitais provinciais,
pretendemos retreinar estes profissionais que estão já no Serviço Nacional de
Saúde e dar a oportunidade para que outros jovens se formem com qualidade e
boas condições de ensino, para que possam dar aos profissionais que nós
desejamos para trabalhar no Serviço Nacional de Saúde ou no Sistema Nacional de
Saúde. Do ponto de vista da capacidade do desempenho, este Serviço Nacional de
Saúde não tem nada a ver com o Serviço Nacional de Saúde que nós herdamos.
ANGOP:
Logo após a Independência Nacional, o país ficou praticamente sem médicos,
porque muitos emigraram para a Europa. Recorda-se de quantos médicos havia
naquela altura, comparado com o número de hoje?
JV - Neste momento, temos mil 594 médicos angolanos e uma média de dois
mil médicos cubanos. O país conta com perto de quatro mil médicos. Mesmo
aqueles que são saudosistas reconhecem que havia em muitas localidades
enfermeiros, mas hoje temos médicos em todas as províncias. Comparando o número
de médicos que havia por altura da independência, mesmo durante o tempo
colonial, com o que nós temos hoje é uma diferença abismal. Hoje temos
muitíssimos mais médicos e enfermeiros e o nível de diferenciação das pessoas é
muito superior do que era aquando da independência.
ANGOP:
Quantas unidades sanitárias há no país?
JV - Não tenho este número em memória, mas posso afirmar que temos
hospitais provinciais em todas capitais, temos hospitais monovalentes, de
pediatria, ginecologia e cancro, para permitirmos que os casos mais complicados
tenham resposta satisfatória a nível destas unidades. Ao nível das províncias
temos a Faculdade de Medicina, onde os alunos ao trabalharem nas unidades da sua
formação emprestam qualidade nestas unidades, fazendo com que a população possa
beneficiar de serviços com muito maior qualidade. Esta simbiose promove
sinergias positivas que é também um ganho da estratégia geral do Governo,
visando melhorar a saúde dos angolanos, seja pela formação das várias classes,
seja pela qualidade dos serviços que tende a criar para que a formação tenha
lugar em condições adequadas.
ANGOP:
Que políticas o Executivo implementou para o crescimento do número de quadros,
principalmente médico?
JV - O Estado criou cinco faculdades que contam com o apoio de cubanos,
nomeadamente em Benguela, Huambo, Huíla, Malanje e Cabinda, que se juntaram à
Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto. Em média, a Universidade
Agostinho Neto formava 60 médicos por ano, cifra insuficiente para resolver o
problema da falta de médicos ao manter este nível de formação. Daí que, com o
apoio de Cuba, o Governo, através do Ministério do Ensino Superior, criou estas
cinco faculdades e começaram a sair os primeiros médicos no ano passado e vamos
passar a ter um número significativo de médicos para reforçar o Sistema
Nacional de Saúde.
Complementarmente, temos um acordo com Cuba que nos ofereceu 100 bolsas
por ano para a formação de médicos e cujo primeiro contingente começa a chegar
em Agosto. Agora, põe-se o problema de os colocar lá onde fazem falta, porque a
guerra trouxe também como consequências o facto de as pessoas mudarem do seu
local de trabalho e por desconfiança não querem voltar aos antigos sítios, o
que faz com que nem sempre tenhamos facilidade em colocar os profissionais onde
fazem falta, garantindo assim o acesso universal aos serviços de saúde com
qualidade. Outras coisas que fizemos para ultrapassar esta dificuldade é que
entendemos que teríamos muitas dificuldades em dar resposta coerente e
sustentável se continuássemos com os recursos centralizados em Luanda.
ANGOP:
Que marcos históricos da saúde ocorreram ao longo destes 40 anos que
influenciaram o desenvolvimento sanitário?
JV - Primeiro, a criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1975, que
acabou com o acesso de uma minoria, porque os serviços de saúde não eram para
os angolanos, mas para os portugueses que viviam em Angola, que eram 500 mil.
Então, os angolanos passaram a ter o acesso a um Serviço Nacional de Saúde que
era possível naquelas condições, e isto foi um grande marco. Estes serviços
eram prestados de uma maneira universal, gratuita e através dos cuidados
primários de saúde. Começaram as campanhas de vacinação para erradicação das
principais doenças preveníveis pela vacinação. Por exemplo, a erradicação da
poliomielite só foi possível agora porque noutra altura nós criávamos as
estruturas que depois eram destruídas e então havia um esforço que se fazia e
que depois desaparecia como consequência da guerra.
O segundo marco é a paz e a reconstrução massiva que aconteceu durante a
paz. Ainda no período de guerra, houve intervenções de grande valia como o
facto de criarmos municípios priorizados com base em critérios demográficos.
Aqueles com maior densidade demográfica tinham de ter segurança, pois as acções
e a quantidade de pessoas cobertas acabavam por se reflectir nos indicadores
gerais de saúde. Estas acções tinham as suas limitações, mas tinham uma
estratégia que foi de muito sucesso e fez com que tivéssemos a saúde que era
possível nestes municípios.
Mas o período pós-paz é que marca o esforço que este governo foi fazendo
para dar melhor saúde aos angolanos. A reconstrução de centros e postos de
saúde, criação de hospitais municipais para levar a que os serviços estejam o
mais próximo possível da população, evitando que ela se desloque aos grandes
hospitais por doenças de baixa complexidade que podem e devem ser tratadas nos
cuidados primários próximos das suas casas.
Aumentamos o número de médicos, a diferenciação dos enfermeiros,
melhoramos o financiamento e garantia dos medicamentos e gastáveis para as
unidades sanitárias e isto fez com que nos últimos anos houvesse um reganhar da
confiança das estruturas públicas. Por exemplo, não se podia garantir que
muitas vezes os medicamentos chegassem às unidades, tínhamos até dificuldade de
garantir a limpeza e de manter a cadeia de frio, porque os recursos não eram
oportunos, mas com a paz, com o financiamento que foi dado ao sector da saúde
podemos progressivamente melhorar estes serviços e como consequência aumentou o
nível de confiança das pessoas beneficiárias. Vivemos um momento financeiro
menos bom, mas pensamos ultrapassar tão brevemente, para manter o esforço de
conquista da confiança da população e continuar a melhorar os indicadores
sanitários do país.
ANGOP:
Uma das características do Programa de Municipalização dos Serviços de Saúde é
a descentralização da gestão, com transferência de responsabilidade aos
municípios. Senhor ministro, as políticas traçadas pelo Ministério têm sido
cumpridas com eficácia?
JV - Dificilmente o ministro da Saúde, em Luanda, poderia entender o que
se passa em Luchazes ou em Chipindo ou em Cambundi Catembo ou num dos
municípios do Cuando Cubango e tínhamos que dar os meios a quem está lá junto
das populações. Por isso, municipalizamos os serviços de saúde. Temos um
conjunto de serviços a oferecer ao nível dos cuidados primários de saúde e
demos recursos para que o administrador pudesse, no seu município, ter os meios
para que este programa fosse uma realidade.
Com o apoio complementado da cooperação cubana, colocamos um médico de
medicina geral, uma licenciada em enfermagem e um epidemiologista em gestão e
estatística para termos a informação em tempo oportuno e podermos tomar as
decisões, o que fez com que os números tivessem aumentado significativamente.
Hoje, podemos oferecer com muito maior qualidade em quase todos os municípios
do país os serviços médicos que nós não conseguíamos no início. Com os recursos
que foram colocados, atingimos resultados no máximo que poderiam dar. Do ponto
de vista de eficiência, temos algumas coisas para melhorar, como a continuação
do treinamento, a definição mais restrita daquilo que cada pessoa tem de fazer ao
nível do município.
A situação não tem nada a ver com aquela do passado, em que tínhamos
medicamentos na capital do município mas que não podiam ir para as comunas,
porque não havia carros para distribuí-los. Havia equipas que não iam fazer
supervisão porque não tinham dinheiro para as ajudas de custo, mas depois tudo
melhorou, fazendo com que a vida no município passasse a ter uma nova dinâmica
e melhorado a saúde das populações. Há aspectos ainda a melhorar. Nós hoje
lançamos os agentes comunitários sociais e sanitários com o Ministério da
Administração do Território que vão trabalhar como uma ponte entre a comunidade
e a unidade sanitária, centrando a sua maior atenção nas mulheres e crianças,
para a redução da mortalidade materna e infantil. As parteiras tradicionais que
estão a ser muito apoiadas pelo Ministério da Família e Promoção da Mulher têm
jogado um papel importante no encaminhamento das parturientes para as unidades
sanitárias, contribuindo para um parto mais humanizado. Ao nível do município estão
a acontecer uma série de acções que fazem com que isto se reflicta
positivamente ao nível da saúde do país e é tudo em consequência da
municipalização.
Esta foi uma decisão estratégica do Presidente da República quando disse
que a vida começa nos municípios, já que estamos a trabalhar para melhorar a
qualidade de vida dos angolanos. O sucesso nacional constrói-se com o sucesso
de cada um dos municípios, o que vai se transformar no sucesso de cada
província e a nível nacional. A unidade central continuará a ser o município,
através dos cuidados primários de saúde para o tratamento das doenças correntes
e preveníveis pela vacinação, grandes endemias, assistência e seguimento da
grávida, diminuição da mortalidade materna e infantil e, fundamentalmente, aumentar
o grau de confiança e de satisfação das populações.
ANGOP:
É recorrente ouvir-se em meios públicos que os serviços de saúde,
principalmente do Estado, prestam mau serviço aos pacientes, quer em termos de
atendimento humano, quer em equipamentos, e há um grande fosso entre este
serviço em clínicas privadas e nos hospitais do Estado. Algum comentário a este
respeito?
JV - Apesar de o nosso orçamento não ser o que gostaríamos, temos
serviços que são concorrenciais com os que são melhores no país. Os serviços
privados são melhores do que os nossos a nível da hotelaria. As clínicas
privadas oferecem uma hotelaria que nós não podemos oferecer, porque lá as
pessoas vão de borla e nas clínicas privadas pagam. De modo que o pagamento
funciona como um freio no acesso, ou seja, vai quem pode pagar, quem não pode
não vai. Temos situações em que nas maternidades duas mulheres ficam na mesma
cama e não é isto que queríamos. Estamos a abrir salas de parto na periferia.
Com a quantidade de profissionais que estamos a formar nós acreditamos que
vamos ter proximamente médicos a trabalhar nas salas de parto da periferia,
fazendo com que as pessoas tenham confiança nestes serviços e diminuam a
pressão nas maternidades centrais. O que temos de inferioridade com relação ao
sistema privado é a hotelaria. Por exemplo, há hospitais que estão a ser
criados que não têm nada a ver com qualquer um privado. Os serviços que
prestamos são de qualidade e temos que reconhecer o grande esforço do Governo
para melhorar a saúde da população.
ANGOP:
Continua-se a ver cada vez mais pessoas à procura de satisfação no estrangeiro.
A que se deve isso?
JV - Nós não temos ainda todos os serviços. As razões que levam as
pessoas a sair para o exterior devem ser vistas numa perspectiva de desenvolvimento.
Antigamente, alguém com falência renal tinha que fazer hemodiálise lá fora ou
morria aqui e, por isso, tínhamos muitas pessoas em Portugal, algumas em lista
de transplante. Nós hoje temos várias unidades em vários pontos do país. Há
pessoas que vão para fora porque os cancros que têm ainda não são tratados
aqui. Há outras pessoas que poderiam ser tratadas no país, mas que não têm
confiança nos nossos serviços, como por exemplo, no tratamento das hérnias
discais, implantes de próteses no joelho e substituição da cabeça do fémur. O
que fazemos cá, mas por desconfiança, muitos ainda vão fora do país.
Progressivamente, vamos diminuir as causas que levam as pessoas para o
exterior. Algumas áreas de oftalmologia, principalmente de seguimento, ainda
são motivos para evacuação para o exterior do país, mas mesmo países como
França, por exemplo, manda doentes para os Estados Unidos ou Alemanha, mas em
número muito reduzido e muito específico. O nosso esforço é cada vez mais criar
condições para que as pessoas sejam tratadas no sistema público sem ter
necessidade de ir para o exterior. Com as limitações que o país tem do ponto de
vista de poder pagar, nós não podemos ter os profissionais que gostaríamos.
Estamos a estudar e a discutir internamente como é que vamos encontrar
formas para remunerar de maneira diferente os profissionais para criarmos duas
especialidades. Por exemplo, no hospital do Moxico, colocar lá equipas de
professores altamente diferenciados que fizessem daquilo zonas de formação e
treinamento especializado e criassem uma espécie de turismo de saúde no Luena,
onde as pessoas fossem lá se tratar. Temos, por exemplo, em Benguela, o
Instituto Oftalmológico, onde as pessoas vão. Há um conjunto de razões que
foram causas de evacuação que hoje deixaram de ser.
ANGOP:
Para quando a unificação da tabela de preços praticados nas unidades sanitárias
privadas, mormente clínicas e farmácias?
JV – A uniformização vai ser difícil. Porquê? Como é que se faz a
estrutura de custos? Tem a ver com a complexidade dos serviços que eles
oferecem, o nível dos equipamentos e a diferenciação dos médicos. Nós temos de
trabalhar com eles e encontrar valores entre os quais possam variar estes
preços. Não podemos ter diferenças abismais entre uns e outros para serviços
prestados com a mesma qualidade. Estamos a tentar realizar um esforço, mas a
nossa direcção principal não é esta, mas sim garantir para que a nível dos
hospitais públicos possamos ter cada vez mais serviços diferenciados para as
pessoas poderem escolher o serviço gratuito ou quase gratuito que os hospitais
públicos oferecem e o que as clínicas oferecem e isto é que vai regular as
escolhas das pessoas e vai levar a que elas diminuam os preços.
ANGOP:
A redução da mortalidade nas estradas também é responsabilidade do Ministério
da Saúde. Até que ponto a população deve contar com os serviços de emergências
médicas, visto que até hoje não se tem um terminal telefónico para a sua
solicitação?
JV - É um problema que se faz sentir, mas não vejo da mesma maneira que
foi posta a questão. É um problema também do Ministério da Saúde, mas também
começa em nós enquanto cidadãos, enquanto famílias. Temos que organizar a nossa
família de modo a que sejamos responsáveis para que algumas razões que são
motivo de morte e desastres e que podem ser minimizadas desapareçam, como por
exemplo, não conduzir embriagado e ter em conta o excesso de velocidade, pois
tudo isto produz acidentes graves.
Hoje se acontecer um acidente, vamos ter a preocupação de tirar o
telemóvel para filmar ao invés de estar preocupado em ligar para pedir o apoio.
Nós desejávamos o 114 para o Inema mas por razões que não dependem de nós ainda
não é possível termos um número único. Mas temos dois ou três terminais de
telemóveis da Unitel para pedir os serviços do Inema. É assim que as
ambulâncias não param, andam numa actividade frenética por todo lado a
recolher, a prestar e a dar assistência com um trabalho de mérito. Aproveito o
momento para deixar uma palavra de apreço aos familiares dos dois colegas que
iam no helicóptero que se despenhou no Cuanza Sul para uma missão humanitária.
ANGOP:
O Hospital Neves Bendinha é o único no país com vocação para atender queimados…
JV - Todos os hospitais deveriam atender queimados. Eu orientei para que
todos os hospitais nacionais tratassem de queimados. Os serviços de cirurgia
dos hospitais têm a capacidade para tratar queimados, mas acontece é que o
doente queimado é muito exigente quando tem mais de 40 porcento da superfície
corporal queimada e o prognóstico é muito reservado e a probabilidade de morrer
é alta e influência negativamente à mortalidade dos hospitais e serviços. Por
isso, são encaminhados para outros hospitais, alegando-se que não têm
capacidade de resolução. Todos os médicos em cirurgia aprendem a atender doentes
queimados a quem se deve garantir o equilíbrio do electrólito, que a
temperatura se mantenha e proteja contra a infecção. Nós andamos num esforço
grande com o Ministério da Construção para a construção de um novo hospital
para queimados, mas não para queimaduras de rotina que podem ser tratadas nos
hospitais gerais e sim de alta complexidade que carecem de cuidados especiais.
ANGOP:
Sente-se realizado?
JV - Acho que sim, apesar de nem todas as coisas correrem bem. Mas acho
que, no geral, não posso me queixar da minha vida, pois podia ter sido muito
pior. Tenho filhos que são óptimos, uma família muito solidária, muito
compreensiva e isto ajuda muito na realização, fundamentalmente, na
estabilidade das pessoas. Deste ponto de vista, posso considerar-me uma pessoa
com sorte e feliz.
ANGOP:
O que gosta de fazer nos tempos livres?
JV - Estou agora a descobrir que o campo tem algumas coisas para ensinar
e como eu sou uma pessoa urbana estou a iniciar uma fazenda. Estou num processo
de aprendizagem de coisas que eu não sabia. De modo que tenho que ler, estudar
e ter a humildade de aprender e, como é uma coisa nova, ajuda a retemperar as
energias. Também gosto muito do mar, leio, gosto muito de ouvir música e como
tinha um primo e amigo, o André Mingas, juntamente com o Carlitos Vieira Dias
influenciaram muito neste gosto pela música, principalmente a nacional.
ANGOP:
Que tipo de músicas gosta e qual dos cantores aprecia?
JV – Eu gosto de música nacional e dos músicos angolanos Yola Smedo,
Pérola, Dog Murras, Damásio e Yuri da Cunha, que são realmente cantores que
marcam o panorama nacional. Dos antigos, gostava muito do David Zé e Artur
Nunes, que eram espectaculares. Mas tenho uma grande admiração pelos meus
primos Carlitos Vieira Dias e André Mingas que me marcaram muito do ponto de
vista afectivo.
ANGOP:
Senhor ministro, qual é o seu clube de coração?
JV - Não me façam dizer isto (risos), porque eu pago quotas em dois
clubes. Eu sou do Petro, mas o meu clube de coração é o D’agosto. Não estamos a
passar um bom momento do ponto de vista de resultados, mas acreditamos que é
uma fase transitória, vai passar e teremos grandes resultados.
Angop: Prato preferido?
JV – Eu sou uma pessoa que não tem muitas esquisitices. Como quase tudo.
Quando foi do Marburg, nós ficamos muito tempo no Uíge e uma vez me levaram a
comer “chissombe”. A princípio provei com uma certa suspeição porque era uma
coisa nova, mas de facto é uma coisa maravilhosa, com um paladar
extraordinário. Gosto muito de peixe e marisco, embora agora o ácido úrico
esteja no limite. Gosto muito de funge. Em minha casa, religiosamente pelo
menos todos aos sábados comemos funge e o feijão de óleo de palma. O funge,
gosto, com muitos quiabos e muita rama, um bom calulú.
PERFIL
Data de
Nascimento: 12 de Maio de 1951
Naturalidade: Luanda (Angola)
Estado
civil: Casado
Formação
académica: Licenciado em medicina pela Universidade Agostinho Neto,
especializações em Saúde Pública e Doenças Tropicais. Cursos de Gestão de
Cuidados Primários de Saúde da Fundação Aga Khan.
Cargos
já ocupados: vice-ministro da
Saúde para a área da Saúde Pública e Técnico Superior de Financiamento do
Ministério das Finanças. É ministro da Saúde desde Outubro de 2008.
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