25 julho 2015, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br
(Brasil)
Por Pedro Aguiar, no site Opera Mundi
O maior
confronto enfrentado na América Latina atualmente é “a batalha midiática”,
desde pelo menos o ano de 2002, quando a tentativa frustrada de derrubar Hugo
Chávez na Venezuela deu início a um novo tipo de golpe de Estado, o “golpe
midiático”, transferindo aos meios de comunicação privados o papel de partido político
nas oposições aos governos da “guinada à esquerda”.
A
avaliação foi feita pelo jornalista e professor Ignacio Ramonet, ex-editor do
jornal Le Monde Diplomatique, na palestra de abertura do congresso “Comunicação
e Integração Latino-Americana”, realizado entre os dias 22 e 23 de julho em
Quito, capital do Equador.
Organizado
pelo Ciespal (Centro Internacional de Estudos Superiores da Comunicação para a
América Latina), o evento comemora nesta sexta-feira (24) os dez anos de
fundação da Telesur, canal multinacional de televisão mantido por diversos
governos da região. Fundada por iniciativa de Chávez três anos após o golpe
fracassado, a emissora nasceu com o papel de promover uma alternativa na
cobertura das notícias latino-americanas, feita por jornalistas e comunicadores
da própria região.
“Nos
últimos 15 anos, todos os governos progressistas que chegaram ao poder
democraticamente na região vêm sendo mantidos por via eleitoral. Nenhum deles
foi derrotado nas urnas. Por isso, a resistência à mudança vem sendo cada vez
mais brutal, apelando para
novos tipos de golpes, alguns com fachada judicial,
parlamentar, e sempre com forte ajuda da mídia”, disse Ramonet, lembrando os
casos do Paraguai, Honduras e investidas recentes na Argentina e no Brasil.
Ao lado de
Ramonet, a presidente da empresa, Patricia Villegas, lembrou que as principais
coberturas do canal até agora foram justamente em países que não participam do
consórcio, como a campanha militar contra a guerrilha das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia) e o golpe contra o presidente Manuel Zelaya, em
Honduras, em 2009.
“Naquele
momento, o mundo só pôde acompanhar o que acontecia em Honduras, minuto a
minuto, graças ao sinal da Telesur.Porque as emissoras privadas globais ou não
estavam lá, e as que estavam preferiam ignorar”, disse.
Para
Ramonet, o grande mérito da Telesur ao longo dessa década foi oferecer “uma
outra leitura” sobre os acontecimentos da América Latina e do mundo, fugindo
das perspectivas de redes privadas como CNN e Fox News que, para ele, seguem
praticamente a mesma linha.
“Estou
convicto de que a CNN vai desaparecer, não por falta de capital, mas por falta
de audiência”, previu Ramonet, falando por teleconferência desde Caracas para a
plateia de jornalistas, intelectuais e estudantes reunida no auditório
equatoriano.“A Telesur não tem concorrência.Esse é o sonho de qualquer
canal.Porque as outras fazem mais ou menos a mesma coisa”.
'Convergência
digital'
Segundo o
jornalista — que é espanhol mas vive radicado na França desde 1972 —, a maior
mudança na comunicação nos últimos dez anos foi a integração das várias
plataformas, a chamada “convergência digital”: smartphones, tablets e
computadores, que roubaram da televisão o posto de tela principal da mídia. E,
se antes as inovações tecnológicas estouravam primeiro nas cidades ricas da
Europa e dos EUA, aponta Ramonet, agora já são disseminadas simultaneamente nas
grandes metrópoles da América Latina e de outras regiões em desenvolvimento.
“As novas
plataformas abandonam a continuidade que obrigava o espectador a assistir tudo
linearmente; agora ele pode ver o que quiser, na ordem que quiser. Os canais
que se adaptarem melhor são os que têm mais chance de sobreviver”, aponta.
Patricia
Villegas enfatizou que a adaptação às novas plataformas é uma de suas maiores
preocupações da Telesur. “Não adianta fazer conteúdos-espelho, que se repetem
de forma idêntica na TV, na web, no Facebook, no Twitter. Os conteúdos precisam
ser complementares e diferentes, porque o público os consome de formas
diferentes”, disse ela.
Além do
décimo aniversário, completado nesta sexta-feira, dia 24 de julho, a Telesur
celebra também um ano desde o início da produção de conteúdos em inglês. “Não
estamos traduzindo informações, mas produzindo diretamente em inglês”,
enfatizou Patricia Villegas. Segundo ela, a entrada na esfera anglófona
sinaliza a intenção da empresa em ampliar sua presença global. Por enquanto
restrita ao site e às redes sociais, a Telesur em inglês espera iniciar em
breve transmissões também como canal de televisão, com sede em Quito.
Sul
geopolítico
“Na
América Latina, vários intelectuais e lideranças políticas têm o vício de só
ver a relação regional com o 'gigante do norte', os Estados Unidos. Mas também
é extremamente importante considerar nossa relação com a China, a África, o
Oriente Médio. A Telesur tem a tarefa de transportar a missão progressista da
América Latina para o resto do mundo”, disse Ramonet.
Justamente
por isso, Villegas diz que o canal continua expandindo seu universo de pautas
para outras regiões, como o ataque da Otan (Organização do Tratado do Atlântico
Norte, a aliança militar ocidental) na Líbia, em 2011, e mais recentemente na
crise financeira da Grécia, quando o canal enviou jornalistas para Atenas e
investiu na cobertura ao vivo. “Às vezes perguntam aos nossos repórteres: 'O
que vocês estão fazendo aqui?'. Estamos aqui porque a nossa ideia de 'sul' não
é apenas geográfica, mas principalmente geopolítica. Enxergamos a informação
como um serviço, e não como mercadoria”.
“Durante
muito tempo na América Latina, o jornalismo era um privilégio das emissoras
privadas, e as TVs públicas ficavam relegadas à programação educativa, cultural
e folclórica. Daí a importância de investir em produzir informação numa tela pública.
Não se trata de um monólogo do Estado, mas de dar voz também aos grupos
comunitários, como indígenas e afrodescendentes, contra a folclorização dessas
comunidades”, concluiu Patricia Villegas.
Da teoria
à prática
A proposta
do congresso em Quito é ser não apenas acadêmico, mas também proporcionar a
troca de experiências práticas em jornalismo e gestão de mídia voltada para a
integração regional, ambos sob uma perspectiva crítica. A ideia é que
professores, intelectuais e estudantes de fato dialoguem com jornalistas,
diretores de emissoras e agências de notícias e gestores públicos do setor.
“É
fundamental a teoria que reflete sobre a prática para dar-lhe sentido e
compreender melhor a realidade para fazer diferente”, comentou Ramonet.
O diretor
do CIESPAL, o espanhol Francisco Sierra, lembrou na fala de abertura que a
tentativa de descrédito sobre a Telesur e outras mídias públicas, assim como
contra as iniciativas de regulação e democratização da mídia pelos governos da
“guinada à esquerda”, lembra muito o ataque da mídia privada feito contra a
campanha da Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação (NOMIC) e o
Relatório MacBride da Unesco (Órgão da ONU para Educação, Ciência e Cultura),
entre os anos 70 e 80.
Ele
recordou o legado do comunicólogo boliviano Luis Ramiro Beltrán, falecido na
semana passada, que não apenas teorizou sobre a comunicação latino-americana,
mas ajudou a promover fóruns e encontros internacionais para criar iniciativas
práticas de alternativas midiáticas na região naquela mesma época.
Nos dois
dias do evento, também estarão presentes outros nomes do pensamento crítico da
região, como o argentino Atilio Borón, do Clacso (Conselho Latino-Americano de
Ciências Sociais), e o colombiano Omar Rincón, do Ceper (Centro de Estudos de
Jornalismo, em espanhol). Mais de 60 trabalhos acadêmicos foram inscritos para
apresentação. Entre eles, o do geógrafo André Pasti, doutorando pela
Universidade de São Paulo, que discutirá a trajetória das lutas pela
democratização da comunicação no Brasil.
“É
importantíssimo aprendermos e nos inspirarmos com os processos de
democratização da comunicação em curso em outros países da América Latina. O
congresso permite esse diálogo”, disse Pasti.
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