27 julho 2014 15:27,Correio
do Brasil http://correiodobrasil.com.br (Brasil)
Por Carl Edgard, com
agências internacionais -- de Nova York, EUA, Moscou e São Paulo
Os piores pesadelos do
presidente Barack Obama têm ganhado forma, em uma velocidade com a qual ele não
contava, no front financeiro. Uma análise do doutor em Estatística Jim Willie,
PhD na matéria pela Carnegie Mellon University, nos EUA, afirma categoricamente
que a Alemanha está prestes a abandonar o sistema unipolar apoiado pela
Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) e os EUA, para se unir às nações
dos Brics, o grupo que
reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, razão pela qual a agência
norte-americana de espionagem NSA ampliou suas escutas à lider germânica Angela
Merkel e terminou flagrada por agentes do serviço secreto alemão, após as
denúncias do ex-espião Edward Snoden. Em entrevista ao blogueiro Greg Hunter,
editor do USA
Watchdog, Willie afirmou que a verdadeira razão por trás do recente
escândalo de espionagem da NSA, visando a Alemanha, é o clima de medo que ronda
o governo norte-americano de que as potências financeiras da Europa estejam procurando
fugir do inevitável colapso do dólar.
Editor de um boletim
financeiro a partir de Pittsburg, no Estado norte-americano da Pensylvania, Jim
Willie afirma que o apoio dos EUA à Ucrânia e as consequentes sanções impostas
à Rússia integram o esforço dos EUA de tentar
segurar o êxodo europeu no campo
econômico e político, em nível mundial. “Aqui está a grande consequência. Os
EUA, basicamente, estão dizendo à Europa: você tem duas opções aqui. Junte-se a
nós na guerra contra a Rússia. Junte-se a nós nas sanções contra a Rússia.
Junte-se a nós nas constantes guerras e conflitos, isolamento e destruição à
sua economia, na negação do seu fornecimento de energia e na desistência dos
contratos. Junte-se a nós nessas guerras e sanções, porque nós realmente
queremos que você mantenha o regime do dólar. (Em contrapartida, os europeus)
dizem que estão cansados do dólar… Estamos empurrando a Alemanha para fora do
nosso círculo. Não se preocupem com a França, nem se preocupem com a
Inglaterra, se preocupem com a Alemanha. A Alemanha tem, no momento, 3 mil
empresas fazendo negócios reais, e elas não vão se juntar às sanções”.
Willie continua: “É um
jogo de guerra e a Europa está enjoada dos jogos de guerra dos EUA. Defender o
dólar é praticar guerra contra o mercado. Você está conosco ou está contra
nós?”.Quanto à espionagem da NSA sobre a
Alemanha, Willie diz: “(Os
espiões norte-americanos) estão à procura de detalhes no caso de (os alemães)
passarem a apoiar a Rússia sobre o ‘dumping’ ao dólar. Eu penso, também, que
estão à procura de detalhes de um possível movimento secreto da Alemanha em
relação ao dólar de união aos Brics. Isto é exatamente o que eu penso que a Alemanha
fará”.
Willie calcula que,
quando os países se afastarem do dólar norte-americano, a impressão de dinheiro
(quantitative easing, QE) aumentará e a economia tende a piorar. Willie chama
isso de ‘feedback loop’, e acrescenta: “Você fecha o ‘feedback loop’ com as
perdas dos rendimentos causados pelos custos mais elevados que vêm da QE. Não é
estimulante. É um resgate ilícito de Wall Street que degrada, deteriora e
prejudica a economia num sistema vicioso retroalimentado… Você está vendo a
queda livre da economia e aceleração dos danos. A QE não aconteceu por acaso.
Os estrangeiros não querem mais comprar os nossos títulos. Eles não querem
comprar o título de um banco central que imprime o dinheiro para comprar o
título de volta! A QE levanta a estrutura de custos e causa o encolhimento e
desaparecimento dos lucros. A QE não é um estímulo. É a destruição do capital”.
Na chamada
“recuperação” a grande mídia tem batido na mesma tecla durante anos, Willie
diz: “Os EUA entraram em uma recessão da qual não sairão até que o dólar tenha
desaparecido. Se calcular-mos a inflação corretamente… Veremos uma recessão
monstro de 6% ou 7% agora. Não creio que a situação melhore até que o dólar
seja descartado. Portanto, estamos entrando na fase final do dólar”.
“Você quer se livrar de
obstáculos políticos? Vá direto para o comércio e negócios. Por que é que a
Exxon Mobil continua realizando projetos no Ártico e no mar Negro (na Crimeia)
com os russos e suas empresas de energia? Nós já temos empresas de energia dos
Estados Unidos desafiando nossas próprias sanções, e mesmo assim estamos
processando os bancos franceses por fazerem a mesma coisa. Isso é loucura.
Estamos perdendo o controle”, aponta.
Um mundo não norte-americano
No Brasil, a cúpula
realizada em Fortaleza, na semana passada, durante a qual foi criado o Novo
Banco de Desenvolvimento, chamou a atenção do mundo para o próprio projeto de
desenvolvimento do bloco, bem como para o papel da China e da Rússia nesta
organização. O vice-diretor do Instituto de Estudos do Extremo Oriente da
Academia de Ciências da Rússia, Serguei Luzyanin, anda em paralelo à linha
traçada por Willie. Leia, adiante, a entrevista que Luzyanin concedeu à agência
russa de notícias VdR:
– Foi referida a
criação do embrião “de um mundo não norte-americano”. Porque é que os BRICS não
gostam da América do Norte?
– A cúpula brasileira
ficou para a história enquanto o mais fértil encontro do “quinteto” – Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul. A sua fertilidade não ficou apenas
patente na criação de instrumentos financeiros – o Banco de Desenvolvimento e
Arranjo Contingente de Reservas – mas, sobretudo, no nível de empenho dos
líderes dos Brics – no auge da Guerra Fria 2.0, quando os norte-americanos
tentam esmagar qualquer um que age à revelia das “recomendações” de Washington
– em criarem o seu embrião “de um mundo não norte-americano”. No futuro, outros
projetos poderão estar ligados ao desenvolvimento dos Brics, como a Organização
de Cooperação de Xangai (RIC). O importante é que, de fato, existe a concepção
“de um mundo não norte-americano” que se desenvolve ativamente e de forma
concreta. Os Brics parecem prestes a se tornar o epicentro deste novo fenômeno.
Não é preciso ser um político habilidoso para sentir que os povos e as
civilizações dos países em vias de desenvolvimento estão cansados de “padrões
norte-americanos” impostos. Aliás, padrões para tudo, economia, ideologia,
forma de pensar, os “valores” propostos, vida interna e externa, etc. O mundo
inteiro viu pela TV o aperto-de-mão dos cinco líderes dos Brics, ao qual,
passado uns dias, se juntou praticamente toda a América Latina. É discutível
se, neste impulso comum, existiu uma maior dose de contas pragmáticas ou de
solidariedade emocional, mas, uma coisa é certa, nele não houve qualquer amor
pela América do Norte. E isso ainda é uma forma polida de colocar as coisas.
– E quanto à adesão da
Argentina, quem, no Sul, irá “apoiar” os EUA?
– Para a Índia os Brics
são uma oportunidade de reforço na Ásia Austral e de desenvolvimento econômico
fora da alçada da Ocidente. A motivação regional é conjugada com expectativas
financeiras e tecnológicas que unem a África do Sul e o Brasil. No futuro, o
“segmento” latino-americano poderá ser reforçado. Muitos peritos esperam que o
“quinteto” seja alargado através da adesão da Argentina ao projeto. Ultimamente
tem existido um desenvolvimento fulgurante das relações bilaterais da Rússia e
da República Popular da China com países da América Latina, em setores como o
tecnológico-militar, comercial, de investimento e energético. Neste quadro, as
visitas em Julho de Vladimir Putin e de Xi Jinping marcaram o tendencial
círculo de potenciais aliados dos Brics, nomeadamente Cuba, Venezuela,
Nicarágua, Argentina, entre outros. Como é sabido, geograficamente, a America
Latina “apoia”, a partir do Sul, os EUA. O reforço dos Brics, nessa zona
sensível para os norte-americanos, é um trunfo adicional para o mundo em vias
de desenvolvimento.
– Relativamente à
“descoberta” muçulmana dos BRICS. Como será a institucionalização?
– Também se estuda o prolongamento dos Brics da direção do Islã, onde também existe descontentamento face ao domínio
norte-americano. Espera-se que, após a entrada da Argentina, a fila de adesão
aos Brics seja engrossada pelo maior, em termos de população, país muçulmano do
mundo (cerca de 250 milhões), ou seja, a Indonésia. Ela, seja pela sua
ideologia, seja pela ambições, nasceu para aderir ao projeto e assim fechar a
região do Sudeste Asiático. O novo governo indonésio confirma a sua intenção de
desenvolver o relacionamento com os Brics. A entrada da Indonésia encerrará a
“corrente regional” que englobará as principais regiões do mundo. Além disso,
cada um dos países dos Brics irá representar a “sua” região, tornando-se no seu
líder informal. Brasil a América Latina, RAS a África, Rússia a Eurásia, China
o Nordeste da Ásia, Indonésia o sudeste asiático. Os futuros cenários de
desenvolvimento do projeto poderão ser diversos. Mas um deles já é atualmente
equacionado e de forma bastante concreta. Num futuro próximo, os líderes dos
BRICS deverão trabalhar no sentido da institucionalização do projeto,
nomeadamente através da criação de um fórum de membros permanentes (atualmente
são cinco Estados), e um fórum de observadores e de parceiros de diálogo.
– Há alguma chance de
os EUA dialogarem?
– É possível que, com
tempo, os EUA sejam obrigados a dialogar com os Brics. Porém, não parece ser
algo que venha a ter lugar num futuro próximo. Hoje o projeto está em ascensão.
Ele combina, organicamente, as vantagens de diversas civilizações, economias e
culturas políticas. Aqui não existem imposições nem domínios de um só país. É
claro que existem incongruências, algumas “divergências e visões diferentes
quanto à concretização de alguns projetos internacionais. Mas não são
diferendos estratégicos. Trata-se de questões objectivas, que surgem,
normalmente, nas relações internacionais do mundo político. Os Brics acabam por
ser o reflexo bastante preciso do nosso mundo multifacetado e bastante
complexo.
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