Mário Augusto Jakobskind*
Quando se fala em torturas e assassinatos ocorridos nos
anos de chumbo no Brasil e em outros países do Cone Sul não se pode esquecer do
local onde centenas de militares brasileiros foram treinados por oficiais
estadunidenses. A referência é a Escola das Américas, que funcionava no Panamá
e hoje funciona nos Estados Unidos. Em 2001, a escola, agora no Forte Benning,
na Geórgia, mudou de nome e país, passando a se chamar Instituto de Cooperação
e Segurança do Hemisfério Ocidental.
Para se ter uma ideia, pela Escola das Américas passaram,
entre outros, o general chileno Manoel Contreras, que chefiou a polícia
política da ditadura de Augusto Pinochet e cumpriu até pena por assassinatos e
torturas a presos políticos.
Na escola também conhecida como de assassinos,
instrutores estadunidenses adestrados para esse fim seguem ensinando a oficiais
latino-americanos a melhor forma de torturar. Só depois de 1996 o Brasil deixou
de mandar militares treinarem na escola de assassinos.
Nos Estados Unidos, grupos progressistas que não aceitam
como norma o ensino da tortura a opositores realizam protestos na entrada de
Fort Benning (foto). Este ano está marcado para os próximos dias 16 e 18 de
novembro novos protestos que deverão contar com a participação de milhares de
ativistas e religiosos, como tem acontecido em outros anos.
Em alguns países, entre os quais a Argentina, onde crimes
contra a humanidade foram cometidos, os responsáveis foram ou estão sendo
julgados. Seria tema de pauta saber quantos dos condenados passaram pela Escola
das Américas.
Não se pode esquecer também que pelo menos desde 1996
foram tornados públicos manuais utilizados na escola de assassinos que
recomendavam a aplicação de torturas, chantagens, extorsão e pagamento de
recompensas por inimigos dos regimes. O tempo passou e poucos anos depois se
tornaram conhecidas as torturas praticadas por militares estadunidenses no
Iraque. Foram aplicados os mesmos métodos que os da escola de assassinos que
adestrou oficiais militares latino-americanos.
Mesmo o Brasil, deixando para trás o regime de exceção
implantado no país depois de abril de 1964, na Academia Militar das Agulhas
Negras (AMAN), os cadetes continuaram a aprender nos currículos de formação as
mesmas matérias do período da Guerra Fria, que moldaram a mentalidade dos
militares. Em 1964, por sinal, o comandante da AMAN era nada mais nada menos que
o então Coronel Garrastazu Médici, imposto posteriormente à condição de
Presidente da República e responsável por um dos períodos mais duros em matéria
de violência institucional.
E por incrível que pareça, os currículos praticamente não
mudaram, tanto assim que Médici já foi indicado como patrono de formandos da
AMAN. Hoje, quando o Brasil avança, (lentamente, mas avança) na área de
direitos humanos, está na hora de mudar os currículos e aprimorar na formação
dos cadetes a questão dos direitos humanos.
É recomendação inclusive da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), aceito pelo
Estado brasileiro, ampliar o ensino dos direitos humanos no currículo de
formação militar, conforme previsão da Estratégia Nacional de Defesa.
Nesse sentido, o Estado brasileiro se compromete a
realizar estudo sobre a possibilidade de firmar convênio de cooperação com o
Instituto Interamericano de Direitos Humanos, cujo objetivo é assegurar,
através do curso de capacitação, que a formação dos praças e oficiais das
Forças Armadas do Brasil atenda aos padrões internacionais de proteção de
direitos humanos.
Todas essas questões se devem ao acordo, mediado pela
OEA, entre o Estado e a família do cadete Marcio Lapoente da Silveira, morto na
AMAN em 1992 quando participava de exercícios. Lapoente sofreu violências por
parte de um instrutor e morreu. A família apelou para a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da OEA, que fez as recomendações para o Estado brasileiro.
Pelo acordo foi fixada uma placa na AMAN em homenagem ao
Cadete Marcio Lapoente da Silveira e outros 22 cadetes mortos em circunstâncias
semelhantes na AMAN.
Militares da reserva, os tais óleos queimados da história
que a todo ano reverenciam no Clube Militar o golpe civil militar de abril de
64, chegaram a lançar até nota condenando a aceitação do acordo. As ameaças
feitas contra o ato de grandeza do Estado brasileiro só foram lidas por eles
mesmos.
A propósito do golpe de 64, já que neste momento se fala
tanto em quadrilhas, ou punir quadrilhas, como a do mensalão, não seria o caso
de se condenar de fato os remanescentes da quadrilha que tomou o poder a força
há quase 50 anos e conduziu o país a uma longa noite escura? Quando se fala
nisso, os defensores da impunidade lembram que os ministros do STF confirmaram
a vigência da lei da Anistia. No Chile, apesar da vigência da lei da anistia da
época de Pinochet, responsáveis por crimes contra a humanidade continuam sendo
julgados.
Em tempo: derrotar Mitt
Romney será um alívio para toda a humanidade. Não é à toa que o presidente Hugo
Chávez declarou que se fosse norte-americano votaria em Barack Obama.
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