12 novembro 2015, ODiario.info http://www.odiario.info
(Portugal)
A partir de final dos anos 50 e, sobretudo,
de 1960, sucederam-se as independências africanas. Não sem que, na maioria dos
casos, as potências coloniais tenham recorrido à violência e a manobras de todo
o tipo visando impedir a libertação. Em vários casos, as independências foram
conquistadas pela luta armada. Noutros casos, nesses anos 60, as independências
africanas foram «concedidas» pacificamente pelos governos coloniais a partidos
cujos dirigentes renunciaram à soberania plena e aceitaram trilhar a via
neocolonial.
Com o derrubamento da ditadura fascista em Portugal, a 25 de Abril de 1974, tornou-se inelutável o rápido desfecho do processo de independência dos novos países, apesar da oposição das forças reaccionárias portuguesas e africanas, apoiadas pelo imperialismo norte-americano. O nascimento dos novos estados, em especial os de Angola e Moçambique, contribuiu para acelerar importantes transformações progressistas na África Austral. O mapa político da África ainda sofre alterações quando, em 1993, a Eritreia se separa da Etiópia e, em 2011, o Sudão do Sul do Sudão. A independência trouxe progressos gigantescos, em todos os domínios, aos povos e países da África.
Há em Portugal pouca informação sobre as
lutas anti-imperialistas dos povos da África. Ao contrário do acontece em
relação a processos transformadores em outras partes do mundo, da América
Latina à Ásia, passando pela própria Europa.
Não admira, pois, que entre os comunistas e
outros revolucionários surjam questões sobre a situação dos combates dos
africanos pela sua emancipação social. Qual o balanço do trajecto dos modernos
estados africanos? Por que falharam em África experiências que proclamaram o
socialismo como objectivo? Quais as perspectivas de surgimento de regimes
progressistas no continente?
Não é possível encontrar respostas únicas,
e muito menos fáceis, para tais interrogações. Por um lado, porque a África é
diferenciada, de região para região, de país para país e, por vezes, no seio de
cada um dos seus 54 estados. Existem, como em outras paragens, diferenças
enormes, de Norte a Sul, do Oeste ao Leste, quanto à geografia, aos recursos
naturais, à população –de grande diversidade cultural étnica, linguística,
religiosa –, à história, ao percurso político, à economia.Por outro lado, há
múltiplos factores, internos e externos, por vezes imprevisíveis, que
condicionam a evolução dos países, na África como
nos outros continentes.
Apesar dessas diversidade e
imprevisibilidade, pode-se contudo tentar esboçar traços comuns e evidenciar
tendências no desenvolvimento contemporâneo das sociedades africanas.
Na segunda metade do século XX, a África
conheceu um amplo e impetuoso movimento de libertação nacional.
Desde o fim da 2.ª Guerra Mundial existia
um contexto internacional favorável ao movimento independentista dos povos
africanos sob domínio colonial das potências europeias. A derrota do
nazi-fascismo, o prestígio da União Soviética e do socialismo e, pouco depois,
ainda na década de 40, os processos independentistasna Índia e na Indonésia, a
luta heróica dos vietnamitas e a vitória dos revolucionários na República
Popular da China anunciaram tempos novos. E contribuíram para um ainda maior
encorajamento à secular resistência dos africanos contra a dominação e
exploração estrangeiras, mostrando que a emancipação dos povos era inevitável.
Assim, a partir de final dos anos 50 e,
sobretudo, de 1960, sucederam-se as independências africanas. Não sem que, na
maioria dos casos, as potências coloniais tenham recorrido à violência e a
manobras de todo o tipo visando impedir a libertação. Por exemplo, na Guiné
(Conakry), em 1958, quando os guineenses, mobilizados pelo PDG(Partido
Democrático da Guiné) e pelo seu líder, Ahmed SékouTouré, votaram «Não»a uma
proposta de solução neocolonial apresentada pela França, presidida pelo general
de Gaulle, os franceses abandonaram o território deixando os cofres da
administração vazios, levando técnicos e funcionários e retirando máquinas e
equipamentos com o propósito de jugular logo à nascença a jovem república. Ou
no Congo, onde os Estados Unidos e a Bélgica, ex-potência colonial, sabotaram
desde os primeiros dias da independência, em 1960, o governo progressista
liderado por Patrice Lumumba, derrubando-o, fomentando a secessão da província
do Katanga, intervindo militarmente e assassinando barbaramente o herói
congolês. Ou na Argélia, cujo direito à independência a França recusou-se a
reconhecer, levando os patriotas argelinos, sob a direcção da FLN (Frente de
Libertação Nacional), a pegar em armas e travar uma vitoriosa guerra
libertadora (1954-1962).
Noutros casos, nesses anos 60, as
independências africanas foram «concedidas» pacificamente pelos governos
coloniais a partidos cujos dirigentes renunciaram à soberania plena e aceitaram
trilhar a via neocolonial.Mantiveram-se assim dependentes, política e
economicamente, das classes dominantes das antigas metrópoles e ao serviço de
sectores privilegiados das respectivas burguesias nacionais, garantindo o
prosseguimento da exploração de mão-de-obra barata e da pilhagem das riquezas
dos seus países.
Quanto às colónias «portuguesas» de Angola,
Guiné, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, a natureza criminosa da
ditadura salazarista – que, logo no começo da década de 60, rejeitou repetidas
ofertas dos nacionalistas para abrir conversações sobre as independências dos
territórios então sob domínio português –forçou três guerras que provocaram
milhares de mortos e feridos ao longo de mais de uma década, adiando a
emancipação desses territórios.
Em 1961, em Angola, o MPLA (Movimento
Popular de Libertação de Angola), de Agostinho Neto, desencadeou a luta armada
de libertação nacional. O mesmo caminho seguiram, em 1963, o PAIGC (Partido
Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar
Cabral, e, em 1964, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), encabeçada
por Eduardo Mondlane e, mais tarde, por Samora Machel.
Com o derrubamento da ditadura fascista em
Portugal, a 25 de Abril de 1974, tornou-se inelutável o rápido desfecho do
processo de independência dos novos países, concretizado no ano seguinte,
apesar da oposição das forças reaccionárias portuguesas e africanas, apoiadas
pelo imperialismo norte-americano.
Com a morte do colonialismo senil
português, o nascimento dos novos estados, em especial os de Angola e
Moçambique, contribuiu para acelerar importantes transformações progressistas
na África Austral.Com o apoio do MPLA e da Frelimo, agora no poder, os
patriotas da ZAPU e ZANU, no Zimbabwé, em 1980, e da SWAPO, na Namíbia, em
1990, de armas nas mãos, liquidaram o domínio racista rodesiano e sul-africano e
alcançaram também a independência. E, na própria África do Sul, o apartheid foi
derrotado e, após décadas de resistência e combate, o ANC (Congresso Nacional
Africano), de Nelson Mandela, chegou ao poder, em 1994, com amplo apoio
popular, através de eleições democráticas.
O mapa político da África ainda sofre
alterações quando, em 1993, a Eritreia separa-se da Etiópia e, em 2011, o Sudão
do Sul do Sudão. Em ambos os casos passando por cima do compromisso da OUA
(Organização da Unidade Africana), criada em 1963, a que sucedeu a União
Africana, em 2002, de não mexer nas fronteiras herdadas do colonialismo.
Hoje, o Sahara Ocidental é a última colónia
em África. Marrocos ocupou o território em 1975, após a retirada da Espanha.
Apesar dos saharauis e da sua Frente Polisário terem proclamado no ano seguinte
a República Árabe Saharaui Democrática, os marroquinos continuam a ocupar
ilegalmente o território, negando ao povo o direito à autodeterminação.
Progresso histórico
Ao longo destas décadas, a independência
trouxe progressos gigantescos, em todos os domínios, aos povos e países da
África.
Apesar do ponto de partida– um subdesenvolvimento generalizado, em grande parte resultante de séculos de escravatura e de tráfico de escravos, de trabalho forçado, de exploração de mão-de-obra barata, do saque das riquezas naturais. Apesar das guerras, dos conflitos étnicos, dos golpes de estado e da instabilidade política, das doenças, da pobreza extrema de largos sectores da população, do analfabetismo. Apesar, em poucas palavras, dos efeitos nefastos da dominação imperialista directa (colonialismo) ou indirecta (neocolonialismo).
Apesar de tudo isso, e não foi pouco, os
africanos edificaram estados nacionais, forjaram e consolidaram as suas
nações.Promoveram a cultura, reforçaram a sua identidade. De modo diferenciado
de país para país, organizaram e dinamizaram as suas economias, que cresceram a
taxas elevadas. Melhoraram as condições alimentares, sanitárias e educacionais
das populações. Levaram água potável e electricidade a cidades, vilas e
aldeias. Formaram técnicos. Construíram hospitais, escolas, universidades,
habitação, barragens, estradas, portos e aeroportos. Criaram instituições
políticas e económicas supra-nacionais e intensificaram a cooperação
internacional. Planificam a integração continental e o desenvolvimento a médio
e longo prazo.
Nos anos mais recentes, a África passou de
«continente perdido» a «terra de oportunidades». É uma região de rápido
crescimento, de enormes riquezas naturais, com uma população de mais mil
milhões de habitantes, um imenso mercado que desperta a cobiça das grandes
potências capitalistas em crise.
Não é de estranhar, pois, nos nossos dias,
o renovado «interesse» do imperialismo por África.
Procurando responder à crise estrutural em
que o capitalismo se afunda, as potências imperiais reforçam a exploração e a
pilhagem, também no continente africano, multiplicando ingerênciase
intervenções militares, fomentando guerras, conflitos e divisões,no quadro da
sua estratégia de domínio global.
São bem conhecidos aspectos desta política
militarista em África:a agressão à Líbia, capitaneada pelos Estados Unidos e
pela NATO, e a instalação do caos no país;a instalação em diferentes regiões de
bases militares, em especial norte-americanas e francesas; a colaboração do
Africom, o comando militar dos EUA para África, com dezenas de estados (em
formação, espionagem, treino, operações conjuntas, facilidades em portos e
aeroportos, venda de armamento); as guerras do Mali à Somália, da República
Centro Africana ao Sudão do Sul, com intervenção de tropas estrangeiras; a
criação, financiamento e armamento do «terrorismo islâmico», um instrumento à
medida das manobras desestabilizadoras dos EUA e seus aliados.
Face ao intervencionismo belicista
estado-unidenseem África, a par da conivência no plano económico existente com
os governos africanos «amigos», há quem justamente designeeste processo como o
de uma autêntica recolonização do continente.
Opções progressistase perspectivas actuais
Ao longo do período de mais de meio século
devida dos modernos estados africanos, sempre existiram forças políticase
personalidades destacadas defendendoideais progressistas e lutando por opções
anti-imperialistas. E houve, em diversos países e em diferentes momentos,
experiências de governação mais ou menos duradouras cujo propósito declarado
foi o da construção do socialismo.
Na África Ocidental, nos anos 60, o ganês
KwameNkrumah, o congolês Patrice Lumumba ou o maliano ModiboKeita, combatentes
pela independência dos seus países, que chegaram a governar, eram homens
progressistas que pugnaram pela unidade africana e pela construção de
sociedades desenvolvidas e sem exploração. Mais tarde, nos anos 80, um jovem
capitão, Thomas Sankara, tomou o poder no Alto Volta, mudou o nome do país para
Burkina Faso (“terra dos homens dignos”) e governou com apoio popular, antes de
ser derrubado e assassinado. De orientação progressista foram também o primeiro
presidente argelino, Ahmed Ben Bella, ou o líder egípcio Gamal Abdel Nasser, no
Norte de África, ou o presidente tanzaniano JuliusNyerere, na África Oriental.
Como combatentes anti-imperialistas destacaram-se, igualmente, Nelson Mandela,
na África do Sul, Robert Mugabe, no Zimbabwé, ou Sam Nujoma, na Namíbia,
chegados ao poder já nos anos 80 e 90.
Líderes dos movimentos de libertação
nacional das colónias «portuguesas», Amílcar Cabral, Agostinho Neto, mais tarde
Samora Machel, eram dirigentes revolucionários. Ainda durante a guerra
emancipadora, compreenderam que não bastava aos povos africanos conquistarem só
um hino e uma bandeira. Para além da independência, era necessário continuar e
aprofundar a revolução nacional, construir sociedades desenvolvidas, sem
exploração do homem pelo homem. Cabral defendeu no início dos anos 70, pouco
tempo antes de ser assassinado por agentes a soldo do colonialismo português,
que a opção que se colocava aos dirigentes dos jovens estados africanos era o
neocolonialismo ou o socialismo.
A partir da segunda metade da década de 70,
na Angola dirigida pelo MPLA e pelo presidente Agostinho Neto e no Moçambique
com a Frelimo e o presidente Samora Machel na governação, as experiências de
construção acelerada de sociedades socialistas não triunfaram. Para tal, entre
outras causas, internas e externas, contribuiu como factor determinante a
guerra – literalmente – que o imperialismo norte-americano, associando-se sem
vergonhaao regime do apartheid, moveu contra os dois jovens estados. Invasões e
agressões militares, apoio a grupos armados reaccionários como a Unita e a FNLA,
em Angola, e a Renamo em Moçambique, desestabilização permanente, criação de
dificuldades económicas – foi a «receita»adoptada para esmagar as aspirações
dos povos angolano e moçambicano à emancipação social.
Estas ingerências imperiais estão longe de ser casos isolados. Álvaro Cunhal, numa comunicação apresentada em finais de 2003 num encontro internacional organizado pela Fundação Rodney Arismendi, do Uruguai, denunciava a utilização pelo imperialismo, designadamente pelos Estados Unidos, à escala mundial, de «colossais meios materiais e ideológicos, a repressão brutal contra os trabalhadores e os povos em luta, colossais meios financeiros, económicos, políticos e militares contra as revoluções, bloqueios, sabotagens, atentados, conspirações, acções terroristas e guerras declaradas e não declaradas».
De um modo geral, entre as principais
razões das dificuldades com que se depararam os regimes progressistas
africanos, as quais diferem de caso para caso, destaca-se é certo a permanente
acção de sapa do imperialismo (corrompendo as classes dirigentes, instigando
divisões étnicas e religiosas, fomentando descontentamentos, inspirando ou
promovendo golpes de estado de forma a garantir os seus interesses).Mas existem
causas internas: a corrupção de sectores da burguesia nacional e a sua opção
deliberada por «soluções» neocoloniais; a prioridade à resolução de problemas
imediatos, numa situação de grande debilidade económica; a estrutura da
sociedade, sem uma classe trabalhadora forte e organizada e com classes e camadas
sociais pré-capitalistas; e a inexistência de partidos políticos «armados» com
uma ideologia revolucionária validada pela realidade.
No início da década de 90, com a destruição
da URSS,a derrota do socialismo em vários países da Europa e o recuo do movimento
comunista e operário, a África independente e progressista perdeu um aliado
principal. A existência de um campo socialista forte, por si só,era um factor
fundamental de dissuasão e de contenção do imperialismo. Além disso, a União
Soviética, Cuba, a República Democrática Alemã, a China e outros países
socialistas apoiaram e auxiliaram sempre, política e economicamente, na medida
das suas possibilidades, quer a luta de libertação nacional dos povos africanos
quer a reconstrução nacional dos seus jovens estados.
Hoje, em novo contexto mundial marcado pela
instabilidade e incerteza, em resultado da escalada agressiva do imperialismo,
em África a maioria dos países continua a apresentar altas taxas de crescimento
económico. Mas, em muitos desses estados, as opções neoliberais dos partidos
que representam os interesses das classes dominantes no poder, atoladas na
corrupção, provocam profundas desigualdades sociais e o aumento galopante de
desemprego, pobreza, criminalidade.
Factores que podem contrariar estas
tendências negativas são o reforço dos sindicatos de classe e a emergência de
movimentos e organizações sociais, animados sobretudo por jovens, que contestam
cada vez mais a opressão nacional, a exploração, a corrupção e a submissão dos
governantes a interesses estrangeiros.
Uma outra nota positiva é trazida pela
recente criação, pelo grupode países emergentes denominado BRICS (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul) de um banco de desenvolvimento, que pode
ser uma alternativa para os estados africanos ao Banco Mundial e ao Fundo
Mundial Internacional, instrumentos de domínio do imperialismo.
Igualmente a cooperação económica
mutuamente vantajosa entre a África e a República Popular da China – os
chineses são já os primeiros parceiros comerciais do continente– pode
contribuir para uma menor dependência dos estados africanos.
Há perspectivas, pois, de ocorrerem a curto
ou médio prazo novas transformações progressistas em África?
Numa entrevista ao jornal cabo-verdiano
Tribuna, em 1989, Álvaro Cunhal pronunciou-sesobre a possibilidade de uma via
de desenvolvimento não capitalista para os países da África, considerando-a não
só possível como «a única opção a médio e a longo prazo para que os povos
africanos possam assegurar o desenvolvimento económico e social correspondente
aos seus interesses e aspirações».
O então secretário-geral do Partido
Comunista Português afirmou que «num mundo em que se acentua a divisão
internacional do trabalho com peso dominante da alta finança e das grandes
empresas capitalistas multinacionais, o desenvolvimento capitalista em países
cujo estádio de desenvolvimento económico é extraordinariamente mais atrasado
significa a criação ou reforço de laços neocolonialistas e fortes limitações à
independência e soberania nacionais». E avisou que o caminho para o socialismo
é extremamente complexo, tanto por factores objectivos como subjectivos, tanto
por factores internos como externos, de natureza económica, social e política:
«Não será certamente adequado pretender
copiar qualquer “modelo” de construção de socialismo em condições completamente
diferentes. A grande tarefa que se coloca a forças que ponham como objectivo a
construção do socialismo nos seus países é descobrir com criatividade
revolucionária os caminhos e soluções para, ainda que num processo irregular,
construir uma sociedade sem exploração do homem pelo homem, uma sociedade donde
sejam progressivamente eliminadas a opressão e as injustiças sociais».
Palavras que surpreendem pela actualidade e
validade, em África e em todo o mundo.
*Publicado em “O Militante”, n.º 339, Nov./Dez. 2015
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