quarta-feira, 10 de março de 2010

Colômbia/MEMORANDO PARA UM INTERCAMBIO SOBRE O CONFLITO COLOMBIANO

10 março 2010/Resistir Info http://www.resistir.info

por FARC-EP

Primeiro. Sempre acreditámos numa saída política para o conflito. Desde antes da agressão a Marquetália e durante estes 46 anos o reiterámos, exprimimos e lutámos.


Segundo.
Não somos belicistas, nem lutamos por vinganças pessoais, não temos patrimónios materiais nem privilégios a defender, somos revolucionários comprometidos com consciência e até sempre com a busca de uma sociedade justa e soberana, profundamente humanistas, desprovidos de qualquer interesse pessoal mesquinho, amamos a nossa pátria acima de tudo e somos obrigados a desenvolver a guerra contra uma classe dirigente ajoelhada perante o império, que utilizou de maneira sistemática a violência e o atentado pessoal como arma política para sustentar-se no poder, desde o dia 25 de Setembro de 1828 quando pretendeu assassinar o Libertador Simón Bolívar, até hoje, em que pratica o Terrorismo de Estado para manter o status quo.

Terceiro. A dificuldade que a Colômbia enfrentou para conseguir a reconciliação através do diálogo e dos acordos foi devida à concepção de paz oligárquica do regime, que só aceita a submissão absoluta da insurgência à chamada "ordem estabelecida" ou, como alternativa, a "paz dos cemitérios".

Quarto. Não lutámos toda a vida contra um regime excludente e violento, corrupto, injusto e anti-patriota para agora, sem mudanças na sua estrutura, retornar a ele.

Quinto. Na Colômbia muita gente boa e capaz que queria um país melhor e que luto por isso pelas vias pacíficas, como Jaime Pardo Leal, Bernardo Jaramillo, Manuel Cepeda e outros, foi assassinada de forma premeditada, vil e friamente pelos serviços de inteligência do Estado em aliança com os paramilitares e as máfias, inimigos do povo, num genocídio sem precedentes que liquidou fisicamente todo um movimento político dinâmico e em pleno crescimento: A UNIÃO PATRIÓTICA.

Devido a essa estratégia do Terrorismo de Estado fracassou-se na busca de solução política em La Uribe durante os governos de Belisario Betancur e Virgilio Barco e, em Caracas e México durante o governo de César Gaviria.

Sexto. Em El Caguán, como reconheceu no seu livro e em declarações públicas o presidente Pastraña, o regime só procurava ganhar tempo para recompor a debilitada força militar do estado com um cronograma, directrizes, instruções e financiamento da Casa Branca, integrados no Plano Colômbia e imposto pela administração de Bill Clinton para abortar uma saída política democrática para o conflito colombiano e dar início à sua campanha para reverter as mudanças progressistas que desde então avançam no continente. O satanizado processo do Caguán estava condenado ao fracasso antes de começar como corroborou o ex-presidente Pastraña, pois o seu governo jamais procurou aplainar o caminho rumo à paz e sim fortalecer e afinar o seu aparelho de dominação, para continuar a guerra.

Sétimo. Estes antecedentes não invalidam as possibilidades de uma solução política para o conflito colombiano. Evidenciam sim a quase nula intenção da classe dirigente colombiana de ceder no seu hegemonismo e na sua intolerância frente a outras correntes ou opções políticas de oposição que questionem o seu regime político e o seu alinhamento internacional incondicional em favor dos interesses imperiais dos Estados Unidos, com desprezo da nossa soberania e em sentido contrário aos mais caros e sentidos interesses da nação e da pátria.

Sua concepção sobre o exercício do poder é assinalada e sustentada pela violência, corrupção e rapacidade e isso torna muito difícil uma saída incruenta, que de todas as formas continuará a ser bandeira das FARC-EP e seguramente de amplos sectores do povo que finalmente é o que sente sobre a sua humanidade os efeitos da hegemonia oligárquica.

Oitavo. Os interesses dos diferentes sectores sociais estão a confrontar-se permanentemente. Em certas ocasiões e por períodos definidos a oligarquia exerce a sua ditadura a fundo, sem respostas transcendentes da parte das maiores pela pressão, repressão, guerra suja e desqualificação que se desenvolve a partir do Estado sobre elas de diferentes maneiras; em outros, as respostas são importantes mas não suficientes; em outros, a seguir a uma acumulação de factores sociais transbordantes, a resposta popular é contundente. Entendemos que os interesses dos diferentes sectores numa sociedade como a nossa estão em choque e movimento permanente, nunca paralisados. Por isso, falar na Colômbia de hoje do pós-conflito é propaganda.

Nono. Esta reflexão é pertinente, uma vez que as causas geradoras do levantamento armado no nosso país existem mais vivas e pujantes que há 46 anos, o que reclama, se queremos construir um futuro certo de convivência democrática, maiores esforços, desprendimentos, compromisso, generosidade e imaginação realista para atacar a raiz dos problemas e não as consequências dos mesmos.

Décimo. Depois de 12 anos de ofensiva total contra as FARC-EP por parte do governo dos Estados Unidos e do Estado colombiano, dos assassinatos oficiais, verdadeiros crimes de lesa humanidade, hoje chamados falsos positivos, do terror crescente da nova máscara do narco paramilitarismo denominada bancos criminosos, da asquerosa truculência do presidente para manter-se no poder com trapaças, da incontível corrupção da administração e da empresa privada que em troca dessa mesma corrupção e de subornos milionários apoia o governo, da impúdica invasão do exército gringo e da crescente injustiça social com alto desemprego, sem saúde para as maiores, com um altíssimo deslocamento interno, com um ridículo salário mínimo em oposição aos enormes lucros de banqueiros, fazendeiros e empresas multinacionais e depois de haver escamoteado com uma reforma laboral as conquistas salariais mais transcendentes aos trabalhadores do campo e da cidade, tudo o que se conseguiu foi adubar mais o terreno para o crescimento da insurgência revolucionária.

Segunda parte:

1. O conflito armado colombiano possui profundas raízes históricas, sociais e políticas. Não foi a invenção de nenhum demiurgo, produto de ânimos sectários, nem consequência de alguma especulação teórica e sim o resultado e a resposta a formas de dominação específicas, impostas pelas classes governantes desde os princípios do Estado-nação cujo eixo foi a sistemática violência terrorista anti-popular, efectuada a partir do estado, especialmente nos últimos 60 anos.

2. Superá-lo, pelas vias pacíficas, supõe que preliminarmente exista disposição total para abordar os temas do poder e do regime político, se a decisão é encontrar soluções sólidas e perduráveis.

3. Temos apresentado a necessidade de conversar, em princípio para conseguir acordos de troca, o que permitira não só a liberdade de prisioneiros de guerra de lado a lado como também avançar na humanização do conflito e certamente ganhar terreno no caminho rumo a acordos definitivos.

4. Conversar, buscar em conjunto soluções para os grandes problemas do país, não deve ser considerado como concessão de ninguém e sim como um cenário realista e possível para tentar, uma vez mais, deter a guerra entre colombianos a partir da civilidade dos diálogos.

5. Reunir-se para conversar de trocas e de solução política supõe plenas garantias para fazê-lo, livres de toda pressão, dando por certo que quem as pode conceder é, exclusivamente, o governo de turno, se possuir a vontade de encontrar caminhos de diálogo.

6. Nossa histórica e permanente disposição para encontrar cenários de confluência através do diálogo e da busca colectiva de acordos de convivência democrática não depende de uma conjuntura especial ou da correlação das forças políticas, é simplesmente parte do nosso acervo programático.

7. Durante os últimos 45 anos fomos objecto de toda espécie de ofensivas políticas, propagandísticas, militares, com presença aberta ou subterrânea do Pentágono, com toda espécie de ultimátuns e de ameaças de autoridades civis e militares, sob uma permanente agressão terrorista sobre a população civil das áreas onde operamos, etc, que não prejudicaram minimamente nossa decisão e disposição de lutar, pelo meio que nos deixam, por uma Colômbia soberana, democrática e com justiça social.

8. Entendemos os diálogos, na busca de caminhos rumo à paz, não como uma negociação porque não é, e sim como um enorme esforço colectivo para alcançar acordos que possibilitem atacar as raízes que originam o conflito colombiano.

Terceira parte:

As FARC são resposta à violência e à injustiça do Estado. Nossa insurgência é um acto legítimo, um exercício do direito universal que assiste a todos os povos do mundo de rebelar-se contra a opressão. Dos nossos libertadores aprendemos que "quando o poder é opressor, a virtude tem direito a destruí-lo" e que "o homem social pode conspirar contra toda lei positiva que tenha vergado a sua espinha".

Tal como proclama o Programa Agrário dos Guerrilheiros, as FARC "são uma organização político-militar que recolhe as bandeiras bolivarianas e as tradições libertárias do nosso povo para lutar pelo poder e levar a Colômbia ao pleno exercício da sua soberania popular e para por em vigor a soberania popular. Lutamos pelo estabelecimento de um regime democrático que garanta a paz com justiça social, o respeito dos direitos humanos e um desenvolvimento económico com bem-estar para todos os que vivem na Colômbia".

Uma organização com estas projecções, que busca a concretização do projecto político e social do pai da República, o Libertador Simón Bolívar, irradia na sua táctica e estratégia um carácter eminentemente político impossível de refutar. Só o governo de Bogotá, que actua como colónia de Washington, nega o carácter político do conflito. Faz isso no âmbito da sua estratégia de guerra sem fim para negar a saída política que reclama mais de 70% da população. Com isso pretende impor à força uma concepção anti-patriótica de segurança dos investidores ideada pelos estrategas do Comando do Sul do exército dos Estados Unidos, que relega a plano secundário a dignidade da nação.

Para o governo de Uribe, na Colômbia não existe um conflito político-social e sim uma guerra do Estado contra o terrorismo, e com este pressuposto, complementado com a mais intensa manipulação informativa, considera-se com justificação e carta de corso para desencadear o seu terrorismo de Estado contra a população e para negar a solução política e o direito à paz.

Agora que a Colômbia é um país formalmente invadido, ocupado militarmente por tropas estado-unidenses, essa absurda percepção será fortalecida, provocando a agudização do conflito.

Uribe não está instruído pelos seus amos de Washington nem para a troca nem para a paz.

O presidente da Colômbia cria fantasmas para justificar a sua inamovibilidade frente à questão da troca de prisioneiros: que o acordo implica um reconhecimento do carácter de força beligerante do adversário e que a libertação de guerrilheiros provocaria a maior desmoralização das tropas... É a sua maneira de travar o caminho do entendimento. Esta intransigência desnecessária do governo foi a causa fundamental do prolongamento do cativeiro de ambas as partes. Quando Bolívar firmava o armistício com Morillo em Novembro de 1820, propôs ao general espanhol aproveitar a vontade de entendimento reinando para acordar um tratado de regularização da guerra "conforme as leis das nações cultas e os princípios liberais e filantrópicos". Sua iniciativa foi aceite, acordando-se a troca de prisioneiros, a recuperação dos corpos dos caídos em combate e o respeito à população civil não combatente. Quão distante está Uribe destes imperativos éticos de humanidade.

Sem dúvida, Uribe associa a solução política do conflito com o fracasso e a inutilidade da sua Doutrina de Segurança Nacional e com o fim melancólico da sua arrebatação belicista de esmagar mediante as armas a crescente inconformidade social. Parece um soldado japonês da segunda guerra mundial perdido numa ilha, disparando a inimigos imaginários em meio a sua loucura.

Aos participantes deste intercâmbio sobre o conflito colombiano reiteramos o afirmado recentemente aos presidentes da UNASUR e da ALBA.

"... Com um Uribe mergulhado no frenesim da guerra e encorajado com as bases norte-americanas não haverá paz na Colômbia nem estabilidade na região. Se não se trava o belicismo – agora repotenciado –, aumentará em proporção dantesca o drama humanitário da Colômbia. É hora de a Nossa América e o mundo voltarem os seus lhos para este país violentado a partir do poder. Não se pode condenar eternamente a Colômbia a ser o país dos "falsos positivos", do assassinato de milhares de civis não combatentes pela Força Pública, das fossas comuns, do despojo de terra, do deslocamento forçado de milhares de camponeses, das detenções maciças de cidadãos, da tirania e da impunidade dos que fazem vítimas com o amparo do Estado".

Solicitamos aos assistentes deste evento que interponham os seus bons ofícios promovendo, como um princípio de solução política do conflito, reconhecimento do estatuto de força beligerante às FARC. Seria o princípio da marcha da Colômbia rumo à paz. Se vamos falar de paz, as tropas norte-americanas devem sair do país e o senhor Uribe abandonar a sua campanha goebelliana de qualificar as FARC de terrorista. Da nossa parte, estamos prontos para assumir a discussão em torno da organização do Estado e da economia, da política social e da doutrina que há de guiar às novas Forças Armadas da nação.

Atentamente,

Secretariado do Estado Maior Central das FARC.
Montanhas da Colômbia, 22 de Fevereiro de 2010


O original encontra-se em http://www.frentean.col.nu/

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