sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A BUSCA POR NOVAS RELAÇÕES ENTRE EUROPA E AMÉRICA LATINA

11 fevereiro 2010/Vermelho http://www.vermelho.org.br

Nos dias 29 a 31 de janeiro, ocorreu um Seminário convocado pelo Partido Comunista Francês, em sua sede projetada pelo grande arquiteto e comunista Oscar Niemeyer, onde os camaradas franceses aproveitaram para homenageá-lo, publicando inclusive um folheto que conta a própria história da construção da sede nacional do PCF.

Por João Batista Lemos *

Essa sede é mundialmente conhecida por, além de sua beleza arquitetônica, a sua funcionalidade e o baixo custo de manutenção do edifício. Ela é hoje um local onde se realizam grandes eventos culturais e políticos da sociedade parisiense. Isso possibilitou, juntamente com a acolhida fraterna dos comunistas franceses, três dias em um ambiente muito agradável.

Em meio às comemorações do bicentenário de conquista da independência de nossos países das antigas metrópoles europeias, está em curso um movimento que busca uma segunda e definitiva independência em nossa região. As comemorações do bicentenário se iniciaram em 2009, na Bolívia e no Equador. Este é o ano que se comemora o bicentenário da conquista da independência na Argentina, na Colômbia e no Chile. Em 2011 no Paraguai e na Venezuela. Em 2021 será comemorado o bicentenário da independência do Peru e em 7 de Setembro de 2022, no Brasil. Finalmente o Uruguai celebrará sua data de bicentenário em 2025.

A comemoração do ciclo de independência dos países da América Latina é altamente simbólica, pois permitirá às forças progressistas do continente debater os logros e as dificuldades verificadas após duzentos anos da independência formal de nossa região. Em que medida se conquistou efetivamente a independência? Em que medida nos libertamos das amarras da dependência? Em que medida se mantêm, através de novos mecanismos, situações de neocolonialismo? Estas são algumas das perguntas que precisarão ser respondidas no debate do bicentenário de nossa independência.

Saídas concretas
Nesse sentido, foi muito oportuno e importante a convocação do referido seminário pelos comunistas franceses, cujo tema proposto foi “Como refundar as relações euro-latinoamericanas? Que solidariedades, que convergências, que internacionalismo?”.

O debate foi orientado para buscar saídas concretas sobre o tema e não para fazer arrazoados gerais. Tivemos a oportunidade de colocar as experiências dos movimentos sociais e políticos que levaram à vitória dos partidos de esquerda e progressistas no continente.

No período mais recente, após a derrota de dois ciclos reacionários e conservadores na América Latina – o das ditaduras militares e o do neoliberalismo – emerge um inédito e singular ciclo progressista, de conteúdo antiimperialista. Da vitória de Hugo Chávez na Venezuela em 1998 até as vitórias de Mauricio Funes, em El Salvador e José Mujica, no Uruguai, e as reeleições de Rafael Correa e Evo Morales, respectivamente no Equador e na Bolívia –, ocorreu uma série de vitórias de forças de centro-esquerda e esquerda, numa longa lista de países que inclui, ademais, Brasil, Uruguai, Honduras, Bolívia, Nicarágua e Paraguai, entre outros.

Alertamos sobre o quadro atual de contraofensiva das forças conservadoras que tem como centro o imperialismo estadunidense. A institucionalização do golpe de Honduras, o aumento das bases militares na Colômbia, a reativação da 4ª Frota dos EUA, a busca da desestabilização da situação política na Venezuela, Paraguai e Argentina e a vitória da direita no Chile. Nesse caso, chamamos atenção do sentido estratégico que ganha as eleições de outubro no Brasil. A vitória das forças progressistas é fundamental para alterarmos a atual correlação de forças. Precisamos garantir a continuidade do ciclo de mudanças iniciado com Lula a partir de 2003.

Abordamos também as experiências de integração em seus vários níveis, como a Alba, a Unasul, o Conselho de Defesa e o Banco do Sul, como também a experiência do Mercosul.

Relatamos ainda experiências da luta unitária dos trabalhadores no continente, como as Coordenadoras Sindicais Regionais e o Encontro Sindical Nossa América – espaço de construção da integração antineoliberal, das centrais sindicais, independentemente de suas filiações às centrais sindicais internacionais, que reuniu em setembro de 2009, 80 organizações de 23 países da nossa América.

Publico a seguir, um breve relato das conclusões do referido Seminário, baseado em nota emitida pelo PCF, que teve todo o cuidado de buscar o maior consenso possível das organizações presentes.

“A reunião dos partidos e organizações progressistas da América Latina e Europa, que ocorreu entre os dias 29 e 31 de janeiro, contou com a presença de cerca 50 delegados desses partidos, fundações ou organizações sociais e representaram uma grande variedade de correntes políticas da atualidade dos dois continentes. Estiveram presentes companheiros dos seguintes países: Alemanha, Bélgica, Bolívia, Brasil, Chile, Chipre, Colômbia, Cuba, Equador, Espanha, Catalunha, Finlândia, França, Grécia, Honduras, Hungria, Itália, México, Noruega, Paraguai, Países Baixos, Peru, Portugal, República Tcheca, El Salvador, Suécia, Suíça, Uruguai e Venezuela.

O evento discutiu alternativas antiliberais, contra as regras do capitalismo, defendeu profundas transformações em todas as áreas, em função da crise sistêmica que o capitalismo global vem apresentando. Prestou ampla solidariedade com os processos envolvendo partidos e organizações progressistas na América Latina e com o povo de Cuba que vive um bloqueio insuportável desde 1962.

O grupo discutiu de forma aprofundada e acabou sendo o centro das preocupações dos participantes: o modo de desenvolvimento, convergência e solidariedade para com as novas formas de desenvolvimento e novos direitos sociais. Tratou ainda da moeda e das finanças e que estejam a serviço dos povos; discutiu as alternativas ao dólar e ao FMI; tratou de apoiar a criação do Banco Sul; debateu a questão da dívida e as novas formas de financiamentos para o desenvolvimento; abordou ainda as alterações climáticas e crise sistêmica dos direitos humanos dos migrantes, contra a sua criminalização; abordou a situação da Europa e sobre a solidariedade; por fim, discutiu as formas de apoio à luta contra a especulação fundiária e formas de apoiar a agricultura e a cooperação mútua e conquista da soberania alimentar.

O ano de 2010 marcará a cúpula dos chefes de Estado e de Governo da União Europeia e da América Latina e Caribe, que ocorrerá em Madri. Tal evento de cúpula será um momento político crucial para que se passe em revista a situação da América Latina e da Europa, especialmente através de difíceis negociações de acordos de associação. A União Europeia, de fato, oferece à América Latina um relacionamento estruturado a partir do modelo neoliberal; menciona a abertura de mercados, livre circulação de capitais, a concorrência entre os trabalhadores. As economias dos países latino-americanos e europeus possuem imensas diferenças de produtividade e competitividade e isso gera desigualdades nas relações. A implementação desta política, a partir do Tratado de Lisboa (que criou a UE) acentua as consequências negativas dessas diferenças econômicas e sociais.

Na Europa, no âmbito desse mesmo tratado, irá registrar uma enorme pressão para que os trabalhadores paguem pela crise e fala-se em um aumento considerável do déficit e da dívida pública com uma redução drástica das despesas públicas e gastos sociais. Isso porque o Estado, antes um problema e hoje uma solução, injetou bilhões de euros e dólares para salvar empresas e bancos falidos com a crise.

O ano de 2010 é o bicentenário da independência dos países latino-americanos e das lutas que tornaram isso possível. Os países da América Latina, que se comprometeram com mudanças políticas e com os progressos sociais, precisam de uma "segunda" independência.

Em todos estes temas, durante a reunião, apareceu fortemente a necessidade de encaminharmos propostas alternativas e convergir ações unitárias. A ideia de uma agenda comum para a ação ou quadro de ideias e objetivos refletiu uma aspiração de todos os participantes na unidade na ação sobre as opções de conteúdo e política que possa realmente ajudar ao processo de transformação social progressista.

A questão dos meios políticos para avançarmos nessa direção foi discutida. Falou-se em condições especiais e em uma ação coletiva sem precedentes no contexto da globalização capitalista, entre elas: mostrar os resultados possíveis para combater os sentimentos de impotência em lutas reais do povo, trabalhando com as respostas e propostas concretas para alinhar as ações e iniciativas, ampliar e diversificar as lutas em termos globais; transformar o equilíbrio de poder, especialmente na Europa, onde as lutas sociais estão crescendo; fazer a exigências democráticas de uma batalha crucial social e política; integrar os migrantes e excluídos do sistema capitalista e métodos de gestão neoliberais como agentes do movimento social.

Debatemos ainda um sistema de segurança que defenda o desarmamento multilateral, particularmente a partir da desmilitarização, a eliminação das armas de destruição em massa, buscando segurança por meio de resolução política dos conflitos, em conformidade com a Carta das Nações Unidas. O Conselho Sul-Americano de Defesa, criado no âmbito da Unasul, com este espírito, é um mecanismo de consultas políticas e de prevenção de conflitos, que já permitiu a resolução de várias crises.

O ano de 2010 presenciará uma cúpula da OTAN em Lisboa. Isso poderá contribuir para uma definição de um novo conceito estratégico dessa Aliança Atlântica e deve ser particularmente importante para um esforço de convergência progressista da América Latina, Europa e do mundo em favor da paz e da segurança coletiva.

Tal projeto deve excluir a força militar e a lógica de guerra que caracteriza a atual estratégia dos Estados Unidos e da Aliança Atlântica e, em particular rejeitar o perigoso aumento da presença militar dos Estados Unidos na América Latina, incluindo sete bases militares na Colômbia. Nesse país, onde os criminosos dominam e reina a impunidade, tendo grandes poderes os paramilitares e traficantes, prevalece o desprezo pelas liberdades e pelo Estado de Direito. Agora, esse país é uma ameaça para o processo progressista na América Latina.

A questão do uso do dinheiro, das finanças públicas e do crédito está no centro das batalhas políticas, econômicas e sociais, havendo duas visões distintas. Uma, a neoliberal, e outra a que defende novos direitos para verdadeiras alternativas, propugnando um verdadeiro co-desenvolvimento para os povos na luta contra a fome e a pobreza, para atender às exigências do povo mais sofrido e humilde, que garanta serviços públicos eficazes em termos de emprego, qualificações, salários, formação, investigação. E agora, com urgência, para a reconstrução do Haiti, em relação à sua soberania e não à ocupação militar.

No contexto da criação de uma moeda comum no mundo do dólar, com direito a saques especiais (DSE) no FMI, as autoridades monetárias são fundamentais para o projeto de arquitetura monetária e financeira global mais controlada, com um novo Fundo Global coordenado por instituições internacionais que garantem a sua reformulação e implantação, incluindo novas formas de financiamento para o desenvolvimento a serviço dos povos.

Defendeu-se o cancelamento das dívidas ilegítimas de países da América Latina como sendo essencial para o desenvolvimento das nações latino-americanas. A generalização das auditorias sobre a legalidade e a legitimidade dessas dívidas é necessária. As dívidas externas dos países mais pobres, especialmente o Haiti, devem ser canceladas com urgência.

Discutiu-se ainda uma política de reforma agrária para enfrentar o desafio de garantir alimentos para o mundo no século 21. Este novo sistema alimentar mundial deve ser baseado na agricultura camponesa e na pesca artesanal, em culturas alternativas e não especulativa, para satisfazer a exigência da soberania alimentar.

Através de uma salvaguarda internacional, deve-se proibir a especulação com matérias agrícolas, a tributação das importações desleais. Defendemos alternativas concretas de políticas públicas para o sistema capitalista que leve em conta a agricultura familiar.

Um dos direitos básicos para a cidadania deve ser o direito dos imigrantes. Os participantes do Encontro Internacional reafirmaram a necessidade de garantir direitos para todos os migrantes, garantindo a sua regularização, a sua dignidade e os direitos decorrentes associados ao estatuto de cidadania. Os migrantes devem ter acesso à saúde, educação, serviços sociais e aos mesmos direitos que todos os cidadãos e todos os trabalhadores nacionais. Políticas de asilo devem ser reforçadas e as Convenções de Genebra que os protegem devem ser respeitadas.

Os participantes afirmaram uma rejeição da vergonhosa diretiva europeia chamada "Diretiva de Retorno". Eles exigiam a retirada dessa diretiva, que reflete a determinação da criminalização dos migrantes e refugiados e que defende a sua expulsão dos países onde moram.

Mecanismos devem ser estabelecidos para facilitar a transferência de dinheiro dos migrantes para suas famílias, proibindo as taxas ultrajantes que enriquecem os bancos. Defendeu-se que as remessas possam ser feitas através de cooperativas e estruturas financeiras populares.

Os participantes defenderam uma revisão radical dos acordos da UE com a América Latina, pois estes refletem os padrões atuais de gestão neoliberal e as suas políticas operacionais são as causas de sua pobreza e do desemprego que levam as pessoas para o êxodo. Os imigrantes, muitas vezes, enfrentam nos países de acolhimento, o racismo e a islamofobia.

Por fim, os participantes defenderam a redução das emissões de gases de efeito estufa e uma forte ação contra o aquecimento global, especialmente para os riscos de desastres que podem resultar em maior migração em massa”.

* Secretário Sindical do PCdoB e representante do Comitê Central do Partido na Conferência

Nenhum comentário: