07/10/2019 21:00, Rádio Vaticano, Vatican
News.va (Cidade do Vaticano) https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2019-10/cardeal-hummes-discurso-abertura-sinodo-amazonia.html
Papa
Francisco e o relator-geral do Sínodo para a Amazônia,
cardeal
Cláudio Hummes (ANSA)
O Sínodo dos Bispos para a Amazônia tem como
tema "Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia
integral”. "O tema ressoa grandes linhas pastorais características do Papa
Francisco. Definir novos caminhos. Desde o início de seu ministério papal,
Francisco sublinha a necessidade de a Igreja caminhar", disse o cardeal
Hummes em seu discurso.
Cidade do Vaticano
O relator-geral do Sínodo para a
Amazônia, cardeal Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Pan-amazônica
(REPAM), fez seu pronunciamento na abertura do Sínodo, nesta segunda-feira
(07/10).
Segue a íntegra do texto.
O tema do Sínodo, que ora iniciamos, é
o seguinte: “Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia
integral”. O tema ressoa grandes linhas pastorais características do
Papa Francisco. Definir novos caminhos. Desde o início de seu ministério papal,
Francisco sublinha a necessidade de a Igreja caminhar. Ela não pode ficar sentada
em casa, cuidando de si mesma, cercada de muros de proteção. Muito menos
ainda, olhando para trás com certa nostalgia de tempos passados. Ela precisa
abrir as portas, derrubar muros que a cercam e construir pontes, sair e
pôr-se a caminho na história, nos tempos atuais de mudança de época, caminhando
sempre próxima de todos, principalmente de quem vive nas periferias da
humanidade. Igreja “em saída”. Para que sair? Para
acender luzes e aquecer corações, que ajudem as pessoas, as comunidades, os países
e a humanidade global a encontrar o sentido da vida e da história. Essas
luzes são principalmente o anúncio da pessoa de Jesus Cristo, morto e
ressuscitado e seu reino, bem como a prática da misericórdia, da caridade e da
solidariedade sobretudo para com os pobres, os sofridos, os esquecidos e
descartados do mundo de hoje, os migrantes e os indígenas.
“Esse caminhar a torna fiel à
verdadeira tradição. Uma coisa é o tradicionalismo que fica preso no passado,
outra é a verdadeira tradição que
é a história viva da Igreja, em que cada
geração, acolhendo o que lhe é entregue pelas gerações anteriores como
compreensão e vivência da fé em Jesus Cristo, enriquece esta tradição com sua
própria vivência e compreensão desta mesma fé em Jesus Cristo no tempo atual. ”
Essas luzes: o anúncio de Jesus Cristo
e a prática incansável da misericórdia, na tradição viva da Igreja, indicam o
caminho a seguir num caminhar inclusivo que convida, acolhe e encoraja a todos,
sem exceção, a caminharem juntos como amigos e como irmãos, respeitando as
nossas diferenças, rumo ao futuro.
“Novos caminhos”. Novos. Não ter medo
do novo. Na homilia de Pentecostes de 2013, o Papa Francisco já
afirmava: “A novidade causa sempre um pouco de medo, porque nos sentimos mais
seguros se temos tudo sob controle, se somos nós a construir, programar,
projetar a nossa vida de acordo com os nossos esquemas, as nossas seguranças,
os nossos gostos. (...) Temos medo de que Deus nos faça seguir novos caminhos,
nos faça sair de nosso horizonte muitas vezes limitado, fechado, egoísta, para
nos abrir aos seus horizontes. Mas, em toda história da salvação, quando Deus
se revela, traz novidade – Deus traz sempre novidade -, transforma e pede para
confiar nele”. Na Evangelii Gaudium (n. 11), o Papa mostra
Jesus Cristo como “a eterna novidade”. Ele é sempre o novo. Ele é sempre o
mesmo, o novo, “ontem, hoje e sempre” (Heb 13,8) o novo. Por isso, a Igreja
reza: “Enviai, Senhor, o vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face
da terra”. Então, não tenhamos medo do novo. Não tenhamos medo de Cristo, o
novo. Este sínodo procura novos caminhos.
No seu discurso aos bispos
brasileiros, durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro,
em 2013, ao falar da Amazônia como “teste decisivo, banco de prova
para a Igreja e a sociedade brasileiras”, o Papa propõe “relançar [ali, na
Amazônia] a obra da Igreja”, “consolidar o rosto amazônico da Igreja” e “formar
clero autóctone”, acrescentando: “Sobre isso, peço, por favor, para serem
corajosos, para terem ousadia”. Isso nos remete necessariamente à história da
Igreja na região. Desde os primórdios da colonização da Amazônia, ali também
estiveram missionários católicos, seja para dar assistência aos colonizadores,
seja para evangelizar os indígenas, na época.
Assim começava a missão evangelizadora
da Igreja na região. Entre luzes e sombras – mas certamente com prevalência das
luzes – gerações subsequentes de missionários e missionárias, principalmente de
Ordens e Congregações religiosas, mas também de padres diocesanos e de leigos –
com destaque para as mulheres - procuraram levar Jesus Cristo aos povos
do território e constituir comunidades católicas. É justo recordar, reconhecer
e enaltecer, neste sínodo, a história heroica - e muitas vezes mártir - de
todos os missionários e missionárias do passado e também daqueles e daquelas de
hoje na Pan-amazônia.
Ao lado dos missionários, houve também
sempre numerosas lideranças leigas e indígenas que deram testemunho heroico e
por isso muitas vezes foram e ainda continuam a ser assassinadas. Deve-se ter
presente também que a Igreja missionária da Amazônia se destacou através
de sua história – e ainda hoje se destaca - com grandes e fundamentais serviços
para a população local na área da escolarização, da saúde, do combate à pobreza
e à violação dos direitos humanos. Por outro lado, a história da Igreja na
Pan-amazônia mostra que sempre houve grande carência de recursos materiais e de
missionários para um desenvolvimento pleno das comunidades, destacando-se a
ausência quase total da Eucaristia e de outros sacramentos essenciais para a
vivência cristã cotidiana.
O rosto amazônico da Igreja local deve
ser consolidado, como disse o Papa Francisco no já citado discurso aos bispos
brasileiros e mesmo seu rosto indígena nas comunidades indígenas, como exortou
o Papa em Puerto Maldonado (19.01.2018). Desde o anúncio do sínodo, o Papa deixou claro que a
relação da Igreja com os povos indígenas e com a floresta na Amazônia, é um de
seus temas centrais. De fato, anunciando o sínodo e indicando sua
finalidade, Francisco disse: “Finalidade principal desta convocação
é encontrar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus,
sobretudo dos indígenas, muitas vezes esquecidos e sem perspectiva de um futuro
sereno, também por causa da floresta amazônica, pulmão de importância
fundamental para o nosso planeta” (Vaticano, 15.10.17).
E em Puerto Maldonado, disse aos povos
indígenas: “Quis vir visitar-vos e escutar-vos, para estarmos juntos no
coração da Igreja, solidarizarmo-nos com os vossos desafios e, convosco,
reafirmarmos uma opção sincera em prol da defesa da vida, defesa da terra e
defesa das culturas”. Na fase da escuta sinodal, os povos indígenas
tem manifestado de muitos modos que querem o apoio da Igreja na defesa e
promoção de seus direitos, na construção de seu futuro e pedem que a Igreja
seja uma aliada constante.
“ De fato, a humanidade tem uma grande
dívida para com os povos indígenas nos diferentes continentes da terra e também
na Amazônia. É preciso que aos povos indígenas seja devolvido e garantido o
direito de serem sujeitos de sua história, protagonistas e não objetos do
espírito e prática de colonialismo de quem quer que seja. Suas culturas,
línguas, história, identidade, espiritualidade constituem riquezas da
humanidade e devem ser respeitadas, preservadas e incluídas na cultura mundial.
”
A missão da Igreja hoje na Amazônia é
o núcleo central do sínodo. É um sínodo da Igreja e para a Igreja. Não uma Igreja cerrada em si mesma,
mas integrada na história e na realidade do território – no caso, a Amazônia –
atenta aos gritos de socorro e às aspirações da população e da “casa comum” [a
criação], aberta ao diálogo, sobretudo ao diálogo inter-religioso e
intercultural, acolhedora e desejosa de compartilhar um caminho sinodal
com as outras Igrejas, religiões, ciência, governos, instituições, povos,
comunidades e pessoas, respeitando as nossas diferenças, no intuito de
defender e promover a vida das populações da área, especialmente dos povos
originários e a biodiversidade do território na região amazônica.
Uma Igreja atualizada, “semper
reformanda”, segundo a Evangelii Gaudium, isto é, uma Igreja
em saída, missionária, com anúncio explícito de Jesus Cristo, dialogante e
acolhedora, que caminha junto e próxima das pessoas e comunidades,
misericordiosa, pobre e para os pobres e com os pobres, e em consequência
com uma opção preferencial pelos pobres, inculturada, intercultural e sempre
mais sinodal. Uma Igreja de dimensão mariana, alimentada com a devoção a Maria
Santíssima, segundo muitos títulos locais, em especial o de Maria de Nazaré,
cuja festa em Belém do Pará reúne todos os anos milhões de devotos e
romeiros. A inculturação da fé cristã nas várias culturas dos povos se
impõe, como disse São João Paulo II: “Esta [a inculturação] constitui uma
exigência que marcou todo o seu [da Igreja] caminho histórico, mas hoje é
particularmente aguda e urgente” (Redemptoris Missio, 52). Junto com a
inculturação, a evangelização dos povos amazônicos exige também atenção a
interculturalidade, pois ali são muitas e diversificadas as culturas, que
contudo mantém algumas raízes comuns. A tarefa da inculturação e da
interculturalidade se realiza particularmente na liturgia, no diálogo
inter-religioso e ecumênico, na piedade popular, na catequese, na convivência
dialogal quotidiana com as populações autóctones, nas obras sociais e
caritativas, na vida consagrada, na pastoral urbana.
Mas não se pode esquecer, entretanto,
que hoje e há bastante tempo já a Igreja na Amazônia sofre de muita carência de
recursos materiais necessários para sua missão e com necessidade de aumentar
seu potencial de comunicação (rádio e Tv).
Neste amplo contexto, Igreja
e ecologia integral no território estão interligados. Trata-se de uma
Igreja consciente de que sua missão religiosa, em coerência com sua fé em Jesus
Cristo, inclui necessariamente “o cuidado da casa comum”. Tal
interligação demonstra também que o grito da terra e o grito dos pobres na
região é o mesmo grito.
“ A vida na Amazônia talvez nunca
tenha estado tão ameaçada como hoje, “pela destruição e exploração ambiental,
pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população
amazônica, de modo especial, a violação dos direitos dos povos indígenas, como
o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à
consulta e ao consentimento prévios” (IL,14). ”
Segundo o processo de escuta sinodal
da população, na Amazônia a ameaça à vida deriva de interesses econômicos e
políticos dos setores dominantes da sociedade atual, de maneira especial de
empresas que extraem de modo predatório e irresponsável [legal ou ilegalmente]
as riquezas do subsolo e da biodiversidade, muitas vezes em conivência ou com
permissividade dos governos locais e nacionais e por vezes até com o consenso
de alguma autoridade indígena.
A consulta sinodal ainda registra que
as comunidades consideram que a vida na Amazônia está ameaçada a) pela
criminalização e assassinato de líderes e defensores do território; b) pela
apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água; c) por
concessões madeireiras legais e pela entrada de madeireiras ilegais; d) pela
caça e pesca predatórias, principalmente nos rios; e) por megaprojetos:
hidrelétricas, concessões florestais, desmatamento para produzir monoculturas,
estradas e ferrovias, projetos mineiros e petroleiros; f) pela contaminação
ocasionada por todas as indústrias extrativistas que causam problemas e
enfermidades, principalmente para crianças e jovens; g) pelo narcotráfico; h)
pelos consequentes problemas sociais associados a tais ameaças, como
alcoolismo, violência contra a mulher, prostituição de menores, tráfico de
pessoas, perda de sua cultura originária e de sua identidade (idioma, práticas
espirituais e costumes) e de todas as condições de pobreza às quais estão
condenados os povos da Amazônia” (IL,15).
A ecologia integral nos manifesta que
tudo está interligado, os seres humanos e a natureza. Todos os seres vivos do
Planeta são filhos da terra. O corpo humano é feito do “barro da terra”, no qual Deus “soprou”
o espírito de vida, como diz a Bíblia (cf. Gen 2,7). Em consequência, tudo o
que se faz em prejuízo da terra, se faz em prejuízo dos seres humanos e de
todos os outros seres vivos da terra. Isso mostra que não se pode tratar
separadamente ecologia, economia, cultura etc. A Laudato si’ afirma que
precisam ser pensadas juntas: uma ecologia ambiental, econômica, social,
cultural (cf. LS, cap. V). O próprio Filho de Deus se encarnou e seu
corpo humano vem da terra. Neste corpo, Jesus morreu por nós na cruz pIara
vencer o mal e a morte, ressuscitou dos mortos e está sentado à direita de Deus
Pai na glória eterna e imortal. Diz o apóstolo Paulo: “Foi n’Ele [em Jesus
ressuscitado] que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude, por Ele e para
Ele, reconciliar todas as coisas (...) tanto as que estão na terra como as que
estão nos céus”(Cl 1,19-20). A Laudato si’ acrescenta,
dizendo: “Isto lança-nos para o fim dos tempos, quando o Filho entregar ao Pai
todas as coisas “a fim de que Deus seja tudo em todos (1Cor 15,28). Assim, as
criaturas deste mundo já não nos aparecem como realidade meramente natural,
porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e as guia para um destino de
plenitude” (LS, 100). Assim, o próprio Deus se interligou definitivamente com
toda sua criação. Este mistério se torna também presente sacramentalmente na
Eucaristia.
O sínodo se realiza num contexto
de uma grave e urgente crise climática e ecológica que atinge todo o nosso
planeta. O aquecimento global do planeta pelo efeito estufa gerou uma crise
climática sem precedentes, grave e urgente, como mostrou a Laudato si’ e a
COP21 de Paris, na qual foi assinado por praticamente todos os países do mundo
o Acordo Climático até hoje pouco implementado, apesar da urgência. Ao mesmo
tempo, ocorre no planeta uma devastação, depredação e degradação galopante dos
recursos da terra, promovidas por um paradigma tecnocrático globalizado,
predatório e devastador, denunciado pela Laudato si’. A terra não aguenta mais.
A vasta realidade urbana da Amazônia,
em parte consequência das migrações internas, e a presença da Igreja nas
cidades é outro tema central deste sínodo, pois também a Igreja na
cidade deve desenvolver e consolidar seu rosto amazônico. Ela
não pode ser uma reprodução da Igreja urbana de outras regiões. Sua missão na
Amazônia inclui o cuidado e a defesa da floresta amazônica e de seus povos:
indígenas, caboclos, ribeirinhos, quilombolas, pobres de todo tipo, pequenos
agricultores, pescadores, seringueiros, quebradeiras de coco e outros, conforme
a região. Esta missão não será certamente um peso, mas uma alegria que só o
Evangelho oferece.
As migrações, fenômeno mundial hoje,
também marcaram os tempos atuais da Pan-amazônia, entre elas, tempos atrás, a migração
dos haitianos, hoje a dos venezuelanos, mas sobretudo dos próprios indígenas e
outros segmentos pobres do interior da região. A Igreja tem feito um enorme
esforço de acolhimento. Mas é preciso destacar a migração de indígenas à
cidade. Milhares e milhares. Eles necessitam de uma lúcida e
misericordiosa atenção para não perecerem culturalmente e mesmo humanamente na
cidade, enfrentando miséria, descaso, desprezo e rejeição e consequentemente
provando um vazio interior desesperador. “Na cidade o indígena é um
migrante, um ser humano sem-terra e o sobrevivente de uma batalha histórica
pela demarcação de sua terra, com sua identidade cultural em crise” (IL, 132).
De muitas formas ele é forçado à invisibilidade.
“ O grito muitas vezes silencioso,
porém não menos real e pungente, dos indígenas urbanos precisa ser escutado. A
Igreja na cidade enfrenta também toda a problemática social e religiosa de suas
periferias pobres e da evangelização de todos os segmentos da população urbana.
”
Outra questão é a carência de
presbíteros a serviço das comunidades locais no território, com a consequente
falta da Eucaristia ao menos dominical e de outros sacramentos, bem como a
falta de presença dos padres encarregados, que resulta numa pastoral de visitas
esporádicas e não de uma adequada pastoral de presença quotidiana. Ora, a Igreja vive da Eucaristia e a
Eucaristia edifica a Igreja (S. João Paulo II). A participação na celebração da
Eucaristia, ao menos aos domingos, é decisiva para o desenvolvimento
progressivo e pleno das comunidades cristãs e para a vivência concreta da
Palavra de Deus na vida das pessoas. Será necessário definir novos caminhos
para o futuro. Na fase da escuta, as comunidades locais, missionários e
comunidades indígenas pediram que, reafirmando o grande valor do carisma do
celibato na Igreja, contudo, diante da gritante necessidade da imensa maioria
das comunidades católicas na Amazônia, ali se abra caminho para ordenação
presbiteral de homens casados, que residam nas comunidades. Ao mesmo tempo,
diante do grande número de mulheres que hoje dirigem comunidades na Amazônia,
se reconheça este serviço e se procure consolidá-lo com um ministério adequado
de mulheres dirigentes de comunidade.
Outro capítulo importante é a questão
da água, “porque é indispensável para a vida humana e para sustentar os
ecossistemas terrestres e aquáticos” (LS 28). A escassez de água potável e segura é uma
ameaça crescente em todo o planeta. “A questão não é marginal, mas fundamental
e urgente (...). Toda pessoa humana tem direito ao acesso de água potável e
segura; este é um direito humano básico, e uma das questões nodais no mundo
atual”, afirmou o Papa Francisco em discurso de 24 de fevereiro de 2017. A
Amazônia é uma das mais volumosas reservas de água doce do planeta. ”A
bacia do rio Amazonas e as florestas tropicais que a circundam nutrem os solos
e, através da reciclagem de umidade, regulam os ciclos de água, energia e
carbono a nível planetário. O rio Amazonas sozinho lança no oceano (...) 15% do
total de água doce do planeta. Por isso, a Amazônia é essencial para a
distribuição das chuvas em outras regiões remotas da América do Sul e contribui
para os grandes movimentos de ar ao redor do planeta. Além disso, alimenta a
natureza, a vida e as culturas de milhares de comunidades indígenas,
camponesas, afrodescendentes, tanto ribeirinhas como urbanas (...). A
superabundância natural de água, calor e umidade faz com que os ecossistemas da
Amazônia abriguem cerca de 10 a 15% da biodiversidade terrestre” (IL, 9). Entra
aqui também a função da floresta e dos povos indígenas. De fato, na Amazônia a
floresta cuida da água, a água cuida da floresta e juntas produzem a
biodiversidade, sendo os povos indígenas os milenares guardiões deste sistema.
Por isso, a Igreja sente-se também chamada a cuidar da água da “casa comum”,
ameaçada na Amazônia principalmente pelo aquecimento climático, pelo
desmatamento e pela contaminação causada pela mineração e agrotóxicos.
Finalizando, proponho para a
dinâmica dos trabalhos desta assembleia sinodal alguns núcleos generativos:
a) Igreja em saída na Amazônia e seus novos caminhos; b) O rosto amazônico da
Igreja: inculturação e interculturalidade em âmbito missionário-eclesial; c) A
ministerialidade da Igreja na Amazônia: presbiterado, diaconato, ministérios, o
papel da mulher; d) A ação da Igreja no cuidado com a Casa Comum: a escuta da
Terra e dos pobres; ecologia integral ambiental, econômica, social e cultural;
e) A Igreja amazônica na realidade urbana; f) A questão da água; g) outros.
Termino, convidando a todos para deixarem-se
guiar pelo Espírito Santo nestes dias do sínodo. Deixem-se envolver no
manto da Mãe de Deus e Rainha da Amazônia. Não deixemos que nos vença a
auto-referencialidade, mas sim a misericórdia diante do grito dos pobres e da
terra. Será necessária muita oração, meditação e discernimento, além de uma
prática concreta de comunhão eclesial e espírito sinodal. Este sínodo é como
uma mesa que Deus preparou para os seus pobres e nos pede a nós que
sejamos aqueles que servem à mesa.
Sínodo
Pan-Amazônico/O Papa abre o Sínodo: por e com os irmãos na Amazônia, caminhemos
juntos
06 10 2019, Vatican
News.va (Cidade do Vaticano) https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2019-10/papa-francisco-missa-abertura-sinodo-bispos-regiao-pan-amazonica.html
Raimundo de Lima*
-- Cidade do Vaticano
“Muitos
irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação
libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles,
caminhemos juntos”, disse o Papa Francisco na missa de abertura da Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, celebrada na manhã
deste domingo (06/10) na Basílica de São Pedro
“Reacender o dom no fogo do Espírito é o oposto de deixar
as coisas correr sem se fazer nada. E ser fiéis à novidade do Espírito é uma
graça que devemos pedir na oração. Ele, que faz novas todas as coisas, nos dê a
sua prudência audaciosa; inspire o nosso Sínodo a renovar os caminhos para a
Igreja na Amazônia, para que não se apague o fogo da missão.”
Foi o que disse o Papa Francisco na missa celebrada na
manhã deste domingo (06/10) na Basílica de São Pedro, na abertura da Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, evento eclesial que
se realizará no Vaticano até o dia 27 deste mês, com o tema “Amazônia: novos
caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.
No início da celebração, a longa procissão de entrada com
os 185 padres sinodais, 58 do Brasil. Na assembleia, também representantes de
comunidades indígenas. A Eucaristia foi concelebrada com os treze novos
cardeais, criados no Consistório presidido pelo Santo Padre no sábado à tarde.
Fazer Sínodo, caminhar juntos
Dirigindo-se aos padres sinodais, bispos provenientes não
só da região Pan-Amazônica, mas também de outras regiões, Francisco,
referindo-se à segunda carta de São Paulo a Timóteo proposta nesta liturgia do
XXVII Domingo do Tempo Comum, ressaltou que o apóstolo Paulo, o maior
missionário da história da Igreja, ajuda-nos a ‘fazer Sínodo’, a ‘caminhar
juntos’; e que “parece dirigido a nós, Pastores ao serviço do povo de Deus,
aquilo que escreve a Timóteo”, observou.
Recebemos um dom, para sermos dom, disse o Pontífice,
acrescentando:
“Um dom não se compra, não se troca nem se vende:
recebe-se e dá-se de prenda. Se nos apropriarmos dele, se nos colocarmos a nós
no centro e não deixarmos no centro o dom, passamos de Pastores a funcionários:
fazemos do dom uma função, e desaparece a gratuidade; assim acabamos por nos
servir a nós mesmos, servindo-nos da Igreja.”
A nossa vida, dom recebido, é para servir, continuou.
“Colocamos toda a nossa alegria em servir, porque fomos servidos por Deus:
fez-Se nosso servo. Queridos irmãos, sintamo-nos chamados aqui para servir,
colocando no centro o dom de Deus”, exortou Francisco.
Dom que recebemos é amor ardente a Deus e aos
irmãos
Para sermos fiéis a este chamado, à nossa missão, enfatizou,
“São Paulo lembra-nos que o dom deve ser reaceso. O verbo usado é fascinante:
reacender é, literalmente, ‘dar vida a uma fogueira’”, explicou o Papa. “O dom
que recebemos é um fogo, é amor ardente a Deus e aos irmãos. O fogo não se
alimenta sozinho; morre se não for mantido vivo, apaga-se se a cinza o cobrir.”
Passar da pastoral de manutenção a uma pastoral
missionária
Em seguida, o Pontífice fez uma premente exortação aos
Pastores a serviço do povo de Deus:
“A Igreja não pode de modo algum limitar-se a uma
pastoral de “manutenção” para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo. O
ardor missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial.
Jesus veio trazer à terra, não a brisa da tarde, mas o fogo. O fogo que
reacende o dom é o Espírito Santo, doador dos dons.”
Deus nos preserve da ganância de novos
colonialismos
O fogo de Deus, como no episódio da sarça ardente, arde
mas não consome). É fogo de amor que ilumina, aquece e dá vida; não fogo que
alastra e devora. “Quando sem amor nem respeito se devoram povos e culturas,
não é o fogo de Deus, mas do mundo. Contudo quantas vezes o dom de Deus foi,
não oferecido, mas imposto! Quantas vezes houve colonização em vez de
evangelização! Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos.”
“O fogo ateado por interesses que destroem, como o que
devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho. O fogo de Deus é calor
que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com a partilha, não com os
lucros.”
Francisco exortou a reacender o dom; receber a prudência
audaciosa do Espírito, fiéis à sua novidade, acrescentando que o anúncio do
Evangelho é o critério primeiro para a vida da Igreja.
Irmãos amazônicos aguardam consolação do Evangelho
Convidando a olhar juntos para Jesus Crucificado, para o
seu coração aberto por nós, o Santo Padre concluiu com mais uma exortação:
“Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela
consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles,
com eles, caminhemos juntos”.
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