Postado
em 07/11/2019 6:20, Pátria Latina (Brasil)
Helena
Iono,
correspondente em Buenos Aires
O
primeiro ponto que merece atenção é qualificar esta vitória eleitoral de
Alberto Fernández e Cristina Kirchner da Frente de Todos
(FdT) na Argentina.
Muito
além da quantidade expressa nos números, 48% (Alberto) contra 40% (Macri) no
escrutínio provisório do dia 27 de outubro, que dão uma contundente vitória com
8% a favor de FdT (tendente a aumentar a 10% na contagem definitiva) já
no primeiro turno, vale observar que isso tem um peso de qualidade; significa
uma concentração de uma expressiva vontade popular, que numa só cartada, no
primeiro turno, disse “Basta!” ao massacrante projeto neoliberal dos últimos 4
anos do governo Macri.
Foi uma
eleição polarizada, onde os setores financeiros e oligárquicos, e da direita se
concentraram nos 40% ao Macri (tendendo aos 39% no escrutínio definitivo),
atraindo parte da pequeno burguesia descontente com o governo, mas reticente
com a política de FdT demonizada pela mídia hegemônica. Por outro lado, os 48%
que podem chegar a 50% (no escrutínio definitivo), são votos de qualidade que
optam por um claro projeto econômico popular e de nação, apoiando a
carta-programática de FdT, mas, sobretudo, confiando na comprovada liderança e
experiência da ex-presidenta Cristina Kirchner e nos vínculos de Alberto
Fernández com a gestão de Néstor Kirchner. A magnífica votação de 55% a Axel
Kicillof (ex-ministro da economia) a governador da província de Buenos
Aires, que abarca 30% da população Argentina, é o melhor exemplo do voto a
favor do
retorno do peronismo-kirchnerista. Seus votos são os de aprovação a um
projeto e a uma política de consulta e participação popular protagonizada por
Kicillof, deputado nacional e líder autêntico que, após aquele 10 de dezembro
de 2015, quando a Argentina despediu-se de Cristina Kirchner em lágrimas,
gritando “Voltar, vamos voltar!”, não deixou de percorrer os municípios pobres
da periferia de Buenos Aires para levar o debate, a resistência e a luta pela
retomada.
E
voltaram. Em 4 anos voltaram. Macri durou só 4 anos e deixou o país destruído e
em “default”. Os governos kirchneristas duraram 12 anos, tirando-o do “default”
e recuperando o Estado social. Não só os números das urnas contabilizam o
retorno do peronismo/kirchnerismo; a explosão de alegria de homens e mulheres,
famílias e crianças, idosos e juventude transbordante, naquela noite, rumo ao
“bunker” de campanha (FdT) para ouvir Cristina, Alberto, as manifestações em
todo o país e no mundo, do Chile ao Equador, são o limite e o colapso das
políticas neoliberais. Brados e cartazes por Lula Livre estiveram presentes em
todos lados, nesta data em que Lula comemorava 74 anos. Uma comitiva de
brasileiros, acompanhada pelos filho e neto de Lula, e comitês de solidariedade
o homenagearam no Obelisco de Buenos Aires. Mas, o melhor presente ao Lula
chegou horas depois: a vitória de Alberto e Cristina.
O Chile e
o Equador votaram na Argentina. É um grande triunfo dos trabalhadores e de um
povo argentino guerreiro e organizado, que não cruzou os braços, aguentou e
lutou nas ruas, nas fábricas, nas escolas, nas associações de bairro e
paróquias, nos sindicatos, nas greves gerais contra os tarifaços, enfrentou os
ataques aos seus direitos básicos, questionou fraudes judiciais do “lawfare”,
enfrentou a repressão, defendeu sua mídia independente, enfrentou a hegemonia
do Clarin/La Nación e manteve viva a Memória dos 30 mil desaparecidos. As
mentiras, as ameaças de Macri, e as fakenews não colaram desta vez.
Não fosse essa consciência organizada que conduziu o povo argentino à vitória
eleitoral, um novo 2001 sangrento ou um outubro chileno estaria na ordem do
dia.
A
propósito do papel da mídia, arma fundamental de poder (de um lado e do
outro), é interessante saber que Alberto Fernandez, advogado e político,
ex-chefe de gabinete de Néstor Kirchner, manteve-se como figura conhecida,
nestes 4 anos de Macri, por sua participação constante no canal de TV C5N (de
propriedade de empresários nacionais perseguidos por Macri), denunciando
sobretudo as arbitrariedades da Justiça contra o kirchnerismo. Isso foi
fundamental, para que os argentinos, o eleito presidente, proposto por
Cristina, fosse reconhecido e votado.
Macri
tentou usar fakenews para dar um golpe político-midiático que levasse
à invalidação do pleito eleitoral. Usou o fato de que os primeiros resultados
davam uma diferença menor da prevista nas PASOs, para desanimar os vencedores
da FdT. Fakenews alegavam que Alberto Fernandez havia pactuado com
Macri um triunfo por poucos pontos para chegar a um acordo de governabilidade.
O objetivo nefasto destas fakenews era debilitar a coesão do voto à
FdT. A jornalista Cynthia Ottaviano, da Revista Contra Editorial, bem analisou
essa jogada: “Querem que sejam os que votaram em Alberto que façam
reclamações da desconfiança e instiguem as divisões a partir desse sentimento
de “sabor a pouco”. “Trata-se de uma operação de um provável “fraude” que não
se baseia em instigar os votantes do partido perdedor, mas do vencedor.” Ela
fez uma humorada comparação: “em termos futebolísticos é como se uma equipe
tivesse vencido por 3×0, mas lhe dissessem que deviam de ter vencido por mais,
pois não foram cobrados dois pênaltis e um gol foi anulado. Portanto, o jogo
não é válido; é como se ele não tivesse existido”.
Enfim, as
tentativas golpistas para invalidar eleições legítimas, como a de Evo Morales,
são peculiares aos poderes da oligarquia-financeira na Argentina e na América
Latina. De toda forma, estão sendo verificadas fraudes reais cometidas por
fiscais e presidentes de mesa do perdedor, “Juntos pelo Cambio”; estas sim, a
desfavor de Macri, podendo aumentar a diferença no escrutínio definitivo.
Tratam-se de vários casos que impossibilitaram eleitores (sobretudo de FdT) de
exercer o seu voto, em situações de registro eleitoral não atualizados com
carteiras de identidade novas. A diferença dos números da vitória da Frente de
Todos (FdT) deverá superar os 10% no escrutínio definitivo, pois ainda não se
contabilizaram os votos da província de maior eleitorado da FdT, a de Buenos
Aires.
Os
votos a Alberto e Cristina são pela integração latino-americana contra o
neoliberalismo. As boas vindas para e do “Grupo de Puebla” vem aí!
Na
antessala da bateria de medidas urgentes para os primeiros 100 dias que deverão
vir após 10 de dezembro, o novo governo, prepara as bases da retomada da
integração latino-americana dos governos progressistas estimulada por Hugo
Chávez com a CELAC, Unasur, Brics e Alba e Mercosur; interrompida pela
ofensiva neoliberal de Macri, Piñera, Moreno e Bolsonaro está se instalando
uma situação de duplo poder na América Latina, onde a Venezuela é um elo
fundamental. Após um efusivo chamado a “Lula Livre!” no dia da vitória, Alberto
Fernández visita López Obrador no México e acolhe o “Grupo de Puebla” que se
reúne em Buenos Aires entre 8,9, e 10 de novembro.
Instala-se
uma situação de duplo poder na América Latina, onde a Venezuela é a
correia fundamental. Debilitam-se os golpes híbridos, as “Lava Jato” e os
“Cadernos” do juiz Bonadio. É preciso ver como as forças progressistas se
aproveitam desta crise sem desguarnecer-se. Há polarização, e também um
Bolsonaro impune enquanto destrói o Estado nacional. Há crise interior (ao
destapar-se o caso Marielle) no seio dos que decidiram governar com a fraude
judicial contra Lula; há um Trump obrigado a reconhecer a eleição de Alberto na
Argentina, desautorizando seu subalterno Bolsonaro. Mas, o fato é que Lula está
preso, apesar de ser a autoridade política máxima do país, atraindo o mundo e
dirigindo a nação desde a prisão. A democracia não deve estar presa. A classe
média já percebeu? Lula deve ser Livre! É hora do povo brasileiro ver o Chile e
a América Latina.
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