Publicado
em 23 novembro, 2019, Blog do Esmael (Brasil) https://www.esmaelmorais.com.br/2019/11/leia-o-discurso-de-lula-na-abertura-do-7o-congresso-do-pt/
Em discurso na abertura do 7º Congresso Nacional do Partido dos
Trabalhadores (PT)*, em São Paulo, o ex-presidente Lula abordou a trajetória do
partido e reforçou a necessidade de uma oposição firme ao governo da extrema-direita
de Jair Bolsonaro. Lula agradeceu também a solidariedade e o carinho da
militância manifestada durante a sua injusta e ilegal prisão política em
Curitiba.
Leia a íntegra do discurso
de Lula:
Companheiras e companheiros do PT,
Convidados de todo o Brasil e de outros países,
Minhas amigas, meus amigos,
Convidados de todo o Brasil e de outros países,
Minhas amigas, meus amigos,
Esperei muito tempo para poder falar livremente ao povo brasileiro. Esse
dia finalmente chegou, e minha primeira palavra tem de ser de agradecimento,
pela solidariedade, pelo carinho e pelas manifestações de quem não desistiu de
lutar e vai continuar lutando pela verdadeira justiça.
Durante 580 dias fui isolado da família, dos amigos e companheiros,
apartado do povo, mesmo tendo o direito constitucional de recorrer em liberdade
contra a sentença injusta e fraudulenta de um juiz parcial. Um direito que
somente agora foi proclamado pelo Supremo Tribunal Federal, para todos, sem
exceção.
Com as armas da verdade e da lei, continuarei lutando para que os
tribunais reconheçam, agora, que fui condenado por quem sequer poderia ter me
julgado: um ex-juiz que atuou fora da lei, grampeou advogados, mentiu ao país e
aos tribunais, antes de
desnudar seus objetivos políticos. Lutarei para que
seja anulada a sentença e me deem o julgamento justo que não tive.
Aos 74 anos de idade, não tenho no coração lugar para ódio e rancor. Mas
quem nesse país já sofreu a humilhação de uma acusação falsa, por causa da cor
de sua pele ou por sua origem social humilde, conhece o peso do preconceito e é
capaz de sentir o quanto fui ferido em minha dignidade. E isso não se apaga.
Nada nem ninguém vai devolver o pedaço arrancado da minha existência,
mas quero dizer que aproveitei esses 580 dias para ler, estudar, refletir e
reforçar meu compromisso com o Brasil e com nosso povo sofrido. Voltei com
muita vontade de falar sobre o presente e principalmente sobre o futuro do
Brasil.
Mas logo depois da minha primeira fala, de volta ao sindicato onde
passei o último momento de liberdade, disseram que eu deveria ter cuidado para
não polarizar o país. Que seria melhor calar certas verdades para não tumultuar
o ambiente político, para o PT não provocar uma ameaça à democracia.
Vamos deixar uma coisa bem clara: se existe um partido identificado com
a democracia no Brasil é o Partido dos Trabalhadores. O PT nasceu lutando pela
liberdade durante a ditadura. Não tentem negar essa verdade porque nós
apanhamos da repressão, fomos perseguidos, presos e enquadrados na Lei de
Segurança Nacional por defender essa ideia.
Desde que foi criado, há quase 40 anos, o PT disputou dentro da lei e
pacificamente todas as eleições neste país. Quando perdemos, aceitamos o
resultado e fizemos oposição, como determinaram as urnas. Quando vencemos,
governamos com diálogo social, participação popular e respeito às instituições.
Outros partidos mudaram as regras da reeleição em benefício próprio. Nós
rejeitamos essa ideia, mesmo gozando de uma aprovação que nenhum outro governo
jamais teve, porque sempre entendemos que não se pode brincar com a democracia.
Não fomos nós que falamos em fechar o Congresso, muito menos o Supremo,
com um cabo e um soldado. Em nossos governos, as Forças Armadas foram
respeitadas e os chefes militares respeitaram as instituições, cumprindo
estritamente o papel que a Constituição lhes reserva. Nenhum general deu murro
na mesa nem esbravejou contra líderes políticos.
Não fomos nós que pedimos anulação do pleito só para desgastar o partido
vencedor; que sabotamos a economia do país para forçar um impeachment sem
crime; que sustentamos uma farsa judicial e midiática para tirar do páreo o
candidato líder nas pesquisas.
Não fomos nós os responsáveis, ativos ou omissos, pela eleição de um
candidato que tem ojeriza à democracia; que foi poupado de enfrentar o debate
de propostas, que montou uma indústria de mentiras com dinheiro sujo, sob a
complacência da mesma Justiça Eleitoral que, desacatando uma decisão da ONU,
cassou o candidato que poderia derrotá-lo.
São essas pessoas que agora nos dizem para não polarizar o país. Como se
polarização fosse sinônimo de extremismo político e ideológico. Como se o
Brasil já não estivesse há séculos polarizado entre os poucos que têm tudo e os
muitos que nada têm. Como se fosse possível não se opor a um governo de
destruição do país, dos direitos, da liberdade e até da civilização.
Aos que criticam ou temem a polarização, temos que ter a coragem de
dizer: nós somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro
ou no meio do caminho: somos e seremos oposição a esse governo de
extrema-direita que gera desemprego e exige que os desempregados paguem a
conta.
Somos e seremos oposição a um governo que rasga direitos dos
trabalhadores e reduz o valor real do salário mínimo. Que aumenta a extrema
pobreza e traz de volta o flagelo da fome. Que destrói o meio ambiente. Que
ataca mulheres, negros, indígenas e a população LGBT; ataca qualquer um que
ouse discordar.
Somos, sim, radicais na defesa da soberania nacional, da universidade
pública e gratuita, do Sistema Único de Saúde, público, gratuito e universal.
Nós não somos meia oposição; somos oposição e meia aos inimigos da educação, da
cultura, da ciência e da tecnologia. Nós não aceitamos mais censura, tortura,
AI-5 e perseguição a adversários políticos.
Andam negando essa verdade científica, mas a Terra é redonda e nós
estamos, sim, em polos opostos: enquanto eles semeiam o ódio, nós vamos mostrar
a eles o que o amor é capaz de fazer por este país.
Companheiras e companheiros,
Já foi dito que o PT nasceu para mudar o Brasil. E mudou. Porque
trazemos na origem o compromisso com os trabalhadores, com os mais pobres, com
os que carregaram ao longo de séculos o peso da exclusão e da desigualdade.
Porque pela primeira vez fizemos um governo para todos os brasileiros e
brasileiras, e isso fez toda a diferença em nosso país.
Se fosse para governar apenas para uma parte da população, o Brasil não
precisaria do PT.
Para o mercado decidir quem pode e quem não pode se aposentar, quanto
vai custar o gás de cozinha, o combustível, a energia elétrica, visando somente
o lucro, o Brasil não precisaria do PT.
Se fosse para entregar ao estrangeiro as riquezas naturais, o petróleo,
as águas, as empresas que o povo brasileiro construiu, o Brasil não precisaria
do PT.
Se fosse para queimar a floresta, envenenar a comida com agrotóxicos,
deixar impunes crimes como os de Mariana e Brumadinho, ignorar desastres como o
óleo no litoral do Nordeste, quem precisaria do PT?
Para o filho do rico estudar nas melhores universidades do mundo e o
filho do trabalhador ter de largar a escola pra sustentar a família, o Brasil
não precisaria do PT.
Se é para alguns terem mansão em Miami e muitos viverem debaixo do
viaduto; para o rico ficar isento até do imposto de herança e o trabalhador
carregar o peso do imposto de renda, o Brasil não precisaria do PT.
Para manter a mais escandalosa concentração de renda do planeta Terra,
para o rico continuar cada vez mais rico e o pobre ficar cada dia mais pobre,
aí mesmo é que o Brasil não precisaria do PT.
Porque o maior inimigo do Brasil hoje e desde sempre é a desigualdade,
esse vergonhoso fosso em que 1% da população detém 30% da renda nacional e para
a metade mais pobre sobram 17%, as migalhas de um banquete indecente.
Mas se este país quer superar a chaga imensa da desigualdade, recuperar
a soberania e o seu lugar no mundo, se quer voltar a crescer em benefício de
todos os brasileiros e brasileiras, o Partido dos Trabalhadores é mais do que
necessário: ele é imprescindível.
Esta é a enorme responsabilidade que estamos recebendo. O Brasil nunca
precisou tanto do PT. E o PT tem de ser grande o bastante para corresponder ao
que o país espera de nós. Tem de estar unido, forte e cada vez mais conectado
com o povo brasileiro.
Temos a responsabilidade de renovar o partido, compreender o que mudou
na sociedade brasileira nesses 40 anos e buscar as respostas para os novos
desafios. Fomos forjados na luta em defesa da classe trabalhadora.
O peso da injustiça recai hoje sobre os motoristas de aplicativos, os
jovens que perdem a saúde e arriscam a vida fazendo entregas em motos,
bicicletas, ou mesmo a pé. Os que não têm a quem recorrer por seus direitos,
porque a única relação de trabalho que conhecem não é a carteira profissional,
mas um telefone celular que ele precisa recarregar desesperadamente.
Esse é o lugar que resta aos deserdados de um modelo neoliberal
excludente, cada vez mais desumano. Um mundo em que o mercado é deus e em que a
solidariedade deixa de ser um valor universal, substituída por uma competição
individualista feroz.
É com esse mundo novo que o PT precisa dialogar, sem abrir mão de nossos
compromissos históricos, mantendo os pés firmes no presente e mirando sempre o
futuro. Se as formas de exploração mudaram, a injustiça e a desigualdade
permanecem e são cada vez mais cruéis. Temos de estar mais organizados, mais
fortes, conscientes e mais decididos do que nunca a construir um país mais
generoso, solidário e mais justo. É por isso que o Brasil precisa tanto do PT.
Companheiras e companheiros,
Salvar o país da destruição e do caos social que este governo está
produzindo não é tarefa para um único partido. Fomos eleitos e governamos em
aliança com outras forças do campo popular e democrático. Por mais que tentem
nos isolar, estamos juntos na oposição com partidos da centro-esquerda e
estamos com os movimentos sociais, as centrais sindicais e importantes
lideranças da sociedade.
Embora tantos tenham cometido erros antes e depois dos nossos governos,
é somente do PT que exigem a autocrítica que fazemos todos os dias. Na verdade,
querem de nós um humilhante ato de contrição, como se tivéssemos de pedir
perdão por continuar existindo no coração do povo brasileiro, apesar de tudo
que fizeram para nos destruir. Preciso dizer algumas verdades sobre isso.
O maior erro que nós cometemos foi não ter feito mais e melhor, de uma
forma tão contundente que jamais fosse possível esse país voltar a ser
governado contra o povo, contra os interesses nacionais, contra a liberdade e a
democracia, como está sendo hoje.
Deveríamos ter feito mais universidades do que fizemos, mais reforma
agrária, mais Luz Pra Todos, mais Minha Casa Minha Vida, mais Bolsa Família e
mais investimento público.
Teríamos de ter conversado muito mais com o povo e com os trabalhadores,
conversado mais com os jovens que não viveram o tempo em que o Brasil era
governado para poucos e não para todos.
Também tínhamos de ter trabalhado muito mais para democratizar o acesso
à informação e aos meios de comunicação, apoiado mais as rádios comunitárias,
fortalecido mais a televisão pública, a imprensa regional, o jornalismo
independente na internet.
Antes que a Rede Globo me acuse outra vez pelo que não disse nem fiz,
não ousem me comparar ao presidente que eles escolheram. Jamais ameacei e
jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma concessão de TV, mesmo sendo
atacado sem direito de resposta e censurado como sou pelo jornalismo da Globo.
Eu sempre disse que jamais teria chegado onde cheguei se não tivesse
lutado pela liberdade de imprensa. Hoje entendo, com muita convicção, que
liberdade de imprensa tem de ser um direito de todos, não pode ser privilégio
de alguns.
Não pode um grupo familiar decidir sozinho o que é notícia e o que não
é, com base unicamente em seus interesses políticos e econômicos.
Entendo que democratizar a comunicação não é fechar uma TV, é abrir
muitas. É fazer a regulação constitucional que está parada há 31 anos, à espera
de um momento de coragem do Congresso Nacional. É fazer cumprir a lei do
direito de resposta. E é principalmente abrir mais escolas e universidades,
levar mais informação e consciência para que as pessoas se libertem do
monopólio.
Enfim, penso que teríamos de ter lutado com mais vontade e organização,
fortalecido ainda mais a democracia, para jamais permitir que o Brasil voltasse
a ter um governo de destruição e de exclusão social como voltou a ter desde o
golpe de 2016.
A autocrítica que o Brasil espera é a dos que apoiaram, nos últimos três
anos, a implantação do projeto neoliberal que não deu certo em lugar nenhum do
mundo, que vai destruir a previdência pública e que ao invés de gerar os
empregos que o povo precisa está implantando novas formas de exploração.
A autocrítica que a democracia e o estado de direito esperam é daqueles
que, na mídia, no Congresso, em setores do Judiciário e do Ministério Público,
promoveram, em nome da ética, a maior farsa judicial que este país já assistiu.
O mundo hoje sabe que, ao contrário de combater a impunidade e a
corrupção, a Lava Jato corrompeu-se e corrompeu o processo eleitoral e uma
parte do sistema judicial brasileiro. Deixou impunes dezenas de criminosos
confessos que Sérgio Moro perdoou e que continuam muito ricos.
Como podem dizer que combateram a impunidade se soltaram pelo menos 130
dos 159 réus que ele mesmo havia condenado? Negociaram todo tipo de benefício
com criminosos confessos, venderam até o perdão de pena que a lei não prevê, em
troca de qualquer palavra que servisse para prejudicar o Lula.
Que ética é essa que condena 2 milhões de trabalhadores, sem apelação,
destruindo empresas para salvar os patrões acusados de corrupção?
Não tem moral, não tem autoridade para discutir ética quem deu cobertura
aos procuradores de Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot quando eles entregaram a
Petrobrás aos tribunais dos Estados Unidos, um crime de lesa-pátria que já custou
quase 5 bilhões de dólares ao povo brasileiro.
Temos muito o que falar sobre ética, sobre combate à corrupção e à
impunidade. Mas acima de tudo temos que falar a verdade.
Meus amigos e minhas amigas,
Alguns professores de deus defendem um modelo suicida de austeridade
fiscal e redução do estado, que não deu certo em nenhum lugar do mundo. Tiveram
o apoio da mídia e das instituições para culpar os governos do PT por tudo de
ruim que havia no Brasil. Mentiram que tirando o PT do governo tudo se resolveria,
por obra do mercado e do ajuste fiscal. E os problemas se agravaram ainda mais.
Os indicadores econômicos do Brasil pioraram: a balança comercial em
queda, a economia paralisada, setores da indústria destruídos, o investimento
público e privado inexistente, o rombo nas contas aumentado irresponsavelmente
por razões políticas. O custo de vida dos pobres aumentou e as pessoas voltaram
a cozinhar com lenha porque não podem comprar um botijão de gás.
É preciso dizer umas verdades sobre isso também.
A primeira delas é que o Brasil só não quebrou ainda por causa da
herança dos governos do PT. Por causa dos 370 bilhões de dólares em reservas
internacionais que acumulamos e querem queimar na conta dos juros. Por causa
dos mercados internacionais que abrimos e que uma política externa
irresponsável está fechando. Por causa do pré-sal que descobrimos e que estão
vendendo na bacia das almas.
O Brasil só não está passando por uma convulsão social extrema por causa
da herança dos governos do PT. Porque não conseguiram acabar com o Bolsa
Família, último recurso de milhões de deserdados. Porque milhões de famílias
ainda produzem no campo, para onde levamos água, energia, tecnologia e recursos
em nosso governo. E também porque não conseguiram destruir ainda os sistemas
públicos de saúde, educação e segurança, mas fatalmente isso irá ocorrer pela
criminosa política de cortes do investimento público.
Sempre acreditei que o povo brasileiro é capaz de construir uma grande
Nação, à altura dos nossos sonhos, das nossas imensas riquezas naturais e
humanas, neste lugar privilegiado em que vivemos. Já provamos que é possível
enfrentar o atraso, a pobreza e a desigualdade, desafiando poderosos interesses
contrários ao país e ao povo.
Soberania significa independência, autonomia, liberdade. O contrário é
dependência, servidão, submissão. É o que está acontecendo hoje. Estão
entregando criminosamente a outros países as empresas, os bancos, o petróleo,
os minerais e o patrimônio que pertence ao povo brasileiro. Trair a soberania é
o maior crime que um governo pode cometer contra seu país e seu povo.
A Petrobrás está sendo vendida em fatias a suas concorrentes
estrangeiras.
Fiquem alertas os que estão se aproveitando dessa farra de entreguismo e
privatização predatória, porque não vai durar para sempre. O povo brasileiro há
de encontrar os meios de recuperar aquilo que lhe pertence. E saberá cobrar os
crimes dos que estão traindo, entregando e destruindo o país.
Tão importante quanto defender o patrimônio público ameaçado é preservar
os recursos naturais e nossa riquíssima biodiversidade. Utilizar esse
patrimônio, fonte de vida, com responsabilidade social e ambiental.
Um país que não garante educação pública de qualidade a todas as suas
crianças, adolescentes e jovens não se prepara para o futuro.
Mas parece que enfiaram o Brasil à força numa máquina do tempo e nos
enviaram de volta a um passado que a gente já tinha superado. O passado da
escravidão, da fome, do desemprego em massa, da dependência externa, da
censura, do obscurantismo.
O Brasil precisa embarcar de volta para o futuro. E não tem ninguém
melhor para pilotar essa máquina do tempo do que a juventude desse país. Porque
essa juventude, seja ela branca, negra ou indígena, ela quer ensino de
qualidade, quer adquirir conhecimento, quer de volta as oportunidades de
trabalho digno, sem alienação e sem humilhações.
Essa juventude quer e merece um mundo melhor do que este em que estamos
vivendo.
Hoje me coloco à disposição do Brasil para contribuir nessa travessia
para uma vida melhor, vida em plenitude, especialmente para os que não podem
ser abandonados pelo caminho.
Sem ódio nem rancor, que nada constroem, mas consciente de que o povo
brasileiro quer retomar a construção de seu destino; de que temos de fazer
juntos um Brasil soberano, democrático, justo, em que todos e todas tenham
oportunidades iguais de crescer e sonhar.
O futuro será nosso, o futuro será do Brasil!
Muito obrigado!
Luiz Inácio Lula da Silva
Mercosul,
Brasil/Congresso do Partido dos Trabalhadores: discurso de Lula no
encerramento do 7º Congresso do PT
Companheiras e companheiros do PT,
Convidados de todo o Brasil e de outros
países,
Minhas amigas, meus amigos,
Esperei muito tempo para poder falar
livremente ao povo brasileiro. Esse dia finalmente chegou, e minha primeira
palavra tem de ser de agradecimento, pela solidariedade, pelo carinho e pelas
manifestações de quem não desistiu de lutar e vai continuar lutando pela
verdadeira justiça.
Durante 580 dias fui isolado da família, dos
amigos e companheiros, apartado do povo, mesmo tendo o direito constitucional
de recorrer em liberdade contra a sentença injusta e fraudulenta de um juiz
parcial. Um direito que somente agora foi proclamado pelo Supremo Tribunal
Federal, para todos, sem exceção.
Com as armas da verdade e da lei, continuarei
lutando para que os tribunais reconheçam, agora, que fui condenado por quem
sequer poderia ter me julgado: um ex-juiz que atuou fora da lei, grampeou
advogados, mentiu ao país e aos tribunais, antes de desnudar seus objetivos
políticos. Lutarei para que seja anulada a sentença e me deem o julgamento
justo que não tive.
Aos 74 anos de idade, não tenho no coração
lugar para ódio e rancor. Mas quem nesse país já sofreu a humilhação de uma
acusação falsa, por causa da cor de sua pele ou por sua origem social humilde,
conhece o peso do preconceito e é capaz de sentir o quanto fui ferido em minha
dignidade. E isso não se apaga.
Nada nem ninguém vai devolver o pedaço
arrancado da minha existência, mas quero dizer que aproveitei esses 580 dias
para ler, estudar, refletir e reforçar meu compromisso com o Brasil e com nosso
povo sofrido. Voltei com muita vontade de falar sobre o presente e
principalmente sobre o futuro do Brasil.
Mas logo depois da minha primeira fala, de
volta ao sindicato onde passei o último momento de liberdade, disseram que eu
deveria ter cuidado para não polarizar o país. Que seria melhor calar certas
verdades para não tumultuar o ambiente político, para o PT não provocar uma
ameaça à democracia.
Vamos deixar uma coisa bem clara: se existe
um partido identificado com a democracia no Brasil é o Partido dos
Trabalhadores. O PT nasceu lutando pela liberdade durante a ditadura. Não
tentem negar essa verdade porque nós apanhamos da repressão, fomos perseguidos,
presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional por defender essa ideia.
Desde que foi criado, há quase 40 anos, o PT
disputou dentro da lei e pacificamente todas as eleições neste país. Quando
perdemos, aceitamos o resultado e fizemos oposição, como determinaram as urnas.
Quando vencemos, governamos com diálogo social, participação popular e respeito
às instituições.
Outros partidos mudaram as regras da
reeleição em benefício próprio. Nós rejeitamos essa ideia, mesmo gozando de uma
aprovação que nenhum outro governo jamais teve, porque sempre entendemos que
não se pode brincar com a democracia.
Não fomos nós que falamos em fechar o
Congresso, muito menos o Supremo, com um cabo e um soldado. Em nossos governos,
as Forças Armadas foram respeitadas e os chefes militares respeitaram as
instituições, cumprindo estritamente o papel que a Constituição lhes reserva.
Nenhum general deu murro na mesa nem esbravejou contra líderes políticos.
Não fomos nós que pedimos anulação do pleito
só para desgastar o partido vencedor; que sabotamos a economia do país para
forçar um impeachment sem crime; que sustentamos uma farsa judicial e midiática
para tirar do páreo o candidato líder nas pesquisas.
Não fomos nós os responsáveis, ativos ou
omissos, pela eleição de um candidato que tem ojeriza à democracia; que foi
poupado de enfrentar o debate de propostas, que montou uma indústria de
mentiras com dinheiro sujo, sob a complacência da mesma Justiça Eleitoral que,
desacatando uma decisão da ONU, cassou o candidato que poderia derrotá-lo.
São essas pessoas que agora nos dizem para
não polarizar o país. Como se polarização fosse sinônimo de extremismo político
e ideológico. Como se o Brasil já não estivesse há séculos polarizado entre os
poucos que têm tudo e os muitos que nada têm. Como se fosse possível não se
opor a um governo de destruição do país, dos direitos, da liberdade e até da
civilização.
Aos que criticam ou temem a polarização,
temos que ter a coragem de dizer: nós somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá
para ficar em cima do muro ou no meio do caminho: somos e seremos oposição a
esse governo de extrema-direita que gera desemprego e exige que os
desempregados paguem a conta.
Somos e seremos oposição a um governo que
rasga direitos dos trabalhadores e reduz o valor real do salário mínimo. Que
aumenta a extrema pobreza e traz de volta o flagelo da fome. Que destrói o meio
ambiente. Que ataca mulheres, negros, indígenas e a população LGBT; ataca
qualquer um que ouse discordar.
Somos, sim, radicais na defesa da soberania
nacional, da universidade pública e gratuita, do Sistema Único de Saúde,
público, gratuito e universal. Nós não somos meia oposição; somos oposição e
meia aos inimigos da educação, da cultura, da ciência e da tecnologia. Nós não
aceitamos mais censura, tortura, AI-5 e perseguição a adversários políticos.
Andam negando essa verdade científica, mas a
Terra é redonda e nós estamos, sim, em polos opostos: enquanto eles semeiam o
ódio, nós vamos mostrar a eles o que o amor é capaz de fazer por este país.
Companheiras e companheiros,
Já foi dito que o PT nasceu para mudar o
Brasil. E mudou. Porque trazemos na origem o compromisso com os trabalhadores,
com os mais pobres, com os que carregaram ao longo de séculos o peso da
exclusão e da desigualdade. Porque pela primeira vez fizemos um governo para
todos os brasileiros e brasileiras, e isso fez toda a diferença em nosso país.
Se fosse para governar apenas para uma parte
da população, o Brasil não precisaria do PT.
Para o mercado decidir quem pode e quem não
pode se aposentar, quanto vai custar o gás de cozinha, o combustível, a energia
elétrica, visando somente o lucro, o Brasil não precisaria do PT.
Se fosse para entregar ao estrangeiro as
riquezas naturais, o petróleo, as águas, as empresas que o povo brasileiro
construiu, o Brasil não precisaria do PT.
Se fosse para queimar a floresta, envenenar a
comida com agrotóxicos, deixar impunes crimes como os de Marielle, Mariana,
Brumadinho, ignorar desastres como o óleo no litoral do Nordeste, quem
precisaria do PT?
Para o filho do rico estudar nas melhores
universidades do mundo e o filho do trabalhador ter de largar a escola pra
sustentar a família, o Brasil não precisaria do PT.
Se é para alguns terem mansão em Miami e
muitos viverem debaixo do viaduto; para o rico ficar isento até do imposto de
herança e o trabalhador carregar o peso do imposto de renda, o Brasil não
precisaria do PT.
Para manter a mais escandalosa concentração
de renda do planeta Terra, para o rico continuar cada vez mais rico e o pobre
ficar cada dia mais pobre, aí mesmo é que o Brasil não precisaria do PT.
Porque o maior inimigo do Brasil hoje e desde
sempre é a desigualdade, esse vergonhoso fosso em que 1% da população detém 30%
da renda nacional e para a metade mais pobre sobram 17%, as migalhas de um
banquete indecente.
Mas se este país quer superar a chaga imensa
da desigualdade, recuperar a soberania e o seu lugar no mundo, se quer voltar a
crescer em benefício de todos os brasileiros e brasileiras, o Partido dos
Trabalhadores é mais do que necessário: ele é imprescindível.
Esta é a enorme responsabilidade que estamos
recebendo. O Brasil nunca precisou tanto do PT. E o PT tem de ser grande o
bastante para corresponder ao que o país espera de nós. Tem de estar unido,
forte e cada vez mais conectado com o povo brasileiro.
Temos a responsabilidade de renovar o
partido, compreender o que mudou na sociedade brasileira nesses 40 anos e
buscar as respostas para os novos desafios. Fomos forjados na luta em defesa da
classe trabalhadora.
O peso da injustiça recai hoje sobre os
motoristas de aplicativos, os jovens que perdem a saúde e arriscam a vida
fazendo entregas em motos, bicicletas, ou mesmo a pé. Os que não têm a quem
recorrer por seus direitos, porque a única relação de trabalho que conhecem não
é a carteira profissional, mas um telefone celular que ele precisa recarregar
desesperadamente.
Esse é o lugar que resta aos deserdados de um
modelo neoliberal excludente, cada vez mais desumano. Um mundo em que o mercado
é deus e em que a solidariedade deixa de ser um valor universal, substituída
por uma competição individualista feroz.
É com esse mundo novo que o PT precisa
dialogar, sem abrir mão de nossos compromissos históricos, mantendo os pés
firmes no presente e mirando sempre o futuro. Se as formas de exploração
mudaram, a injustiça e a desigualdade permanecem e são cada vez mais cruéis.
Temos de estar mais organizados, mais fortes, conscientes e mais decididos do
que nunca a construir um país mais generoso, solidário e mais justo. É por isso
que o Brasil precisa tanto do PT.
Companheiras e companheiros,
Salvar o país da destruição e do caos social
que este governo está produzindo não é tarefa para um único partido. Fomos
eleitos e governamos em aliança com outras forças do campo popular e
democrático. Por mais que tentem nos isolar, estamos juntos na oposição com
partidos da centro-esquerda e estamos com os movimentos sociais, as centrais
sindicais e importantes lideranças da sociedade.
Embora tantos tenham cometido erros antes e
depois dos nossos governos, é somente do PT que exigem a autocrítica que
fazemos todos os dias. Na verdade, querem de nós um humilhante ato de
contrição, como se tivéssemos de pedir perdão por continuar existindo no
coração do povo brasileiro, apesar de tudo que fizeram para nos destruir.
Preciso dizer algumas verdades sobre isso.
O maior erro que nós cometemos foi não ter
feito mais e melhor, de uma forma tão contundente que jamais fosse possível
esse país voltar a ser governado contra o povo, contra os interesses nacionais,
contra a liberdade e a democracia, como está sendo hoje.
Deveríamos ter feito mais universidades do
que fizemos, mais reforma agrária, mais Luz Pra Todos, mais Minha Casa Minha
Vida, mais Bolsa Família e mais investimento público.
Teríamos de ter conversado muito mais com o
povo e com os trabalhadores, conversado mais com os jovens que não viveram o
tempo em que o Brasil era governado para poucos e não para todos.
Também tínhamos de ter trabalhado muito mais
para democratizar o acesso à informação e aos meios de comunicação, apoiado
mais as rádios comunitárias, fortalecido mais a televisão pública, a imprensa
regional, o jornalismo independente na internet.
Antes que a Rede Globo me acuse outra vez
pelo que não disse nem fiz, não ousem me comparar ao presidente que eles
escolheram. Jamais ameacei e jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma
concessão de TV, mesmo sendo atacado sem direito de resposta e censurado como
sou pelo jornalismo da Globo.
Eu sempre disse que jamais teria chegado onde
cheguei se não tivesse lutado pela liberdade de imprensa. Hoje entendo, com
muita convicção, que liberdade de imprensa tem de ser um direito de todos, não
pode ser privilégio de alguns.
Não pode um grupo familiar decidir sozinho o
que é notícia e o que não é, com base unicamente em seus interesses políticos e
econômicos.
Entendo que democratizar a comunicação não é
fechar uma TV, é abrir muitas. É fazer a regulação constitucional que está
parada há 31 anos, à espera de um momento de coragem do Congresso Nacional. É
fazer cumprir a lei do direito de resposta. E é principalmente abrir mais
escolas e universidades, levar mais informação e consciência para que as
pessoas se libertem do monopólio.
Enfim, penso que teríamos de ter lutado com
mais vontade e organização, fortalecido ainda mais a democracia, para jamais permitir
que o Brasil voltasse a ter um governo de destruição e de exclusão social como
voltou a ter desde o golpe de 2016.
A autocrítica que o Brasil espera é a dos que
apoiaram, nos últimos três anos, a implantação do projeto neoliberal que não
deu certo em lugar nenhum do mundo, que vai destruir a previdência pública e
que ao invés de gerar os empregos que o povo precisa está implantando novas
formas de exploração.
A autocrítica que a democracia e o estado de
direito esperam é daqueles que, na mídia, no Congresso, em setores do
Judiciário e do Ministério Público, promoveram, em nome da ética, a maior farsa
judicial que este país já assistiu.
O mundo hoje sabe que, ao contrário de
combater a impunidade e a corrupção, a Lava Jato corrompeu-se e corrompeu
o processo eleitoral e uma parte do sistema judicial brasileiro. Deixou impunes
dezenas de criminosos confessos que Sérgio Moro perdoou e que continuam muito
ricos.
Como podem dizer que combateram a impunidade
se soltaram pelo menos 130 dos 159 réus que ele mesmo havia condenado?
Negociaram todo tipo de benefício com criminosos confessos, venderam até o
perdão de pena que a lei não prevê, em troca de qualquer palavra que servisse
para prejudicar o Lula.
Que ética é essa que condena 2 milhões de
trabalhadores, sem apelação, destruindo empresas para salvar os patrões
acusados de corrupção?
Não tem moral, não tem autoridade para
discutir ética quem deu cobertura aos procuradores de Deltan Dallagnol e
Rodrigo Janot quando eles entregaram a Petrobrás aos tribunais dos Estados
Unidos, um crime de lesa-pátria que já custou quase 5 bilhões de dólares ao
povo brasileiro.
Temos muito o que falar sobre ética, sobre
combate à corrupção e à impunidade. Mas acima de tudo temos que falar a
verdade.
Meus amigos e minhas amigas,
Alguns professores de deus defendem um modelo
suicida de austeridade fiscal e redução do estado, que não deu certo em nenhum
lugar do mundo. Tiveram o apoio da mídia e das instituições para culpar os
governos do PT por tudo de ruim que havia no Brasil. Mentiram que tirando o PT
do governo tudo se resolveria, por obra do mercado e do ajuste fiscal. E os
problemas se agravaram ainda mais.
Os indicadores econômicos do Brasil pioraram:
a balança comercial em queda, a economia paralisada, setores da indústria
destruídos, o investimento público e privado inexistente, o rombo nas contas
aumentado irresponsavelmente por razões políticas. O custo de vida dos pobres
aumentou e as pessoas voltaram a cozinhar com lenha porque não podem comprar um
botijão de gás.
É preciso dizer umas verdades sobre isso
também.
A primeira delas é que o Brasil só não
quebrou ainda por causa da herança dos governos do PT. Por causa dos 370
bilhões de dólares em reservas internacionais que acumulamos e querem queimar
na conta dos juros. Por causa dos mercados internacionais que abrimos e que uma
política externa irresponsável está fechando. Por causa do pré-sal que
descobrimos e que estão vendendo na bacia das almas.
O Brasil só não está passando por uma
convulsão social extrema por causa da herança dos governos do PT. Porque não
conseguiram acabar com o Bolsa Família, último recurso de milhões de
deserdados. Porque milhões de famílias ainda produzem no campo, para onde
levamos água, energia, tecnologia e recursos em nosso governo. E também porque
não conseguiram destruir ainda os sistemas públicos de saúde, educação e
segurança, mas fatalmente isso irá ocorrer pela criminosa política de cortes do
investimento público.
Sempre acreditei que o povo brasileiro é
capaz de construir uma grande Nação, à altura dos nossos sonhos, das nossas
imensas riquezas naturais e humanas, neste lugar privilegiado em que vivemos.
Já provamos que é possível enfrentar o atraso, a pobreza e a desigualdade,
desafiando poderosos interesses contrários ao país e ao povo.
Soberania significa independência, autonomia,
liberdade. O contrário é dependência, servidão, submissão. É o que está
acontecendo hoje. Estão entregando criminosamente a outros países as empresas,
os bancos, o petróleo, os minerais e o patrimônio que pertence ao povo
brasileiro. Trair a soberania é o maior crime que um governo pode cometer
contra seu país e seu povo.
A Petrobrás está sendo vendida em fatias a
suas concorrentes estrangeiras.
Fiquem alertas os que estão se aproveitando
dessa farra de entreguismo e privatização predatória, porque não vai durar para
sempre. O povo brasileiro há de encontrar os meios de recuperar aquilo que lhe
pertence. E saberá cobrar os crimes dos que estão traindo, entregando e
destruindo o país.
Tão importante quanto defender o patrimônio
público ameaçado é preservar os recursos naturais e nossa riquíssima
biodiversidade. Utilizar esse patrimônio, fonte de vida, com responsabilidade
social e ambiental.
Um país que não garante educação pública de
qualidade a todas as suas crianças, adolescentes e jovens não se prepara para o
futuro.
Mas parece que enfiaram o Brasil à força
numa máquina do tempo e nos enviaram de volta a um passado que a gente já tinha
superado. O passado da escravidão, da fome, do desemprego em massa, da
dependência externa, da censura, do obscurantismo.
O Brasil precisa embarcar de volta para o
futuro. E não tem ninguém melhor para pilotar essa máquina do tempo do que a
juventude desse país. Porque essa juventude, seja ela branca, negra ou indígena,
ela quer ensino de qualidade, quer adquirir conhecimento, quer de volta as
oportunidades de trabalho digno, sem alienação e sem humilhações.
Essa juventude quer e merece um mundo melhor
do que este em que estamos vivendo.
Hoje me coloco à disposição do Brasil para
contribuir nessa travessia para uma vida melhor, vida em plenitude,
especialmente para os que não podem ser abandonados pelo caminho.
Sem ódio nem rancor, que nada constroem, mas
consciente de que o povo brasileiro quer retomar a construção de seu destino;
de que temos de fazer juntos um Brasil soberano, democrático, justo, em que
todos e todas tenham oportunidades iguais de crescer e sonhar.
O futuro será nosso, o futuro será do Brasil!
Luiz Inácio Lula da Silva
*O 7º Congresso Nacional do PT foi
realizado nos dias 22, 23 e 24 de Novembro, na cidade de São Paulo. De acordo
com o Blog do Esmael, o encontro contou com a participação de 800 delegados e
delegadas eleitos/as durante o Processo de Eleição Direta (PED) de 2019. Nesta
ocasião, participaram mais de 370 mil filiados/as votantes em todo o País. Os
congressos do PT são a instância máxima de decisão do partido.
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