quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Abya Yala*/Golpe na Bolívia atesta que capitalismo neoliberal não aceita e não tolera a democracia



Jeferson Miola*


"O golpe que derrubou Evo se inscreve na trajetória de golpes de novo tipo, não militares, que foram tentados, sem êxito, na Venezuela em 2002, porém concretizados em 2009 em Honduras, em 2012 no Paraguai, em 2016 no Brasil e agora na Bolívia", diz o colunista Jeferson Miola.

O golpe na Bolívia atesta que o capitalismo neoliberal não aceita e não tolera a soberania popular. O golpe confirma que o neoliberalismo é incompatível com a democracia e com a manifestação da vontade majoritária do povo.

Evo Morales foi eleito no primeiro turno na eleição de 20 de outubro com uma vantagem de mais de 640 mil votos em relação ao 2º colocado, Carlos Mesa.

Evo fez 47,06% dos votos contra 36,52% do opositor – ou seja, 10,54% a mais. De acordo com a legislação do país, com esse desempenho Evo deveria ser sagrado vitorioso já no 1º turno da eleição.

Esse não foi, contudo, o entendimento do uruguaio Luis Almagro, o secretário-geral da OEA [Organização dos Estados Americanos] e principal executor das ordens provindas da Casa Branca
para desestabilizar a região.

Almagro foi chanceler de Pepe Mujica [2010/2014]. Sua trajetória merece ser analisada num capítulo à parte, pois suspeita-se que ele seja agente da CIA desde a época em que ocupava funções diplomáticas representando o Uruguai no exterior.

O essencial neste momento, contudo, é entender a atuação decisiva de Almagro para o desfecho do golpe contra Evo Morales e o povo boliviano.

Evo, de boa fé, acreditou que o mercenário Almagro tinha bons propósitos quando pediu a recontagem dos votos. Em vista disso, Evo ingenuamente aceitou a recontagem.

Sem terminar a recontagem dos votos, contudo, no dia 9 de novembro Almagro divulgou um informe provisório de 13 páginas [aqui] e em cujas conclusões consta de tudo: desde insinuações e acusações, até projeções e inferências estatísticas; porém não consta o essencial, ou seja, nenhum dado numérico específico sobre a recontagem.

Nada menos que nenhum número! O relatório do Almagro é uma tremenda fraude, enfeitada com gráficos e tabelas!

É importante salientar, também, que Almagro antecipou o trabalho de auditoria da OEA – ou seja, antecipou a deflagração do golpe – em 4 dias. Originalmente, o informe final estava prometido para 13/11. Decerto fora antecipado para sincronizar com os tempos dos preparativos do golpe, uma vez que a conspiração estava totalmente coordenada.

Apesar de não ter nenhum dado objetivo para fundamentar o que escreveu, o apressado informe do Almagro/OEA diz que “a equipe auditora não pode validar os resultados da presente eleição, por isso recomenda outro processo eleitoral”.

Apesar da clara evidência de fraude promovida pela OEA de Almagro, Evo ainda assim – em nova prova de santa ingenuidade – aceitou convocar nova eleição, quando no máximo deveria aceitar a realização do 2º turno. E, isso, somente na hipótese de não ter alcançado o que determina a Lei do país, o que não foi o caso.

Depois de Evo outra vez ingenuamente ceder a Almagro e anunciar a decisão de convocar nova eleição, os golpistas tiraram proveito dos sinais de fraqueza e dobraram a aposta. Passaram, então, a exigir a renúncia de Evo.

A consequência, a essas alturas, era inevitável.

Interessante assinalar que o pedido de renúncia de Evo não estava assentado na Constituição ou nas Leis da Bolívia, mas nas ameaças sanguinárias contra indígenas, partidários e simpatizantes do MAS [Movimento ao Socialismo, o partido de Evo] e contra familiares e amigos de Evo.

Neste espetáculo medieval promovido pela oligarquia ensandecida e odiosa, não faltaram sequestro e agressão a pessoas e invasão, saqueio e incêndio de casas.

Aquela cena dantesca de violência contra a prefeita de Visto, Patrícia Arce [aqui], é apenas um aperitivo da barbárie a que está disposta esta oligarquia branca, racista e fascista.

A derrubada do governo plurinacional de Evo Morales foi motivada por 2 objetivos econômicos principais: [1] re-desnacionalizar e re-privatizar a cadeia de hidrocarbonetos e [2] re-desnacionalizar e re-privatizar a extração, o comércio e o uso da maior reserva de lítio do mundo.

O lítio, conhecido como “ouro branco”, é um elemento químico demandado pelas indústrias farmacêutica, energética e química do mundo moderno.

É empregado desde o fabrico de remédios para depressão, até na produção de baterias para celulares e dispositivos eletrônicos. O lítio é componente indispensável das tecnologias mais avançadas; portanto, fonte de muito dinheiro e poder.

O golpe que derrubou Evo se inscreve na trajetória de golpes de novo tipo, não militares, que foram tentados, sem êxito, na Venezuela em 2002, porém concretizados em 2009 em Honduras, em 2012 no Paraguai, em 2016 no Brasil e agora na Bolívia.

Este golpe para roubar as riquezas da Bolívia foi concebido nos EUA, coordenado no campo de batalha pela OEA sob Almagro e apoiado materialmente e politicamente pelos governos satélites de Washington, como do Bolsonaro, no Brasil; do Ivan Duque, na Colômbia e do Sebastián Piñera, no Chile.

O capitalismo não aceita a democracia e a soberania popular. Acreditar no compromisso das oligarquias dominantes com a democracia é tão pueril como acreditar no Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa.

ET: a denúncia da Revista Fórum [aqui] de que “‘Homem de confiança de Jair Bolsonaro’ é citado em áudio de opositores que tentam golpe contra Evo na Bolívia” deve ser apurada pelo Congresso Nacional. A intromissão em assuntos estrangeiros fere princípio da Constituição brasileira.

*Jeferson Miola: Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial

*Abya Yala: Terra viva, o nome indígena da América Latina.No espírito de José Martí e dos povos nativos, Abya Yala é tudo o que está relacionado com a Nossa América, essa terra viva que vai do Rio Bravo à Terra do Fogo, passando pelas Caraíbas, sem esquecer as primeiras nações da América do Norte.

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