11 de novembro de 2019, 06:57 h, Brasil 247
(Brasil) https://www.brasil247.com/blog/golpe-na-bolivia-atesta-que-capitalismo-neoliberal-nao-aceita-e-nao-tolera-a-democracia
Jeferson Miola*
"O golpe que derrubou Evo se
inscreve na trajetória de golpes de novo tipo, não militares, que foram
tentados, sem êxito, na Venezuela em 2002, porém concretizados em 2009 em
Honduras, em 2012 no Paraguai, em 2016 no Brasil e agora na Bolívia", diz
o colunista Jeferson Miola.
O golpe na Bolívia atesta que o
capitalismo neoliberal não aceita e não tolera a soberania popular. O golpe
confirma que o neoliberalismo é incompatível com a democracia e com a
manifestação da vontade majoritária do povo.
Evo Morales foi eleito no primeiro
turno na eleição de 20 de outubro com uma vantagem de mais de 640 mil votos em
relação ao 2º colocado, Carlos Mesa.
Evo fez 47,06% dos votos contra 36,52%
do opositor – ou seja, 10,54% a mais. De acordo com a legislação do país, com
esse desempenho Evo deveria ser sagrado vitorioso já no 1º turno da eleição.
Esse não foi, contudo, o entendimento
do uruguaio Luis Almagro, o secretário-geral da OEA [Organização dos Estados
Americanos] e principal executor das ordens provindas da Casa Branca
para
desestabilizar a região.
Almagro foi chanceler de Pepe Mujica
[2010/2014]. Sua trajetória merece ser analisada num capítulo à parte, pois
suspeita-se que ele seja agente da CIA desde a época em que ocupava funções
diplomáticas representando o Uruguai no exterior.
O essencial neste momento, contudo, é
entender a atuação decisiva de Almagro para o desfecho do golpe contra Evo
Morales e o povo boliviano.
Evo, de boa fé, acreditou que o
mercenário Almagro tinha bons propósitos quando pediu a recontagem dos votos.
Em vista disso, Evo ingenuamente aceitou a recontagem.
Sem terminar a recontagem dos votos,
contudo, no dia 9 de novembro Almagro divulgou um informe provisório de 13
páginas [aqui] e em cujas conclusões consta de tudo:
desde insinuações e acusações, até projeções e inferências estatísticas; porém
não consta o essencial, ou seja, nenhum dado numérico específico sobre a
recontagem.
Nada menos que nenhum número! O
relatório do Almagro é uma tremenda fraude, enfeitada com gráficos e tabelas!
É importante salientar, também, que
Almagro antecipou o trabalho de auditoria da OEA – ou seja, antecipou a
deflagração do golpe – em 4 dias. Originalmente, o informe final estava
prometido para 13/11. Decerto fora antecipado para sincronizar com os tempos
dos preparativos do golpe, uma vez que a conspiração estava totalmente
coordenada.
Apesar de não ter nenhum dado objetivo
para fundamentar o que escreveu, o apressado informe do Almagro/OEA diz que “a
equipe auditora não pode validar os resultados da presente eleição, por isso
recomenda outro processo eleitoral”.
Apesar da clara evidência de fraude
promovida pela OEA de Almagro, Evo ainda assim – em nova prova de santa
ingenuidade – aceitou convocar nova eleição, quando no máximo deveria aceitar a
realização do 2º turno. E, isso, somente na hipótese de não ter alcançado o que
determina a Lei do país, o que não foi o caso.
Depois de Evo outra vez ingenuamente
ceder a Almagro e anunciar a decisão de convocar nova eleição, os golpistas
tiraram proveito dos sinais de fraqueza e dobraram a aposta. Passaram, então, a
exigir a renúncia de Evo.
A consequência, a essas alturas, era
inevitável.
Interessante assinalar que o pedido de
renúncia de Evo não estava assentado na Constituição ou nas Leis da Bolívia,
mas nas ameaças sanguinárias contra indígenas, partidários e simpatizantes do
MAS [Movimento ao Socialismo, o partido de Evo] e contra familiares e amigos de
Evo.
Neste espetáculo medieval promovido
pela oligarquia ensandecida e odiosa, não faltaram sequestro e agressão a
pessoas e invasão, saqueio e incêndio de casas.
Aquela cena dantesca de violência
contra a prefeita de Visto, Patrícia Arce [aqui], é
apenas um aperitivo da barbárie a que está disposta esta oligarquia branca,
racista e fascista.
A derrubada do governo plurinacional
de Evo Morales foi motivada por 2 objetivos econômicos principais: [1] re-desnacionalizar
e re-privatizar a cadeia de hidrocarbonetos e [2] re-desnacionalizar e
re-privatizar a extração, o comércio e o uso da maior reserva de lítio do
mundo.
O lítio, conhecido como “ouro branco”,
é um elemento químico demandado pelas indústrias farmacêutica, energética e
química do mundo moderno.
É empregado desde o fabrico de
remédios para depressão, até na produção de baterias para celulares e
dispositivos eletrônicos. O lítio é componente indispensável das tecnologias
mais avançadas; portanto, fonte de muito dinheiro e poder.
O golpe que derrubou Evo se inscreve
na trajetória de golpes de novo tipo, não militares, que foram tentados, sem
êxito, na Venezuela em 2002, porém concretizados em 2009 em Honduras, em 2012
no Paraguai, em 2016 no Brasil e agora na Bolívia.
Este golpe para roubar as riquezas da
Bolívia foi concebido nos EUA, coordenado no campo de batalha pela OEA sob
Almagro e apoiado materialmente e politicamente pelos governos satélites de
Washington, como do Bolsonaro, no Brasil; do Ivan Duque, na Colômbia e do
Sebastián Piñera, no Chile.
O capitalismo não aceita a democracia
e a soberania popular. Acreditar no compromisso das oligarquias dominantes com
a democracia é tão pueril como acreditar no Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa.
ET: a denúncia da Revista Fórum [aqui] de
que “‘Homem de confiança de Jair Bolsonaro’ é citado em áudio de opositores
que tentam golpe contra Evo na Bolívia” deve ser apurada pelo Congresso
Nacional. A intromissão em assuntos estrangeiros fere princípio da Constituição
brasileira.
*Jeferson Miola: Integrante do Instituto de Debates,
Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º
Fórum Social Mundial
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