11 de novembro de 2019, 22:58 h, Brasil 247 https://www.brasil247.com/blog/lula-solto-se-prepara-para-a-maior-luta-de-sua-vida
Por Pepe Escobar
Jornalista e
correspondente de várias publicações internacionais
Publicado no Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres
Melhor não se
meter com o ex-presidente do Brasil. Putin e Xi são seus reais aliados na
Esquerda Global
Ele voltou. De forma explosiva.
Apenas dois dias depois de ser solto da carceragem da
Polícia Federal de Curitiba, no sul do Brasil, após uma apertada votação de 6 x
5 no Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
proferiu um inflamado discurso de 45 minutos em frente ao Sindicato dos
Metalúrgicos em São Bernardo do Campo, na periferia de São Paulo e, usando seu
inigualável capital político, conclamou os brasileiros a se lançarem a nada menos
que uma revolução social.
Quando meus colegas Mauro Lopes, Paulo Moreira Leite e
eu entrevistamos Lula
na cadeia, ele somava 502 dias prisioneiro em sua cela. Em agosto, era
impossível prever que sua soltura aconteceria no 580º dia, em inícios de
novembro.
Sua primeira fala à nação após sua saga na prisão -- que
está longe de ter terminado -- não poderia ser solene. Ele, na verdade,
prometeu um pronunciamento detalhado para um futuro próximo. O que ele fez, em
seu inconfundível estilo de conversa informal, foi partir imediatamente para a
ofensiva,
atacando uma longa lista de todos os inimigos possíveis: aqueles que
atolaram o Brasil em uma "agenda anti-povo". Em termos de uma
apaixonada fala política totalmente improvisada, esta já é uma peça antológica.
Lula detalhou as "condições terríveis" dos
trabalhadores brasileiros de hoje. Ele rasgou em pedaços o programa econômico --
basicamente um monstruoso sell-out -- do Ministro da Economia
Paulo Guedes, um Chicago boy e pinochetista, que está aplicando o
mesmo receituário falido de políticas neoliberais extremas, que
hoje está sendo denunciado e desmoralizado todos os dias nas ruas do Chile.
Ele analisou em detalhes a forma como a direita
brasileira abertamente apostou no neo-fascismo, que é a forma que o
neoliberalismo tomou no Brasil de tempos recentes. Ele arrasou com a
imprensa convencional, na forma do ultra-reacionário e até agora todo-poderoso
império Rede Globo. Em um gesto de gênio semiótico, Lula apontou para o
helicóptero da Globo que sobrevoava a multidão reunida para seu discurso,
implicando que a organização é covarde demais para chegar perto dele no nível
do chão.
E, o que é muito importante, ele tocou no cerne da
questão Bolsonaro: as milícias. Não é segredo para os brasileiros informados
que o clã Bolsonaro, com suas origens no Veneto, está se portando como uma
espécie de cópia-carbono crua, barata e escatológica dos Sopranos, chefiando um
sistema fortemente miliciano e apoiado pelos militares brasileiros. Lula
descreveu o presidente de uma das maiores nações do Sul Global como nada menos
que um chefe de milícias. Isso vai pegar - no mundo todo.
Acabou-se o "Lulinha paz e amor", que antes era
um de seus lemas favoritos. Chega de conciliação. Bolsonaro agora tem que
enfrentar uma oposição real, sólida e feroz, e não pode mais fugir do debate
público.
A jornada de Lula na prisão foi uma experiência
extraordinariamente libertadora, que transformou um estadista antes abatido em
um guerreiro sem medo, que mistura o Tao ao Lobo das Estepes (tal como esboçado
no livro de Hermann Hesse). Ele está livre como nunca foi antes – e ele afirmou
isso explicitamente. A questão é como ele conseguirá reunir o trabalho
organizacional, o método -- e ter tempo suficiente para mudar as péssimas
condições da oposição democrática no Brasil. O Sul Global inteiro está
assistindo.
Pelo menos por enquanto, os dados estão lançados, e o
jogo é óbvio: é a social-democracia contra o neo-fascismo. Programas
socialmente inclusivos, participação da sociedade civil na formulação de
políticas públicas, a luta pela igualdade contra a autocracia, o vínculo entre
instituições do estado e as milícias, o racismo e ódio a todas as minorias.
Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, (bom para eles), ofereceram a Lula seu apoio
incondicional. Steve Bannon, ao contrário, está perdendo noites de sono,
qualificando Lula como "o maior líder da esquerda globalista" de todo
o mundo.
Isso tudo vai muito além do Populismo de Esquerda -- que
Slavoj Zizek e Chantal Mouffe, entre outros, tentam conceituar. Lula,
supondo-se que ele permaneça em liberdade, agora está pronto para ser o
catalisador supremo de uma Nova Esquerda Global integrada, progressista e
"pró-povo".
O 'Evangelistão da Cocaína'
E agora, as partes realmente torpes.
Assisti ao discurso de Lula tarde da noite, em meio a uma
tempestade de neve em Nur-Sultan, a capital do Cazaquistão, no coração das
estepes, uma terra invadida pelos maiores impérios nômades da história. A
tentação era a de retratar Lula como um intrépido leopardo das neves, vagando
pelas estepes devastadas das estéreis terras urbanas.
Mas o importante é que os leopardos da neve são uma
espécie ameaçada de extinção.
Depois do discurso, tive conversas sérias com dois
interlocutores de primeira linha: o analista Romulus Maya, baseado em Berna, e
o antropólogo Piero Leirner, uma autoridade em militares brasileiros. O quadro
pintado por eles foi realisticamente lúgubre. Aqui vai um breve resumo.
Quando estive em Brasília no mês de agosto, diversas
fontes bem-informadas me confirmaram que a maioria dos ministros do Supremo
Tribunal Federal brasileiro foi comprada. Afinal, eles de fato legitimaram
todos os absurdos que vêm ocorrendo no Brasil desde 2014. Esses absurdos foram
parte de um retumbante golpe de guerra híbrida, supercomplexo e em câmera lenta
que, disfarçado de uma investigação de corrupção, levou ao desmonte de
campeões da indústria nacional como a Petrobrás; ao impeachment da Presidenta
Dilma Rousseff com base em acusações espúrias; à prisão de Lula, obra do
juiz-júri-executor Sérgio Moro, atual ministro da justiça de Bolsonaro e agora
totalmente desmascarado pelas revelações do
The Intercept.
Os militares brasileiros caíram em cima do STF.
Lembrem-se que a libertação de Lula aconteceu depois de uma vitória
apertadíssima de 6 x 5. Legalmente, seria impossível mantê-lo na cadeia: o STF
se deu ao trabalho de de fato ler a Constituição
brasileira.
Mas não há nenhuma mudança estrutural no horizonte. O
projeto continua sendo a venda do Brasil, acoplada a uma mal-disfarçada
ditadura militar. O Brasil permanece como uma reles colônia dos Estados Unidos.
Lula, portanto, saiu da prisão, basicamente, porque o sistema o permitiu.
Os militares acobertam a abismal incompetência de
Bolsonaro porque ele não consegue ir ao banheiro sem a permissão do General
Heleno, chefe do GSI, a versão brasileira do Conselho de Segurança Nacional. No
sábado, um Bolsonaro apavorado pediu socorro aos militares de alta-patente após
a soltura de Lula. E, sintomaticamente, chamou Lula de um "canalha"
que estava "momentaneamente" solto.
É esse "momentaneamente" que entrega o jogo. A
confusa situação jurídica de Lula está longe de uma solução. Em um cenário de
curto-prazo extremo, mas perfeitamente plausível, Lula de fato poderia ser
mandado de volta para a cadeia, mas desta vez isolado, em um presídio federal
de segurança máxima, ou até mesmo em um quartel militar. Afinal, ele já foi
comandante-em-chefe das forças armadas.
O principal foco da defesa de Lula agora é a
desqualificação de Moro. Qualquer pessoa que possua um cérebro e tenha lido as
revelações do The Intercept pode ver com clareza a corrupção de Moro. Se isso
vier a acontecer -- e esse "se" é problemático -- as atuais
condenações de Lula serão declaradas nulas. Mas há outros processos, oito no
total. Isso é o território da lawfare total.
O trunfo dos militares é o "terrorismo" --
associado a Lula e ao Partido dos Trabalhadores. Se Lula, no cenário extremo,
for mandado de volta a uma prisão federal, que pode ser em Brasília, onde, e
não por acidente, se localiza toda a liderança do PCC, o "Primeiro Comando
da Capital" -- a maior organização criminosa do Brasil.
Maya e Leirner demonstraram de que forma o PCC está
aliado aos militares e ao Deep State dos Estados Unidos, por
intermédio de seu agente Sérgio Moro, não para estabelecer uma Pax
Brasilica, mas sim o que eles descreveram como o "Evangelistão da
Cocaína" -- até mesmo com falsas bandeiras a serem atribuídas ao comando
de Lula.
Leirner estudou exaustivamente a forma com que os
generais, por mais de uma década, em seu website, vêm tentando associar o PCC ao Partido dos Trabalhadores.
E essa associação se estende às FARC (Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia), ao Hezbollah e aos bolivianos. Sim, tudo isso vem direto do manual A
Voz do Dono.
Lula, Putin e Xi
A aposta dos militares em uma estratégia de caos,
aumentada pela imensa base social de Lula, indignada com sua volta à prisão,
somada ao estouro da bolha financeira que tornará as classes médias ainda mais
pobres, o palco estaria montado para o supremo coquetel tóxico:
"comoção" social, aliada ao "terrorismo" associado ao
"crime organizado".
Isso é tudo o que os militares precisam para desencadear
uma ampla operação de restauração da "ordem", e finalmente forçar o
Congresso a aprovar a versão brasileira da Lei Patriota (cinco projetos de lei
diferentes já estão tramitando no Congresso).
Isso não é uma teoria da conspiração, e apenas dá uma
ideia de o quão incendiário está o Brasil neste momento. E a mídia tradicional
ocidental não fará o menor esforço para explicar para um público global essa
conspiração torpe e intrincada.
Leirner vai ao cerne da questão quando diz que o atual
sistema não tem motivo para recuar porque seu lado está ganhando. Eles não têm
medo de o Brasil vir a se transformar em um Chile. Mesmo que isso aconteça,
eles já têm um culpado: Lula. A imprensa convencional brasileira já está
soltando balões de ensaio -- culpar Lula pela subida do dólar e pelo aumento da
inflação.
Lula e a esquerda brasileira deveriam investir em uma
ofensiva de amplo espectro.
A Nona Cúpula dos BRICS acontece no Brasil esta semana.
Um contra-golpe de mestre seria organizar um encontro não-oficial, extremamente
discreto e cercado de forte segurança entre Lula, Putin e Xi Jinping, em uma
embaixada em Brasília, por exemplo. Putin e Xi são os principais aliados de
Lula na arena global. Eles, literalmente, estão esperando por Lula, como
diplomatas me confirmaram vez após vez.
Se Lula optar por seguir uma agenda restrita de meramente
reorganizar a esquerda brasileira, latino-americana ou mesmo do Sul Global, o
sistema militar atualmente vigente novamente o engolirá inteiro. A esquerda
está infiltrada -- por toda a parte. Agora é guerra total. Supondo-se que Lula
permaneça livre, ele certamente não poderá se candidatar novamente à
presidência em 2022. Mas isso não é um problema. Ele tem que ser extremamente
ousado -- e ele será. Melhor não se meter com o lobo das estepes.
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