Postado em 25/10/2019 11:18,
Pátria Latina (Brasil) http://www.patrialatina.com.br/precisamos-recuperar-o-espirito-rebelde-do-povo-diz-lula-ao-bdf-leia-na-integra/
Brasil de Fato, Curitiba (PR)
Bia Pasqualino e Nina Fideles
Leia na íntegra:
O ex-presidente evita fazer planos, mas projeta sua
saída da prisão ao lado do povo para resistir ao desmonte do Estado
(O Brasil de Fato entrevistou o ex-presidente Lula na
sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba / Fotos: Ricardo
Stuckert)
Quarta-feira, dia 23 de outubro. A placa localizada dentro da Vigília
Lula Livre, a poucos passos da sede da Polícia Federal em Curitiba (PR),
indica: 564 dias de resistência. É o número de dias que o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva se encontra privado de liberdade, em um processo que ele
afirma diversas vezes ser “mentiroso” e que foi protagonizado pelo juiz Sérgio
Moro e pelo procurador Deltan Dallagnol, famoso por seu power point.
A equipe do Brasil de Fato solicitou esta
entrevista há pouco mais de seis meses. Após a autorização da juíza Carolina
Lebbos, que assumiu o lugar de Moro e reiterou a sentença dada por ele, Lula
decide com quem quer falar. Para entrar no prédio da Polícia Federal – que, por
ironia, foi construído e inaugurado durante o governo petista –, são
necessários cadastros, revistas de equipamentos e pontualidade. Lula fica em
uma cela individual, de onde estabelece sua rotina de exercícios e leituras.
O encontro com o ex-presidente, que durou duas horas, ocorre no mesmo
dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma a sessão de julgamento sobre
as prisões em segunda instância, sem que estejam esgotados todos os recursos
disponíveis ao réu. O resultado da sessão define o futuro de Lula e
de outros 5
mil presos no Brasil. Para o ex-presidente, a tarefa dos ministros do STF é
garantir o que consta na Constituição. “Por isso que eu estou tranquilo com a
votação na Suprema Corte. O que eles estão votando não diz respeito a mim, diz
respeito apenas a cumprir a Constituição brasileira”, disse ao introduzir a
entrevista.
Lula diz não criar expectativas sobre sua liberdade a partir da decisão
do Supremo – pois Lula já vivenciou outros momentos de quase saída da prisão –,
mas o ex-presidente se permitiu apontar algumas projeções para um futuro
livre. Disse que irá casar novamente, que pensa em mudar de cidade e que
pretende conversar com toda a população brasileira. “Eu quero viver. Eu espero
que o PT me utilize, espero que a CUT me utilize, espero que os sem-terra me
utilizem, espero os LGBTs me utilizem, espero que os quilombolas me utilizem,
espero que as mulheres me utilizem, espero que todo mundo me utilize para fazer
com que eu tenha utilidade na minha passagem pelo planeta Terra”, propõe.
É unanimidade entre todos que o visitam que ele se demonstra forte e
altivo, mas fala com indignação daqueles que protagonizaram sua prisão. Neste
domingo (27), Lula chegará aos 74 anos ali, na sede da Polícia Federal. “Eu
estou triste por estar aqui, mas feliz por ter tantos amigos do lado de fora,
tanta gente solidária. E a única coisa que eu gostaria era que as pessoas não
deixassem destruir o país. Não há presidente que seja eleito para destruir o
país, não há.”
Lula, assim como todo ser humano, tem suas contradições e
complexidades. O que é inegável, é o protagonismo dele na história da política
brasileira. Mesmo preso, causa barulho, inspira, e representa uma ameaça a
alguns setores.
Sobre a Vigília Lula Livre, que foi montada no mesmo dia em que foi
preso, Lula não conseguiu verbalizar a gratidão. Parece impossível para ele
mensurar o que significa ter pessoas que, diária e religiosamente, o
desejam bom dia, boa tarde e boa noite, e que, em paralelo, constroem um
processo de formação, resistência e luta, logo ali do outro lado da rua.
Antes mesmo de começar a entrevista, o ex-presidente dava o pontapé
inicial sobre o julgamento no STF, que se iniciava naquele mesmo horário.
Depois disso, reforma agrária, desmonte das políticas públicas, Previdência,
soberania, desafios da esquerda, vida, livros e cultura foram temas da nossa
conversa.
Abaixo, a íntegra da entrevista.
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu já
disse outro dia em uma entrevista para um amigo, que esse processo da segunda
instância tem a ver com a Constituição brasileira. A Suprema Corte vai decidir
se ela vai cumprir a Constituição ou não vai cumprir. Esse não é o meu
processo. Eu não estou preocupado com a segunda instância. Eu vou repetir o que
eu disse: se o cidadão roubou, ele tem que ser preso na primeira, na segunda,
na terceira, na quarta, na quinta, basta que tenha prova de que ele roubou.
Agora, se o cidadão é inocente, ele tem que ser libertado. A minha briga não é por
segunda ou terceira instância, a minha briga é: eu quero que seja julgado o
mérito do meu processo. Se encontrarem um milímetro de prova de crime que eu
cometi, eu tenho que ser preso, mas se não encontrarem, prendam quem mandou me
prender e me libertem.
Essa é a minha briga e eu vou brigar até o fim, não sei quanto tempo
ainda eu tenho, vou completar 74 anos domingo [27]. Mas vou brigar até os
últimos dias da minha vida para que este país não tenha juiz, não tenha
procurador, não tenha delegado que haja com mentiras e contando inverdades para
o povo brasileiro. Essa é a briga e, portanto, vocês saibam que eu quero a
minha inocência. É por isso que eu digo: eu não troco a minha dignidade, pela
minha liberdade. Andar de cabeça erguida, aqui dentro ou lá fora, vale mais do
que andar de cabeça baixa lá fora. Então, pra vocês saberem, que eu estou muito
tranquilo e sei bem o que eu quero.
Sei bem o que fizeram comigo e sei bem a tentativa de manter a mentira
viva. Quando eu assisto a [Rede] Globo [de Televisão], ela tem horror que seja
entendido pela sociedade brasileira as denúncias feitas pelo The Intercept
[site que revelou mensagens entre Moro e Dallagnol, as quais comprovam manobras
para incriminar Lula]. Se ela puder jogar embaixo do tapete todas as denúncias
do The Intercept, que mostram a verdade, que mostram quem é o Moro, o
Dallagnol, que mostra a lógica dos processos que eles fizeram. A Globo sabe que
a mentira foi tão grande que ela ficaria desmoralizada. Então ela tentar evitar
que as pessoas tenham acesso.
A minha disposição é provar que a Globo é mentirosa, que o Moro é
mentiroso, que o Dallagnol é mentiroso, que o delegado que fez o inquérito é
mentiroso. A minha lógica é essa. Com muita tranquilidade, sem nenhum rancor.
Eu sou um Dom Quixote à procura da verdade.
Brasil de Fato: O senhor falou inúmeras vezes que não
abre mão da sua dignidade por sua liberdade e que quer provar a sua inocência.
Essa é uma decisão que é tomada diariamente, em todos os tipos de ações. A
gente pode imaginar o tanto de pressão que é exercida sobre a sua liberdade. O
que está na balança? Quais são os sacrifícios diários para tomar essa decisão?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu fui
criado por uma mãe analfabeta. A minha mãe morreu sem saber fazer um “O” com um
copo. Meu pai morreu analfabeto. Mas tem uma coisa que eu aprendi com eles que
é ter honradez. Esse negócio de honra, caráter, autoestima, é uma coisa que
está no sangue da gente. É uma coisa que se aprende desde pequeno. Eu não nasci
pra andar de cabeça baixa. Como eu tenho consciência da mentira que foi
contada, eu tenho consciência do desserviço ao país que esse Dallagnol prestou
com aquele power point. Eu tenho consciência das mentiras que o Moro contou na
sua sentença. Um juiz que vai julgar um cidadão por crime indeterminado, ou
seja, ele não sabe o que eu fiz de errado, mas tem que condenar, porque é
preciso condenar, o momento político exige a minha condenação. Eu tenho
consciência de que eles mentiram para a sociedade brasileira e essa mentira foi
compactuada em um acordo feito entre o Moro e a imprensa brasileira. Quando
você lê um artigo produzido em 2004, chamado Mani Pulite, em que ele
fala da Operação Mãos Limpas na Itália, ele entrega para a imprensa o papel
principal de condenar as pessoas. Ou seja, se um cidadão que ele [Moro]
suspeita for julgado anteriormente pela imprensa, na hora de prestar a
sentença, o cidadão já está condenado. Eu resolvi enfrentar isso. Resolvi enfrentar
pelo nome que eu tinha, pela minha relação com a sociedade brasileira.
Eu não podia permitir que mais de 200 horas de Jornal Nacional contra
mim, mais de 150 capas de revistas contra mim, mais de milhares de primeiras
páginas de jornal contra mim, eu não poderia permitir acabar com a minha vida
política, acabar com a minha relação com a sociedade, sendo chamado de ladrão
pelos ladrões.
Eu resolvi reagir. Eu já disse outras vezes: eu poderia não estar no
Brasil, eu poderia estar em uma embaixada, mas eu resolvi vir pra cá porque eu
não provaria a minha inocência se eu não estivesse aqui. Aqui, brigando, de
cabeça erguida. Eu estou falando com você [repórter] aqui, mas olha a cara do
Moro nas entrevistas que ele dá. Ele sabe que ele é mentiroso. Ele não tem nem
coragem de olhar na cara das pessoas. Olha pra esse Dallagnol, que, na verdade,
montou uma quadrilha com essa força-tarefa [da Lava Jato]. Ele queria ficar
rico. Ele queria pegar dinheiro da Petrobras para criar um instituto. Para
fazer o quê? É contra isso que eu me insurgi. E foi contra isso que eu tomei a
decisão de que o lugar que eu deveria estar é Curitiba. Vão me prender aqui um
ano, dois anos, não tem problema nenhum. Eu tenho paciência. Mas o que eu quero
é o seguinte: eu aprendi a andar de cabeça erguida e não baixo a minha cabeça.
Eu sou igual a qualquer brasileiro. Se eu cometi um erro, eu tenho que pagar.
Todos que cometem erro tem que pagar. Por isso que eu estou tranquilo
com a votação na Suprema Corte. O que eles estão votando não diz respeito a
mim, diz respeito apenas a cumprir a Constituição brasileira. Está escrito lá
que a pessoa só pode ser presa se for condenada depois de o processo passar por
todas as instâncias. Então, como era o Lula que estava em julgamento, como
tinha eleição para presidente, como o Lula poderia ganhar as eleições, eles
pensaram: “Vamos fazer no caso do Lula uma coisa excepcional. Vamos julgar
rapidamente”. Não é apenas o Moro, o Dallagnol, não é apenas o delegado que fez
o inquérito, os desembargadores do TRF4 [Tribunal Regional Federal da 4ª
Região], em Porto Alegre, nem leram o processo e votaram. Votaram pela
condenação.
Acha que eu posso aceitar alguém falar: “Não, o presidente já cumpriu
um ano e meio, ele vai ter progressão de pena”. Não. Progressão de pena é pra
ladrão. Progressão de pena é para culpado. Eu quero a minha inocência. Eu quero
o julgamento do mérito do meu processo. É assim que está dito o jogo e é assim
que que vou jogar. Eu não sei o que vai acontecer, mas essa gente tem que saber
que no Brasil ainda tem gente de caráter. Essa gente tem que saber que nenhum
deles é melhor do que eu. Essa gente tem que saber que nenhum deles é mais
honesto do que eu. Essa gente tem que saber que eu tenho, só de política – eu
comecei isso em 1969, eu tinha 24 anos de idade –, então eu tenho 50 anos de
vida política. Eu nunca tive um processo contra mim. Não posso agora permitir
que um bando de meninos, messiânicos, com interesse político eleitorais, com
interesses ideológicos, venham jogar lama em cima do meu nome.
Sobre o STF, a gente sabe que a mídia burguesa faz essa
discussão em torno do caso do senhor. Discutir prisão em segunda
instância impactaria 5 mil presos hoje, além de mudar a lógica do Judiciário. O
senhor acredita que os ministros do STF fazem essa discussão pensando no que
isso impacta no seu caso ou realmente pensando no impacto disso para a
população brasileira e a forma como o Judiciário opera?
A única coisa que eu espero é que eles votem de acordo com a
consciência deles e de acordo com o cumprimento da Constituição. O único
compromisso que eles deveriam ter é com a verdade, com a Constituição.
Obviamente que eu acompanho a imprensa todo dia, eu sei a pressão que a Globo
faz. Eu sei que chegaram a dizer que vão soltar centena de milhares de presos,
que “vamos num restaurante jantar com bandido”, tentando criar uma certa
inibição da hora do voto. Eu acho que a Suprema Corte não pode se deixar levar
por essa pressão e nem pela ideia do que a opinião pública quer ou não quer. Se
quiserem trabalhar de acordo com a opinião pública, as pessoas têm que ser
candidatas a alguma coisa. Então vamos fazer eleição direta para o gabinete da
Suprema Corte. Vamos fazer eleição direta para juízes. Não é assim. Eles têm
uma tarefa sublime. Eles têm o cargo vitalício, um cargo de muita
responsabilidade. Depois de um voto da Suprema Corte, a gente não tem para quem
recorrer, então eles precisam, efetivamente, apenas com muita serenidade,
cumprir o que a Constituição diz.
Se eles cumprirem o que a Constituição diz, o Brasil estará agradecido.
Eu sempre espero, com muita, muita tranquilidade. Eu sei que as pessoas do
outro lado não querem que eu seja livre. Eu tenho dito para algumas pessoas que
um dos meus desejos é fazer um ato público na porta da Globo. Só por prazer.
Para colocar todas as mentiras que ela contou sobre o meu caso nesses últimos
anos. Passar um dia inteiro lá falando, fazer uma cronologia mostrando as
mentiras contadas ao meu respeito. Agora, eu não vou sair daqui com raiva, com
ódio, porque senão eu não vivo. Eu quero sair daqui bem de cabeça. Eu quero
restaurar a verdade nesse país.
O senhor sempre tem dito que é importante que o povo
creia na Justiça, que é importante para nossa democracia. Como é possível
acreditar em uma Justiça, esperar que ela o liberte, se foi essa mesma Justiça
que colocou você na prisão, caracterizada como uma prisão política,
personificada no Moro e no Dallagnol. Como é possível esperar que ela liberte
você?
Não foi a Justiça que me colocou aqui. A Justiça é uma coisa muito
ampla. Quem me colocou aqui foi o Moro e os três juízes do TRF4, inclusive sem
ler o meu processo. Se ele lesse o processo, eles iam ver que o Moro mentiu.
Eles iam ver que o Dallagnol mentiu. O Dallagnol, aliás, deveria ter sido
exonerado no dia em que ele leu o power point. Quando o cidadão passa uma hora
e meia mentindo e depois da mentira ele fala: “Não me peçam provas. Eu só tenho
convicção”. Naquele ato, o Conselho Nacional do Ministério Público deveria ter
exonerado esse rapaz pelo bem do serviço público. Ele foi mordido pela mosca
azul e gostou. Ele tentou achacar a Petrobras, pegando R$ 2,5 bilhões para
criar um fundo. Tentou fazer não sei mais o que com a [empreiteira] Odebretch,
pegando mais R$ 3 bilhões, ou seja, virou uma quadrilha. Eu acredito que a
Justiça é muito heterogênea. Eu acredito que as pessoas vão ler a Constituição
e cumprir a Constituição. Se não fizerem isso, vou continuar brigando aqui
dentro. É o seguinte: eu não abro mão da verdade. Eu não abro mão.
Eu sei o que eu passei na minha vida para chegar onde eu cheguei,
sempre respeitando todo mundo. Eu vou continuar a minha briga. É uma briga
difícil, mas eu vou fazer. A única coisa que eu tenho clareza é que eu não vou
desanimar. Não peçam para eu desanimar, que eu não vou desanimar. Continuo
dizendo que eu acredito na Justiça, porque veja: imagina eu, ex-presidente da
República, de repente dizer: “Eu não acredito na Justiça”. Se eu disser que não
acredito na Justiça, eu vou ter que dizer outra coisa. Vou ter que falar pro povo:
“Olha, vamos resolver com as mãos”. Não é assim. Eu acredito que o Poder
Judiciário tem um papel muito importante nesse país, é só seguir corretamente
as leis e cumprir as leis. É só fazer julgamento com base na verdade, com base
na prova, com base na apuração, e não com base em critérios políticos e
preconceituosos de classe. Eu sei que a gente não tem ainda nenhum prounista
[estudantes beneficiários do Programa Universidade para Todos] como ministro do
Supremo [Tribunal Federal], mas um dia nós vamos ter. Eu acredito nisso e vou
brigar.
Vários juristas apontam as inúmeras fragilidades do
processo que o coloca aqui. Inúmeros juristas do mundo colocam essas
fragilidades, ainda assim, o senhor está aqui. Essa é a questão que a gente
coloca: o que permite…
O que é mais grave é que eu estou aqui por conta de uma mentira. Eu não
sei se você está lembrada, eu sempre disse que a desgraça da primeira mentira e
que você passa a vida inteira mentindo para justificar a primeira mentira. A
mentira contada ao meu respeito foi muito grande. Ela foi contada pelas
revistas, pelos jornais, pelas televisões, dezenas e dezenas de vezes. Ela foi
contada pelo Moro, pelo Dallagnol, ela foi espalhada na vortex política desse
país. Num tempo em que as pessoas tinham medo, num tempo em que as pessoas
achavam que o mundo ia acabar. Como é que essa gente vai ter coragem de se
desfazer dessa matéria? A Globo levou 50 anos para reconhecer que ela apoiou o
golpe militar. Quantos anos ela vai levar para dizer: “Não, nós, na verdade, transmitimos
coisas que não eram verdade”. Então, o que eu posso fazer?
Eu sou vítima de uma grande mentira, uma mentira que teve conteúdo
político e ideológico muito forte. Uma mentira que foi confirmada várias vezes
para poder evitar que o Lula fosse eleito presidente aqui dentro da PF. Então,
na verdade, o objetivo era tirar o Lula do pleito. Era tirar o Lula do governo,
era acabar com o PT. E você imagina o que aconteceu nesse país…
Você acha que nós temos que ficar quietos, vendo esse país ser destruído,
vendido, rifado? Esse país está num leilão eterno. O “São Guedes” está vendendo
tudo. Parece que está na 25 de março vendendo tudo em tempo de liquidação. Ou o
povo reage, ou então, quando a gente acordar, a gente não tem mais Brasil, a
gente tem um quintal dos Estados Unidos.
O senhor coloca a questão que queriam te tirar das
eleições desde o golpe contra a ex-presidenta Dilma. Esse plano foi garantido
pelas pessoas que te colocaram aqui dentro. Ainda assim há muito esforço para
mantê-lo na prisão. Na sua opinião, o que eles têm? É medo de vê-lo solto?
Não sei o que eles têm. Eu acho que o que eles têm, na verdade, [é que]
a mentira vai desaparecendo… E se eu estiver na rua em condições de falar com o
povo mais livremente… A Globo não poderia pedir uma entrevista comigo aqui
dentro para transmitir ao vivo? Com a Globo eu não confio de gravar, tem que
ser ao vivo. A Bandeirantes não poderia pedir uma entrevista aqui ao vivo? Eu
estou disposto a falar com eles. A Record… Marca um programa ao vivo e vem aqui.
Manda a pessoa mais feroz deles, o mais antilulista que eles tiverem para me
entrevistar aqui ao vivo. Tenho o maior prazer. E, com essa cara de “paz e amor
de Lulinha” eu falarei com eles. Não tem problema.
Eu tenho desafiado eles. Porque eu acho que a única coisa que justifica
o medo que eles têm de mim é saber que os pobres voltarão a comer três vezes
por dia. É voltar a saber que a gente vai comprar os alimentos dos pequenos
produtores rurais. É saber que a gente vai garantir que os pequenos produtores
vendam parte dos seus alimentos para as escolas públicas desse país. É saber
que as pessoas pobres vão continuar entrando nas universidades, nas escolas
técnicas. É esse o medo que eles têm? Pois então me deixem morrer aqui, porque
é isso que eu vou fazer.
Esse país teve um momento na sua história que o povo aprendeu a comer
três vezes por dia. Teve um momento em que o povo aprendeu a comer uma picanha
no domingo. Não era mais fazer churrasco com carne de segunda, era de picanha,
costela. Então eles têm medo que o povo seja feliz?
Esse país sempre foi governado para 35% da população brasileira. Era
35% que ia para o aeroporto, era 35% que ia para as belas praias, era 35% que
ia… E o povo marginalizado. Nós provamos que era possível esse país ser governado
para todos, e é o fizemos. O que é engraçado é que fizemos isso com democracia,
com direito de greve, com sindicato funcionando, com partido de oposição no
Congresso Nacional tentando atrapalhar, com a imprensa contra nós o tempo todo.
E nós fizemos.
Foi a primeira vez na história do Brasil em que os 20% mais pobres
tiveram ganho real acima dos ricos. É pouco? É pouco, mas nós provamos que é
possível fazer. É possível combinar exportação com mercado interno. É possível
provar aumento do salário mínimo sem causar inflação. É isso. Na hora que você
inclui as pessoas pobres dentro do orçamento da União e você assume o
compromisso de que você tem que governar para todos, fica mais fácil governar.
Eu tinha consciência de que o Brasil não era meu. O Brasil é do Brasil,
é do povo brasileiro. Por isso que nós fizemos 74 conferências nacionais para
definir as políticas públicas que nós implantamos. Eles têm medo disso? Pois
podem ficar com medo. Porque os pobres vão voltar a ir para o cinema, vão
voltar a ir para o teatro, para os aeroportos, a ir para os restaurantes,
parques chiques, shoppings chiques. Tinha gente que não gostava de ver pobre no
shopping granfino. Eles acham que lugar de pobre é só no sacolão. Então o que a
gente queria provar é que todos têm direito. Todos são cidadãos e todos podem
ter acesso aos bens que produzem.
O que o senhor coloca é realmente inegável e a gente
sabe pelos dados. O que o senhor acha que faz uma pessoa que teve acesso a
inúmeras políticas públicas – para além da campanha midiática que a gente sabe
que foi de muita força – vote em um governo como do Bolsonaro, por exemplo. O
que faltou? O que pode ter acontecido nesse meio do caminho?
Olha, eu tenho dito que se a gente é atacado e a gente não reage,
muitas vezes, aquelas pessoas que nos atacaram pensam que têm a verdade
absoluta. Então, o PT foi atacado durante uma década e o PT pouco reagiu. As
pessoas estavam, sei lá se com medo ou assustadas, porque era um ataque
virulento de todos os meios de comunicação contra o PT. Virou uma coisa de
pensamento único contra nós.
Ou seja, na hora que você começa a reagir, o outro lado começa a
perceber que tem disputa. Você sabe o que é um cidadão de manhã, acordar,
almoçar e dormir à noite ouvindo dizer que o PT é ladrão, que o PT roubou, que
o PT não sei das quantas. Você sabe a quantidade de fake news, de matéria da
Globo, da Veja, Istoé, da Época, do SBT. Era um massacre, que tinham pessoas
que não tinham coragem de sair na rua.
Por isso é que eu resolvi me insurgir e resolvi enfrentar de cara. Para
provar que ladrão são eles. Toda vez que esse país foi para as urnas para
combater a corrupção, o resultado é isso: foi Jânio Quadros, foi Collor, e
agora Bolsonaro. E numa demonstração…
Qual é a briga do partido deles agora? A briga do partido deles é pelo
fundo partidário. É saber quem vai mandar em R$ 400 milhões. Então, quando você
assume essa responsabilidade… Eu tenho dito para os companheiros do PT: por que
nós perdemos as eleições? Nós perdemos as eleições por “n” razões. Tinha gente
nossa desgostosa e teve uma campanha de fake news assustadora que nós não fomos
para cima para provar isso até agora. Era uma coisa nova. Mas tem alguns dados
que você tem que encontrar explicação.
Você não pode achar normal que um cara que não era conhecido nem pelo
vizinho na casa do lado dele seja eleito governador, como o governador do Rio
de Janeiro. Você não pode entender que algumas pessoas tiveram 12 milhões de
votos com base no quê? Qual era o trabalho prestado para a sociedade? Era
artista? Não. O que era? Obviamente só pode ter sido uma campanha de robô
jogando fake news na cabeça das pessoas 24 horas por dia.
Então, o PT tem que se insurgir contra isso. E se insurgir com muita
força, não é se insurgir com ódio, não, é se insurgir com muita força e não
levar desaforo pra casa. Não tem ninguém naquela Câmara melhor que os petistas,
melhor que as pessoas de esquerda, não tem. Então, vamos brigar.
Ficar atacando Foro de São Paulo, ficar atacando sem-terra, a CUT, é de
uma grosseria, uma grosseria intelectual. Uma grosseria política. Essa gente
não tem noção do que é o Foro de São Paulo. Essa gente não tem noção do que foi
a luta dos sem-terra. Essa gente é um bando de malucos, falando qualquer
asneira. Vale qualquer asneira. Na fake news vale qualquer bobagem. Então, em
vez de a gente ficar assustado, a gente tem que enfrentar isso. A gente tem que
enfrentar, não tem jeito. E eu estou disposto a brigar.
Se eles têm medo por conta disso, é o seguinte: eu sou de um estado que
antes da independência brasileira já estava brigando pela independência,
fazendo a sua revolução própria, de 1817. Depois fez a grande luta pela
Confederação do Equador, de 1824. Tem gente que gosta de brigar, a luta do povo
brasileiro não é contada, mas é uma luta extraordinária de resistência nesse
país. Nem sempre os heróis aparecem na fotografia, porque os heróis eram
decapitados, esquartejados, eram salgados.
E eu estou disposto a fazer tudo que eu puder fazer nesses últimos
tempos de vida que eu tenho [para lutar] em defesa da honra do povo brasileiro,
em defesa do direito de cidadania que o povo brasileiro tem que ter. É assim
que vai ser a vida. Então, se eles têm medo de mim por conta disso, paciência,
não vou mudar de comportamento. Tem gente que fala assim: “Como o Lula vai sair
da cadeia? Ele vai sair nervoso? Calmo?” Eu vou sair do jeito que eu sou, nem
pior nem melhor. Eu vou sair mais maduro, mais calejado, pensei muito na minha
vida. Estou pensando. Quando sair daqui, eu quero casar outra vez. É assim que
vou sair daqui. Vou sair daqui um pouco de “Lulinha paz e amor”, um pouco de
“Lulinha João Ferrador” [personagem símbolo das greves do ABC, da cartunista
Laerte], um pouco de gente que quer Justiça. Então se preparem que um dia eu
saio. E um dia a gente vai se encontrar para continuar lutando nesse país.
O senhor traz muito o protagonismo da Globo no golpe e
na sua prisão. Falou agora sobre a questão das fake news. Ao mesmo tempo, a
gente vê como a Record tem ganhado cada vez mais uma atuação política alinhada
ao governo Bolsonaro. Agora tem mais um grande complexo de comunicação com
força…
O que o SBT está fazendo é uma vergonha.
Exato, mas eles têm muito dinheiro. Além de tudo, como é
possível a esquerda romper com toda essa lógica da mídia burguesa, das fake news?
Já levando em consideração a autocrítica de que não foi feita a regulamentação
dos meios de comunicação.
Eu faço a autocrítica porque é necessário fazer autocrítica, mas, na
verdade, para você fazer uma regulamentação dos meios de comunicação, você tem
que levar em conta a correlação de forças existente dentro do Congresso
Nacional. E se você levar em conta a correlação de forças, você vai perceber
que o quadro congressual é muito negativo para a sociedade brasileira. Acaba de
ser aprovada uma política de reforma da Previdência que é contra o povo, e foi
o povo que votou nesses deputados.
Quando você analisa que os companheiros do Movimento Sem Terra, com a
força que tem nesse país, com o trabalho extraordinário, só tem dois deputados
federais, e que a bancada ruralista tem mais de 200. Quando você analisa que
metalúrgico deputado só tem dois e representante do empresariado tem 300, ou
400. Você fala: bom, como você vai aprovar coisas em benefício da sociedade
brasileira se os que estão lá são contra ela?
Não sei se você sabe, em 1978, quando eu pensei em criar o PT é porque
eu fui ao Congresso Nacional e descobri que não tinha trabalhador lá. E fiquei
pensando: “Eu sou um babaca, eu fico achando que vai ter lei aprovada para me
favorecer, e eu não tenho trabalhador aqui”. Ou nós nos convencemos disso e
passamos a trabalhar a sociedade para ela compreender isso, ou o cidadão é
fazendeiro, mas não coloca no boletim de campanha “sou fazendeiro”, ele coloca
que é médico, advogado, contador… Ele é sempre o profissional liberal, ele
nunca coloca lá “latifundiário”, porque ele tem medo de que o povo não vote
nele.
A gente precisa saber que para fazer as coisas que a gente sonha é
preciso que a gente tenha não apenas um governo comprometido, mas a gente tenha
uma correlação de forças favorável dentro do Congresso Nacional. Quando eu fui
votado em 2002, de 513 deputados, eu tinha 91. Eu precisava de 257 para uma
votação simples. No Senado, eu tinha, acho que 14, de 81 na época. Então você
não consegue fazer as coisas que você quer, que você deseja, se você não tiver
uma força no Congresso Nacional.
Então, é importante que o movimento comece a pensar que nós precisamos
fazer lutas menos economicistas e mais políticas. Ou nós politizamos a
sociedade para ela saber em quem vota na época da eleição, ou as pessoas
estarão sempre colocando uma raposa para tomar conta do galinheiro, achando que
vai dar resultado, e não dá resultado. O resultado é que a pobreza está
voltando, o desemprego está voltando, a fome está voltando. O resultado é que a
desmoralização do Brasil no exterior é muito grande. O Brasil virou motivo de
piada lá fora.
Eu lembro que eu fui na inauguração desse centro que a Marinha tem no
Rio de Janeiro, de acompanhar os navios que estão rodando pelo oceano no mundo
inteiro. Na época que me foi apresentado isso, me parecia uma coisa fácil, mas
nós já estamos com uma poluição nos mares brasileiros há 60 dias e até agora a
gente não sabe quem fez aquilo. Fica o presidente blasfemando asneira e o seu
ministro dizendo: “O óleo é Venezuela! O óleo é Venezuela! O óleo é Venezuela”,
sem nenhum critério, sem nenhuma prova. Nós não queremos saber de onde é o
óleo, se o óleo é da Venezuela, brasileiro ou iraquiano, iraniano ou é russo,
americano…
Nós queremos saber que o óleo está atingindo as praias brasileiras, que
é uma das fontes de riqueza e geração de emprego no Brasil através do turismo e
que, até agora, há 60 dias, o presidente não pôs os pés lá, não foi lá. Até
agora a gente não descobriu, não fez uma conferência com os governos dos navios
que a Marinha tem o nome pra saber se foi, não é possível. Um navio não é uma
coisa pequena. Se houve um vazamento, o país sabe que o seu navio vazou. Então
estamos aí vendo a irresponsabilidade depois de 50 dias: vamos colocar o
Exército, vamos colocar a marinha. Já era para estar todo mundo lá.
Então, essas coisas que não podem continuar acontecendo no Brasil. Eu
estou vendo de um lado o Bolsonaro falando as bobagens dele, de outro lado o
Guedes vendendo o Brasil. E nós estamos com uma luta economicista sem fim.
Quando eu acho que a luta agora é eminentemente política. Eles não têm o
direito de vender o Brasil. Eles não têm o direito de vender a Petrobras,
vender a Eletrobras, as coisas que eles estão vendendo a preço de banana.
Esse petróleo que nós descobrimos através do pré-sal era para ser o
futuro desse país. Eles estão entregando a preço de banana. A nossa luta tem
que ser essa. A nossa luta tem que ser contra o desmonte do Brasil. Depois que
o seu Guedes acabar de vender tudo, ele vai morar em Nova York, Paris; e o povo
brasileiro que fique aqui, comendo o pão que o diabo amassou, porque é sempre
assim na história do Brasil.
É por isso que tenho falado muito da soberania nacional. A soberania
nacional não é defender a Petrobras, não é defender o Banco do Brasil. A
soberania nacional é defender o povo brasileiro. Só existe uma nação, por causa
do povo. E o que dá qualidade a uma nação é a qualidade de vida do povo, a
qualidade de educação do povo, a qualidade da alimentação, a qualidade de
produção, é o conhecimento científico e tecnológico dessa nação. É isso que é
soberania. É isso que eu acho que a gente tem que ir para a rua, brigar.
Engraçado, porque eu vejo as pessoas falarem: “Vamos para a rua”, mas ninguém
vai. O cara que fala não vai.
Por que o senhor acha isso?
Eu vejo tanta gente falar: “Tem que ir para a rua, tem que ir para a
rua”. Mas o cara que fala tem que ir. Se não for… O povo não dá murro em ponta
de faca. O povo foi massacrado durante vários anos com uma quantidade de
mentiras enormes, e eu sei da dificuldade de você reverter isso. Não é uma
coisa simples. É preciso muito discurso, é preciso muita clareza, uma narrativa
séria por parte do nosso pessoal. Temos que construir uma narrativa para lutar
contra a narrativa deles. Então tudo para eles é o comunismo, tudo pra eles é o
governo da Dilma, tudo pra eles é o Lula. E a nossa narrativa?
Eu acho que às vezes a gente tem muitos discursos diferenciados, cada
um defende uma coisa, e a gente não conta uma narrativa única para o povo, para
ele se dar conta do que está acontecendo no Brasil. Dizer que o Brasil está em
crise por conta da Dilma é uma mentira deslavada. Eu, quando vejo o Temer dar
entrevistar agora, como se não tivesse acontecido nada nesse país… Até
reconhecendo que houve golpe, já…
Então o que eu acredito é que o pessoal, os nossos companheiros da
esquerda, dos movimentos sociais, precisam construir uma narrativa. Nós temos
uma coisa que a gente não tinha há dez anos atrás, que são as redes sociais,
que têm coisas muito negativas, mas dá para a gente um instrumento que a gente
não tinha. Então o que nós temos que fazer: é preciso construir a nossa rede
social, juntar todo mundo que pensa mais ou menos a mesma coisa, e construir
uma unificação de narrativa de alguns assuntos. Para que todo mundo saiba a
mesma coisa ao mesmo tempo. Mas se cada um ficar falando uma coisa, nós estamos
construindo uma Torre de Babel, e não conseguimos unificar a nossa luta.
Eu penso que está na hora de a gente fazer valer o instrumento que nós
temos, que é a rede social. Está na hora de a gente fazer valer. Cada deputado
tem um site, cada dirigente sindical tem um site, cada central tem um site,
cada estudante tem um site… Agora é preciso que tenha uma linha. Outro dia
estava vendo uma cena no Congresso Nacional, ou seja, fica todo mundo tirando
foto de si mesmo, gravando. Eu estava vendo a Gleisi abrir uma reunião do
Diretório Nacional do PT e ela falando, e tinha umas 20 pessoas ali…
Os seres humanos estão virando algoritmos. Não é o ser humano que está
utilizando a internet, a internet que está utilizando eles. Quando é que a
gente vai transformar esse potencial que nós temos num instrumento político
para a gente brigar? Em vez de permitir que eles utilizem a gente para fins
eleitorais, como utilizaram nas eleições agora no Brasil, nas eleições do Trump
nos Estados Unidos, e outras eleições por aí. Então temos um momento
extraordinário e um potencial, a gente apenas precisa saber como unificar
procedimentos nossos para que a gente dê dimensão no potencial que nós temos.
Vou voltar um pouco na questão das correlações e
composições, inclusive o [José] Genoíno já havia nos contado de que o que
motivou a criação do PT foi realmente encontrar um Congresso que não tem trabalhador.
Hoje, do ponto de vista de governo eleito, a gente tem composição de militares,
presidente, vice-presidente, setores estratégicos, ministros à frente que são
militares. E têm muitas discussões sobre quanto arriscado isso é para a
democracia. O senhor foi preso político também na ditadura. Como o senhor
enxerga essa composição hoje? Há realmente um risco? É uma composição natural a
partir do que o Bolsonaro compôs?
A montagem do governo é o resultado daquilo que o Bolsonaro tinha
condições de fazer. O Bolsonaro não era um cara alinhado com a sociedade civil.
A relação dele está hoje, mais do que provado, com os reservas das Forças
Armadas, com os milicianos do Rio de Janeiro. Você não tem noção do Bolsonaro
participando de outra atividade que não fosse essa, e é essa gente que está
ocupando o governo dele. Eu não tenho nada contra os militares estarem no
governo dele. Você pode ter gente altamente competente exercendo funções de
governo, não vejo nenhum problema. Mas o que se percebe é que ele coloca,
porque ele não tem gente para colocar.
Uma vez eu viajei com o Collor, a Dilma, nós fomos pra Alagoas fazer um
ato, e eu fiz uma pergunta para o Collor sobre algumas pessoas que ele tinha
escolhido. Ele falou assim para mim: “Eu não tinha ninguém. Ninguém queria ir
para o meu governo”. O Bolsonaro, ninguém queria ir para o governo dele. As
pessoas democráticas, tidas como civilizadas, ninguém queria ir para o governo
dele. Então ele pegou o que tem. O que ele tem é isso. E ele acha bonito essas
trapalhadas todas, ele acha bonito essas brigas do filho dele. Ele acha bonito
tudo isso. É como se o Brasil tivesse virado um circo. Ele diz textualmente que
não entende nada de economia, que não está preocupado com economia, que isso é
o Guedes que faz, que não entende de meio ambiente, que é não sei quem que faz.
Tudo ele não entende. Ele só entende de falar as bobagens que ele fala todo
santo dia.
O que ele não percebe é que, com o comportamento, ele está diminuindo
esse país diante do mundo. Porque quando você governa um país, uma pessoa tem
que construir credibilidade. Quando você tem credibilidade, você pode fazer
determinadas coisas com a sociedade acreditando. Mas ele é como se fosse um
chefe de uma torcida organizada, tudo que ele fala é para os fanáticos deles.
Quando você torce para um time, não tem nada mais chato do que você discutir
futebol com fanáticos, com doentes, um cara que fala asneira toda santa hora.
Então, eu tenho muitos amigos assim. Talvez eles achem que eu sou assim também
(risos).
O dado concreto é que ele não fala para o Brasil, ele fala para o povo
dele. Ele tem que contentar o povo dele, as pessoas que o cercam, as pessoas
que batem, as pessoas que são violentas, as pessoas que ameaçam. Eu acho que
tem uma parcela da sociedade brasileira que é assim. Tem um livro do Mia Couto,
um escritor moçambicano, que tem uma frase que diz lá: quando a sociedade está
com medo, ela se encosta no primeiro monstro que aparece.
Ou seja, as denúncias contra o PT, contra a esquerda, foram de tal
magnitude que de repente uma parte do povo achou que era possível que esse cara
resolvesse o problema. E, na verdade, não é. Ele não tem condição de resolver o
problema. Ele vai passar a vida inteira contando mentira. Um cara que coloca um
filho para disputar uma eleição com a mãe, sabe… Não é um cara tão normal
assim. Mas é isso que o povo elegeu, então se o povo elegeu ele, ele que trate
de governar. Ele tem quatro anos de mandato, ainda está no primeiro ano,
significa que ele tem chance de fazer muita coisa pelo Brasil. Então que faça.
Faça. Se o povo estiver comendo, se o povo estiver trabalhando…
Qual é a condição de trabalho hoje? O povo brasileiro foi reduzido a
ser motorista de Uber, a ser entregador de pizza… É esse o trabalho? Não que
esteja desmerecendo essas funções, mas é que essas funções não têm registro em
carteira profissional, nessas funções as pessoas não tem direito a
aposentadoria. As pessoas ficam acidentadas e não recebem sequer um amparo do
Estado. Nós estamos voltando, da forma mais perversa possível, ao mesmo
tratamento que se dava no tempo da escravidão. Com uma vantagem, no tempo da
escravidão, o dono do escravo era obrigado a cuidar do seu escravo. Agora não,
agora a sociedade está submetida ao trabalho intermitente. Eu faço o que tem, na
hora que querem que eu faça, me pagam o que querem, onde nós estamos vivendo,
destruindo tudo que é conquista que nós tivemos?
Não foi fácil conquistar essas migalhas que nós temos. Eles estão
destruindo em nome do quê? Em nome do aumento do lucro dos donos do dinheiro. É
isso que está acontecendo no Brasil e no mundo.
Então, ou nós nos insurgimos contra isso com muita clareza, montamos
uma estratégia de como vamos enfrentar essas coisas, ou vamos ter esse país
como se fosse um país de terra arrasada. É o que eles estão fazendo. Eu,
sinceramente, fico muito indignado com o que está acontecendo no Brasil. Só não
vou dar cabeçada na parede, porque não tenho com quem reclamar. Ou dou cabeçada
na parede ou fico quieto. Então eu, sinceramente, não me conformo com o que
está acontecendo. Eu fico dizendo… Eu vejo todo dia: “Tem medo do Lula, não
quero que Lula saia, Bolsonaro já articula para sair [?]”…
Olha, tem que saber de uma coisa: se eu sair, eu vou para a rua
conversar com o povo brasileiro. Não tem jeito. Vou conversar e vou chamar o
povo a lutar contra essa entrega que eles estão fazendo. Se o prejuízo que eu
causar à minha vida for lutar pelo povo brasileiro, é a única coisa que eu
aprendi a fazer. E hoje eu estou, diria, mais preparado, mais motivado, porque
sei que a gente pode ser infinitamente melhor do que eles para cuidar desse
país e para cuidar do povo.
Quando falam da corrupção, a corrupção sempre foi utilizada para a
direita chegar ao poder. Quando eles falam: “Ah, devolvemos não sei quanto para
a Petrobras”. Eles tem que dizer qual o prejuízo que eles deram para o Brasil.
Mais de R$ 142 bilhões ao Estado brasileiro. Só na construção civil mais de 1,2
milhão de empregos, fora a destruição da indústria naval, a destruição das
nossas faculdades… A troco do quê? E o que estamos fazendo? O nosso problema é
que…
Eu assisto muita coisa. Tem muita gente nas redes falando, tem uns 50
jornais que eu assisto aí… O problema é que cada um fala por si. É preciso
tentar dar densidade coletiva às coisas que nós falamos para juntar gente. E
determinar uma linha de ação. Precisa saber o que nós queremos. Nós queremos a
universidade pública forte? Nós queremos investimentos em ciência e pesquisa?
Nós precisamos brigar por isso.
Existem algumas discussões dentro da esquerda acerca da
terminologia usada para definir o que é o governo Bolsonaro. Tem “neofascismo”,
“totalitarismo”, “autoritarismo”, e isso ajuda a definir a linha… [Lula
interrompe]
Eu sinceramente não acho. Eu não sei qual é a discussão que… Eu não acho
que a gente tem que ficar procurando definir o que é o governo Bolsonaro. O
governo Bolsonaro é o Bolsonaro. Está aí. Eu não quero fazer análise do governo
Bolsonaro. Eu quero saber o seguinte: ele está destruindo esse país. Ou nós
brigamos ou nós não brigamos. Sabe? Então ele colocou o Guedes com a única
missão de vender o país. Nós estamos vivendo uma contradição. De um lado o
Chile em pé de guerra, inclusive por causa dos aposentados que estão morrendo
de fome. E nós aqui festejando a aprovação de uma política de reforma da
Previdência que vai acontecer, no longo prazo, o que está acontecendo com o
Chile.
Então eu não posso fazer crítica a quem está fazendo as análises para
definir o Bolsonaro. Eu, sinceramente, não quero nenhuma definição do Bolsonaro.
Ele é o que é. E eu acho que nós temos que brigar pelo Brasil. Vamos definir o
que nós queremos do Brasil e brigar por isso.
A gente assiste a esse retrocesso promovido pelo governo
Bolsonaro em diversas áreas. Na saúde, cada dia é uma. O senhor acha que é
possível reverter esse quadro de retrocesso? Custou tanto para garantir os
direitos do povo. Esse trator é possível de ser freado? E como é possível fazer
essa reconstrução? O senhor vê isso no horizonte?
Vamos ter em conta o seguinte: uma Previdência Social, de quando em
quando você tem que fazer um ajuste em função dos avanços da própria sociedade.
Você não precisa ficar um século com o mesmo sistema de aposentadoria, você
pode fazer ajustes. Eu lembro que quando eu comecei a trabalhar, a gente, muitas
vezes, não se aposentava porque morria antes de se aposentar. Eu lembro que
naquele tempo quem tinha 60 anos era velho. Hoje as pessoas estão vivendo até
os 75. Dependendo da profissão, até um pouco mais. Você pode fazer ajustes, o
que você não pode fazer ajuste é por conta do déficit público. [Não se pode]
tentar colocar a culpa na aposentadoria e nos aposentados pela questão
econômica.
O que o povo pagava dava muito bem para cobrir a Previdência Social.
Nós temos um problema no setor público, que eu fiz um ajuste em 2003. O PSOL
foi criado por causa da briga da reforma da Previdência que eu fiz. Era preciso
ajustar alguma coisa. Filha de general não casava para ficar recebendo pensão a
vida inteira; o cara se aposenta recebendo salário integral e ainda tem aumento
real da categoria. Tudo isso a gente brigou muito. Era o Ricardo Berzoini o
ministro da Previdência Social. Agora, a receita da iniciativa privada era
superavitária até 2014. [Se] você quer resolver o problema da Previdência
Social, [tem que] gerar emprego. Quando você gera emprego, você gera um
contribuinte. Quando você gera um contribuinte, gera um aumento da arrecadação.
Foi assim no nosso governo, quando nós criamos mais de 20 milhões de empregos
com carteira profissional assinada.
Aí [se] você quer fazer um ajuste na Previdência, discute com a
sociedade. Eu criei um grupo em que participavam todas as centrais sindicais,
participava o governo e participavam os empresários. Vamos discutir, vamos ver
o que precisa aperfeiçoar, e você faz. O que você não pode é tentar fazer uma
reforma para resolver um déficit que não é da Previdência, para resolver o
problema fiscal do governo. Eu sinceramente não sei… Não é fácil você aprovar
emenda constitucional nesse país. O Congresso, hoje, é muito mais conservador
do que já foi em qualquer outro momento. Eu acho que nós vamos ter que
ver o que a gente quer desse país. Eu, sinceramente, acho que é quase que a
reconstrução, porque estão desmontando tudo. Tudo que foi criado. Não tem mais
um conselho, não tem mais nada que nós criamos funcionando. É uma destruição, é
como se fosse um furacão. Sabe isso que você vê na televisão, que destrói uma
parte da Califórnia, de Miami, de Cuba, da Jamaica? Está passando um furacão,
destruindo tudo o que foi construído, em nome de combater o comunismo. Eles nem
sabem que o Muro de Berlim caiu em 1989. Eles nem sabem. Eles estão falando de
coisas sem saber do que estão falando.
Veja, o Brasil é o único país que tem como ministro da Ciência e
Tecnologia um astronauta. Portanto, ele subiu no foguete, saiu da atmosfera e
sabe que o planeta é redondo. E o presidente dele acredita que a Terra é plana.
Ele [ministro Marcos Pontes] tem que contar para o presidente: “Olha, eu subi
lá. Eu tirei fotografia, está aqui. O mundo é redondo. Bolsonaro, a terra é
redonda. Fala para o seu guru que não tem terra plana”. Mas, não, a gente vive
isso.
Ontem eu vi o ministro do Meio Ambiente [Ricardo Sales] dizer [que] o
óleo é da Venezuela. Quem quer saber de onde é o óleo, meu Deus do céu? Nós queremos
saber que o óleo está poluindo a praia brasileira. Se for dos Estados Unidos é
bom? Se for de Israel é bom? Não. O problema do óleo é que é da Venezuela.
[Isso] é de uma cretinice muito grande. E nós estamos vendo isso, sabe?
Nós precisamos recuperar o espírito rebelde do povo brasileiro. É isso
que nós precisamos.
Todo esse desmonte coloca o povo brasileiro em uma
situação muito delicada, de estar tentando prover sua própria vida. A gente não
vive mais os tempos de acesso às políticas públicas que permitiam que se
tivesse 10 minutos para refletir o que cada um queria sobre o Brasil. Como
esperar que O povo, que está vendendo o almoço para comprar a janta, reflita
sobre o que quer, vá para a rua, se insurja?
O problema é que se cria um pânico na sociedade, e a sociedade
brasileira esteve, por um tempo, muito amedrontada. Eu lembro que, logo depois
da eleição do Bolsonaro, eu ouvia muita gente dizer: “E agora? Eu vou embora
não-sei-para-onde. Eu recebi ameaça de morte, etc”. As pessoas começam a ficar
com medo, e não se faz política com medo. Com medo, você não faz nada. O medo
permite que uma mulher muitas vezes não resista a um estupro. Porque ela está
com medo, ela está com pânico. O medo fazia com que muitas vezes um escravo
tomasse chibatada sem ser amarrado e não reagia. O medo faz com que a sociedade
deixe de fazer muitas coisas. Mas, medo do quê?
O cara ganhou as eleições. Nós não gostamos do jeito que ele ganhou as
eleições, mas ele ganhou as eleições, tomou posse, montou o governo dele. Eles
possivelmente pensaram o mesmo de nós quando nós ganhamos. “Porra, esse Lula,
esse metalúrgico grosseiro, que fala ‘menas laranja’, que não sabe nem falar
direito. Esse cara vai governar o Brasil. Esse cara que não é chique”. Eles
pensaram o mesmo de nós. Então, eu acho que a gente não tem que ter medo e nem
desespero. Primeiro, nós temos que ter consciência que, para quem ganha, quatro
anos são quatro dias. Para quem perde, quatro anos são quatro séculos. É muito
difícil você esperar terminar um mandato, para quem está na oposição. E é muito
rápido para quem está no governo.
[Ele] Nem bem começou a governar e já tem um ano. Daqui a pouco, temos
eleições outra vez. O que nós temos que fazer? Nós temos que preparar o que nós
queremos nesse momento. Vou te dar um exemplo. O PT apresentou um plano de
emergência. Na verdade, o PT pegou o programa que o Fernando Haddad fez na
campanha, transformou em vários projetos de lei para apresentar no Congresso
Nacional, tentando transformar aquilo em um instrumento de luta do povo
brasileiro. Hoje, eu acho estranho, porque ninguém mais fala do plano de
emergência que foi apresentado. Aí, apresentou-se a proposta de política
tributária. Daqui a pouco, apresenta outra coisa.
Ou seja, nós mesmos vamos nos atropelando sem definir o que é
prioritário, o que é mais importante. O Vicentinho [deputado Vicente Paulo da
Silva] brincava que a gente tinha que definir o seguinte: o importante é
principal, o resto é secundário. Então, nós temos que saber o que é importante
para nós e, em cima disso, fazer uma luta.
Defender as universidades e as escolas técnicas é importante, defender
a qualidade de ensino é importante, defender a Petrobrás é importante. Vamos
mapear essas coisas. Por isso que eu estava pensando em fazer um texto sobre
soberania. Aí, foi criada a comissão, foi criada uma secretaria. Mas, tudo que
você cria, tem que transformar em ação política. O que é transformar em ação
política? É falar todo dia, fazer o povo compreender, e pedir para o povo falar
todo dia. Quando todo mundo estiver falando a mesma coisa, a coisa começa a
rodar, começa a funcionar. E nós não estamos fazendo isso.
Todo mundo quer brigar, mas todo mundo quer brigar por uma coisa
[diferente]. Tem uma razão. É o seguinte, está claro: nós precisamos provar que
o Brasil não precisa ser destruído; que o Brasil não pode ser subordinado aos
Estados Unidos; que o Brasil é um país que pode ser protagonista e que, para
tudo isso, o povo tem que trabalhar, comer, estudar, ter acesso à cultura. O
que eles estão fazendo com a cultura é uma coisa muito grosseira. Os artistas
brasileiros já deveriam ter parado esse país. Como é que pode você tentar jogar
a responsabilidade na cultura para combater qualquer coisa ideológica? Depende
de o presidente gostar ou não gostar: que história que é essa? Quanto mais
liberdade houver na área cultura, melhor. Eu vejo muitas vezes as pessoas com
um certo sentimento de passividade, de contestação, mas sem uma ação. Não dá.
Sinceramente, não dá.
Está terminando este primeiro ano [de governo Bolsonaro], vamos ver o
que a gente pode fazer para os anos seguintes. O que não pode é deixar destruir
o país como estão destruindo. Não se falam mais muitas coisas que a gente
falava. Acho que não se tem mais casa popular – não se constrói mais casa
popular –; a palavra “emprego” não aparece mais; a palavra “desenvolvimento”
não aparece mais; as palavras “redistribuição de renda” não aparecem mais. E a
imprensa faz um sacrifício enorme. Quando o PIB cresce 0,000001%, eles vendem
como se fosse uma coisa extremamente importante para o país. Assim, o tempo vai
passando, e a gente está deixando de fazer a boa briga nesse país.
O senhor falou sobre como o tempo passa rápido para quem
está no poder. O que a gente, a partir da lógica da democracia brasileira e dos
nossos partidos, é que eles se movem quase que exclusivamente conforme a agenda
de eleições. Muitas vezes, estão descolados com as lutas cotidianas do povo
brasileiro. Soma-se a esse cenário a narrativa de negação da política, de
criminalização da política pela mídia, principalmente. O senhor acha que o PT
está dando respostas internas e externas a essas questões? Há uma tentativa de
se reinventar, reinventar o partido diante desse cenário novo que se coloca?
O problema da questão eleitoral é porque você tem um calendário. E o
calendário acontece independentemente de você querer. Tem eleição a cada dois
anos nesse país. Você tem uma eleição para prefeitos agora em quase seis mil
municípios, e os partidos têm que se preocupar com isso. Você começa a se
preocupar com eleição um ano antes, não no dia da eleição. Então, isso não
impede que o movimento social não faça suas lutas específicas, suas lutas
políticas todo santo dia. A luta por habitação, a luta por salário, a luta por
terra, a luta por educação é cotidiana. E o partido político, quando chega a
época da eleição, se prepara.
Eu tenho defendido algumas coisas que… eu lamento que, às vezes, eu
falo daqui de dentro e não estou lá fora para ouvir os “nãos” ou os “sins” de
concordância.
Mas, veja, tem pessoas que falam o seguinte: “O PT não está fazendo o
que as pessoas achavam que deveria fazer”. Vou dizer uma coisa para vocês, com
toda a sinceridade e com toda a humildade. O PT é o mais importante partido
político de esquerda existente no mundo hoje. Não tem nenhum partido que tenha
a base do PT. Não julgue o PT por uma reunião do diretório do PT. Se você quer
conhecer o PT, vá para os cafundós do Judas desse país, no sertão, na Amazônia,
para saber o que é o verdadeiro PT.
O PT é muito grande, mas as pessoas vivem tentando dizer: “O PT não vai
ganhar, porque tem o antipetismo”. Veja, tem o antipetismo como tem o
“anti-flamenguismo”, o “anti-Vasco”, o “anti-Beija-Flor”, o “anti-Mangueira”, o
“anti-corinthiano”. Tem o cara que não gosta de nada.
É importante lembrar que o Brasil não tem cultura partidária. Não tem
partido nacional. O PT é o primeiro partido de cunho nacional, de envergadura,
grande. O Brasil tem muitos partidos locais: a tribo de São Paulo, do Paraná,
que não se conectam entre si. O PMDB não toma uma decisão que 27 estados
cumpram. Paraná cumpre se quiser, Pernambuco cumpre se quiser, São Paulo cumpre
se quiser. O PT não. Quando se toma uma decisão, baixa o centralismo. Tem que
cumprir para poder funcionar como partido político.
E tem gente que fala: “Ah, mas o anti-petismo”. Por isso, nós aprovamos
eleição em dois turnos. No primeiro turno, cada partido coloca sua cara, como
na busca de um título. Tem 20 times no Brasileirão. Só um vai chegar lá, mas
todo mundo está disputando. Então, no primeiro turno, cada um lança um
candidato. E, no segundo turno, você junta os iguais.
Então, eu defendo a tese de que o PT não pode perder o seu vínculo
originário. O PT foi criado a partir da classe trabalhadora brasileira e de sua
capacidade de luta. É importante lembrar que os sem-terra [Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fundado em 1984] foram criados quatro
anos depois do PT, quase que com o mesmo povo, quase que com a mesma parte da
igreja, da Teologia da Libertação, quase que com o mesmo apoio.
É importante [lembrar] que a CUT foi fundada em 1983 com o mesmo
perfil, o mesmo público, a mesma parte da igreja apoiando, a mesma parte do
movimento popular, os mesmos deputados. Era quase tudo oriundo do mesmo útero.
Nós insistimos e estamos aqui. Foi um dos maiores movimentos criados na América
Latina. O que nós precisamos? Conversar e estabelecer estratégias comuns entre
nós. Para a luta pela reforma agrária, para a luta por salário, para a luta
eleitoral. Tem espaço para tudo. Agora, se a gente não conversa, cada um fica
trancado no seu mundo, fica tudo mais difícil.
Se o PT achar que o mundo se resolve apenas pela concepção parlamentar,
não se resolve. Ou pela concepção de quem está administrando uma cidade ou um
estado, não se resolve. O PT não pode abdicar de ouvir a sua base.
Eu, quando era presidente do Sindicato [dos Metalúrgicos] em São
Bernardo do Campo, quando tinha qualquer dúvida, falava: “Eu vou adquirir
experiência na porta da fábrica, vou pegar oxigênio novo, vou respirar o que a
‘peãozada’ está respirando. É assim que o partido tem que sobreviver. Por isso
que eu briguei para a Gleisi [Hoffmann} continuasse presidenta do PT, porque
acho que ela está falando exatamente aquilo que o povo quer que fale. Aí, o
povo critica: “O PT precisa conversar com todo mundo”. Tem que conversar com
todo mundo, sim, e eu converso com todo mundo. Sempre conversei com todo mundo.
Eu, por exemplo, tenho divergências com companheiros sem-terra, e eles
têm divergências comigo, mas nós nunca deixamos de ser companheiros. Nas horas
cruciais, a gente está do mesmo lado, remando para a mesma praia. É assim que
deve ser. E tem que saber o seguinte: o PT não é um partido de vanguarda, é um
partido de massas. E um partido de massa ouve a sua gente.
Tem que ouvir o povo na periferia, nos locais de trabalho, nos
quilombos, tem que conversar com todo mundo, com católicos e evangélicos. E não
ter medo de ser um partido de massas, não ter medo de defender o seu legado.
Isso é muito importante.
Quando você quer dar o exemplo de uma política social bem sucedida no
mundo, todo economista fala [sobre] o New Deal, nos EUA, no governo [Theodore]
Roosevelt, nos anos 1930. E eu digo: “Por que fala do New Deal e não fala do
nosso governo?”. Você quer pegar exemplo de coisa bem sucedida na América
Latina? Tem a Venezuela, que teve coisas bem sucedidas; tem o companheiro Evo
Morales, que tem coisas muito bem sucedidas, é o presidente mais longevo da
história da Bolívia e o que mais fez políticas de distribuição de renda – a
Bolívia hoje é o país que mais cresce na América do Sul. E você tem o Brasil.
O que nós fizemos no Brasil não tem [nada] similar. É que, muitas
vezes, a gente não consegue juntar todas as peças do que nós fizemos. Não foi
[só] o Bolsa Família. É que nós criamos um conjunto de políticas públicas, que
somadas…
Eu lembro que, quando eu disputava as eleições, tinha um movimento
chamado Asa [Movimento Semiárido Brasileiro], que queria construir cisternas,
um milhão de cisternas. E era difícil, porque não tinha dinheiro, não tinha
estrutura. Quando a gente chega no governo, o que aconteceu? Nos nossos 13 anos
de governo, nós entregamos 1,4 milhão de cisternas.
Eu lembro do programa Luz Para Todos. Era caro, ninguém queria assumir,
e nós assumimos. Custou R$ 20 bilhões para levar energia para quase 15 milhões
de pessoas. Eu lembro do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. O que foi o
milagre do PAA para o pequeno produtor! Eu discuto com os companheiros o
seguinte: no governo do PT, nos 13 anos do PT, nós disponibilizamos para a
reforma agrária 51 milhões de hectares de terra. Isso é mais de 50% de tudo que
foi feito em 500 anos. Não fizemos tudo. Obviamente que não fizemos tudo. Houve
dificuldades. Houve tempos mais fáceis, mais difíceis, mas o dado concreto é
que vivemos um momento de muito progresso nessa área. Agora eles estão
destruindo.
Eu vi agora pelos jornais que, até a extraordinária feira que os
sem-terra faziam em São Paulo [Feira Nacional da Reforma Agrária], não deixaram
mais. Se fosse uma feira de cocô de cachorro irlandês, o governador [João
Doria] deixaria. Para vender os produtos produzidos pelos sem-terra, ele não
deixa. Então, nós precisamos recuperar o governo para isso também.
O que o senhor acha que o impediu de realizar a reforma
agrária como o seu governo planejava? Que tipo de forças impedem que o Brasil
faça sua reforma agrária, como tantos outros países que já resolveram essa
questão, inclusive no século 19? É um lobby do agronegócio, é a correlação de
forças no Congresso? O que impede que se faça isso?
Tem correlações de forças no Congresso que impedem você de fazer muitas
coisas. No Brasil, você tem que pagar terra que você desapropria e, às vezes, é
muito caro. Eu tive problemas sérios com desapropriações em Santa Catarina, no
Rio Grande do Sul, [que ocorreram] quase no final do meu governo.
Era muito caro desapropriar para atender poucas pessoas. Isso eu
discuti muito com os companheiros, porque as pessoas querem cada vez mais ficar
assentados em lugares em que as terras vão ficando cada vez mais caras.
Agora, a verdade é que nós fizemos muita coisa, muita coisa.
Certamente, deixamos de fazer muitas coisas, mas foram assentadas por volta de
570 mil famílias. Você pode ter discordância entre os números do governo e dos
sem-terra, da Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura], da CUT, mas esses são os dados oficiais com os quais eu
trabalhava.
E não apenas a questão da terra, [mas] a questão da possibilidade de
trabalhar a terra, as condições das pessoas trabalharem a terra, o acesso à
tecnologia, o acesso aos financiamentos, às compras. Porque uma coisa é você
produzir e não vender, outra é você produzir e ter mercado para vender. E nós
criamos muitas possibilidades.
Eu tenho consciência que nós não fizemos tudo que os companheiros
queriam, mas nós já fizemos mais do que qualquer outro governo fez na história
desse país. E mantenho a relação de lealdade e companheirismo com todo mundo,
porque eu acho que é o [MST] é o movimento mais sério que temos no Brasil, e eu
fico orgulhoso com a sua capacidade produtiva.
Ou seja, hoje, a gente fica sabendo da qualidade dos produtos, que os
sem-terra são os maiores produtores de determinados produtos orgânicos no
Brasil – e que o governo deveria se orgulhar disso, deveria comprar, criar
condições, o mundo deveria comprar. Então, eu fico orgulhoso disso e acho que o
aprendizado é o de que nós poderemos fazer mais e cada vez mais. Tanto para os
sem-terra quanto para os sem-teto, os quilombolas, [a população] LGBT.
Eu vou sair daqui muito mais aberto do que eu já fui, com muito maior
vontade de conversar, entendendo muita coisa que eu não entendia, com muito
mais serenidade. É assim que eu quero sair daqui, para ver se eu contribuo com
as pessoas.
O senhor analisa muito bem que o conceito de reforma
agrária não é só terra: é um pacote de políticas públicas que permitem que a
família e o trabalhador permaneçam na terra produzindo com condições, com
estrutura. E a gente não tem nenhum assentamento recente. Agora, as sinalizações
dadas pelo governo também aumentam em muito a violência no campo.
Para realizar a reforma agrária, a gente enfrenta estruturas muito
consolidadas de poder, que é o latifúndio, é o grande agricultor. Existe a
possibilidade de se realizar, a partir da experiência que já tivemos no governo
Lula – que avançou, mas ainda ficou aquém em relação ao proposto pelo Plano
Nacional de Reforma Agrária? Porque nas outras experiências da América Latina,
a reforma agrária ocorreu à base de muito enfrentamento e rupturas com o
agronegócio. É muito difícil enxergar isso hoje, mas já era difícil enxergar
nos governos Lula…
Um dos problemas nossos é dar terra e dar condições de produzir.
Porque, durante muito tempo, você invadia uma terra e não tinha financiamento,
não tinha como vender o seu produto. As pessoas ficavam em uma terra, passando
as mesmas necessidades.
Eu acho que os companheiros sem-terra têm noção de que nem eles
conseguiram fazer tudo que imaginavam que poderiam fazer depois de conquistar a
terra. Porque a vida é assim. Na vida, a gente vai conquistando e aprendendo
com o passar do tempo. Não é nem um demérito eu dizer que não sabia uma coisa
dez anos atrás e agora eu descubro que sei e quero fazer diferente. Então, acho
que houve uma evolução na compreensão de todo mundo sobre o que fazer.
Eu sempre tive uma preocupação e conversei muito com meus companheiros
sem-terra. O problema é o seguinte: tornar a terra produtiva para a gente
ganhar credibilidade na sociedade, porque, por enquanto, [estão] vendo a gente
como se fosse o demônio.
As pessoas tem memória curta, mas eu lembro. Eu lembro do [Ronaldo,
governador do Goiás pelo DEM] Caiado montado em um cavalo branco, de madrugada,
no Rio Grande do Sul, como se fosse um paladino juntando gente – inclusive ligada
aos sem-terra, – ligados aos pequenos proprietários, na luta contra a reforma
agrária. Quem não lembra disso, em 1989?
Então, foi [se] criando um clima de ódio contra os sem-terra, e eu
tinha em mente que a gente ia diminuir isso na medida em que fossemos mostrando
que é capaz de se produzir quando eles têm terra, assessoria técnica, quando
eles têm mercado para os seus produtos. Eu visitei muitas cooperativas dos
sem-terra, umas com problemas, outras que melhoraram. Acho que, na medida em
que eles têm recursos para fazer as coisas, vão fazendo com melhor qualidade.
Eu não sou favorável a esse antagonismo de que só pode existir
agricultura familiar se acabar com o latifundiário. Mas esse cidadão que tem
uma propriedade de terra produtiva, o cidadão que pensa nesse país, sabe que
quem produz alimento para o povo comer não é ele. O que ele produz é apenas
para exportação. Ou produz cana, ou produz soja, algodão, tudo para exportação.
Quem produz a galinha caipira que ele gosta de comer é o pequeno proprietário.
Nós temos no Brasil, só para você ter ideia, 4,2 milhões de
propriedades de até 50 hectares. Isso representa apenas 13% das propriedades.
Se você somar até 100 hectares, são 4,6 milhões, [o que] representa 20% da
terra. Vai sair um dado novo amanhã, deve ser publicado um dado novo sobre as
propriedades rurais – esse aqui é de 2017, o que estou trabalhando aqui.
Agora, imagine só: enquanto você tem quase 5 milhões de propriedades
ocupando 20% da área agricultável, você tem do outro lado 105 mil propriedades
que detêm 58% de toda a terra. Ou seja, você tem 2% de proprietários que
produzem três vezes mais terra do que 5 milhões de pessoas. Desses, você tem
gente que produz com seriedade, que leva em conta a questão ambiental, que paga
salário, e você tem esses bandidos que estão fazendo queimadas na Amazônia,
esses que querem matar índios, quilombolas, que querem matar sem-terra.
Há uma predominância de um discurso canalha neste momento no Brasil, e
não é possível que a gente não resista a isso em nome da verdade, em nome do
bom senso, em nome do país. O povo brasileiro é um povo, não diria pacífico,
mas é um povo alegre. O povo brasileiro não gosta de violência. Se puder
resolver as coisas numa boa, resolve. Não são os sem-terra que provocam
violência, não é a CUT que provoca violência, não é o quilombola que provoca
violência. Eles são vítimas de uma violência da forma mais descabida possível.
E a gente vinha vivendo em um clima de paz.
Vejam, vou contar um dado para vocês. No meu período de governo, foi o
momento que houve menos invasão de terras na cidade, em que houve menos invasão
de terras no campo, foi o momento em que houve menos greve no funcionalismo
público e na iniciativa privada. Foi o movimento em que houve mais
assentamentos, mais aumento de salário. Por quê? Porque a gente conversava, a
gente acertava as coisas, a gente discutia antes.
Eu tinha 10 ministros em uma mesa de negociação com o movimento
sindical. Eu era acusado de assembleísmo. Mas eu não tomo decisão quando eu
estou com 40 graus de febre: eu espero baixar para 36. Eu não tenho nenhum
problema em dormir a noite sem tomar uma decisão para pensar e refletir no dia
seguinte. Eu não gosto de tomar decisão sem conversar com algumas pessoas,
porque a gente sempre constrói na vida algumas referências. Aí eu vou ligar não
sei para quem, vou conversar com não-sei-quem e, sobretudo, conversar minha
consciência. Então, nós provamos que é possível construir uma harmonia na
sociedade brasileira.
Eu fiz 74 conferências nacionais para discutir todos os assuntos. Este
cidadão que vos fala foi a um encontro LGBT com mais de duas mil pessoas –
minha assessoria de segurança não queria que eu fosse, com medo de alguém me
beijar. Ora, eu era presidente da República, eu lá ia ter preocupação se alguém
ia me beijar? Eu queria mais era ser beijado mesmo! E essa gente existe, tem
que ser tratada com respeito.
Às vezes, eu fico preocupado. Quando as pessoas ficam perguntando “ah,
você é favorável ao aborto?”, a gente fica sem saber o que falar. Não pode dizer
“não”, porque vai desagradar os que querem “sim”. Não pode dizer “sim”, porque
vai desagradar os que querem “não”. O presidente da República não tem que ter
posição pessoal, mas uma posição de Estado.
Eu, Lula, fui casado com a dona Marisa [Letícia] por 43 anos, e a gente
era contra o aborto. Mas eu, Lula, cidadão brasileiro, tratei o aborto como uma
questão de saúde pública. As pessoas iam ser tratadas, respeitadas e curadas.
Porque, enquanto você fica criticando se um pobre pode fazer aborto, a madame
vai para Paris [capital da França] fazer aborto. Você não permitir que uma
mulher pobre fique cutucando o útero com uma agulha de tricô, que fique
colocando fuligem de fogão de lenha na vagina: você dá a ela um tratamento
adequado. É assim que o Estado tem que proceder, é isso que é um chefe de
Estado.
O ser humano pode reagir emocionalmente, mas o Estado não reage
emocionalmente. É isso que a gente tentou passar para a sociedade brasileira:
esse é o papel do Estado, cuidar das pessoas, dar carinho das pessoas. Por
isso, eu utilizava muito a ideia de “coração de mãe”. Se você quer aprender a
ser democrático, você tem que casar e ter filho, porque não tem nada mais
democrático do que estar sentado em uma mesa com cinco filhos brigando pelo
bife, brigando pelo arroz, um puxando o prato do outro, e você ter que
coordenar aquilo e sair da mesa sem ninguém esfaquear ninguém.
Você tem que fazer concessão toda hora. Você tem que fazer concessão
para sua mulher toda hora. Ela faz por você também, e aí você faz para os
filhos. Então, eu gosto tanto disso que eu vou casar outra vez, sabe? Para
poder continuar sendo democrático, para poder fazer concessão.
O senhor vai me perdoar se eu estiver insistindo,
presidente…
Eu acho que vocês estão estranhando, mas eu tenho razão de sobra de
estar com muito ódio. Todo o meu trabalho aqui dentro é tentar fazer análise
comigo mesmo, sozinho, para não deixar o ódio me consumir. Vou sair daqui mais
preparado, espero conseguir conversar com vocês quando sair daqui. Vocês irão perceber
que eu estou mais maduro, mais consciente. E não pense que estou velhinho, não.
Eu estou com muito mais vontade de brigar do que quando eu tinha 50 anos. Eu
estou muito mais maduro para brigar.
Então, quem achar que a idade vai me consumir, pode tirar o cavalo da
chuva. Nem a idade, nem o ódio: eu sou um cara tranquilo, e eu acho que o amor
sempre vence. Você tem que colocar o amor em primeiro lugar em tudo o que faz.
A gente sabe que criar expectativas pode ser uma grande
armadilha. Mas o tema mais quente hoje, com certeza, lá fora, é o STF [decisão
sobre prisão em segunda instância]. Como o senhor se sente? Acha que essa é a
sua última entrevista [aqui dentro]?
Deixa eu te falar uma coisa: eu até proíbo meus advogados de
conversarem comigo sobre isso. Eu não gosto de trabalhar com expectativas,
sobretudo quando estou trancado. Porque, se você fica gerando expectativa, você
fica frustrado, não sobrevive. Eu não deixo me consumir por expectativa.
Eu sei porque estou aqui, eu tenho noção. Os canalhas que me colocaram
aqui dentro sabem que eu sou mais inocente do que eles. Eu tenho noção de que a
família Marinho [dona do grupo Globo] sabe que todos eles juntos não são tão
honestos quanto eu.
Se isso é uma provação pela qual eu tenho que passar, eu passarei com
muita tranquilidade. Então, eu não me deixo consumir por expectativas. Não
deixo, porque eu sei o que vem pela frente e não vou ter sossego. Eu vou ter
que viajar por esse país, vou ter que me esgoelar, vou ter que visitar
sem-terra, vou ter que visitar quilombolas, desempregados, catadores de
caranguejo, vou ter que visitar LGBT, vou ter que visitar porta de fábrica,
porta de comércio. Eu vou ter que fazer muita reunião com os empresários –
porque eu acho que os empresários estão acovardados.
As pessoas não saberem a importância da Petrobrás para o
desenvolvimento desse país, as pessoas não entenderem que os bancos públicos
são importantes para o desenvolvimento desse país é realmente covardia pura.
Então, saibam que eu vou brigar muito. Você não sabe quanta vontade eu tenho de
brigar.
O senhor está falando da sua vontade de brigar, mas a
gente sabe que esse discurso de ódio, por toda a situação de crise econômica e
social no nosso país, tem aumentado muito. Todo mundo conhece alguém que está
com depressão, que está desanimado. A sociedade está adoecendo, em termos de
saúde mental. Ao mesmo tempo, a gente vê que o senhor está preso, sozinho,
lidando com a sua solidão. A gente sabe que o senhor teve perdas familiares
nesse período, mas se mantém saudável, [anda] 10 km por dia, está bem de saúde.
Qual a fórmula?
Olha, eu estou bem de saúde, faz um ano e meio que eu não faço meus
exames de naquelas máquinas que você é fotografado por dentro. Eu não quero
saber porque eu tenho a expectativa de sair e fazer meus exames. Mas eu tenho
feito exames de sangue e eu estou perfeitamente bem, em todos os quesitos. Até
a minha glicemia, que às vezes quando eu estava lá fora era 120, 110, 115, aqui
estou com 97, 98, 95, está legal. O colesterol está bom, as vitaminas estão
boas. O que eu sinto? Veja, eu sou um cidadão que nunca foi curtido pelo ódio.
Se alguém quiser brigar comigo, pode brigar sozinho, eu não quero brigar. Eu
brigo por coisa séria, e meu ódio é aquele ódio de segundos. Eu posso ficar com
ódio por uma pessoa, mas eu esqueço isso.
Eu acho que a sociedade brasileira está sendo curtida por um mercado de
mentiras como jamais ela viveu na vida, causado, obviamente, pela facilidade
que se tem [de acessar informações], do avanço tecnológico, da internet, das
redes sociais. Antigamente, o cara, para te xingar, tinha que te xingar
pessoalmente – com medo de tomar um murro, te xingava para outro. Agora, um
canalha entra no quarto dele e fala mal de você, da tua mãe, do teu pai, fala
da mãe dele, fala do pai dele. Fala qualquer bobagem sem nenhum critério. É o
que a gente está vendo. Como pode um presidente da República querer governar
pelo Twitter? Como que pode eu levantar de manhã e tweetar, sem nenhuma
responsabilidade de prestar contas daquilo que eu falo?
O presidente é tem alguma coisa pra falar? Manda chamar a imprensa e
comunica oficialmente ao país: “Eu estou fazendo tal coisa”. Então, os avanços
tecnológicos estão fazendo com que o ser humano perca o controle. Ele está
sendo controlado. Pelo que eu vejo, é uma certa doença. Esse [fotógrafo
oficial, Ricardo] Stuckert, que trabalhou comigo muito tempo, eu brigava muito
com ele, porque o avião nem desligava o motor e ele pegava três celulares e
ficava rodando para saber das coisas. Eu perguntava: “Por que você quer saber
tanta notícia, você só tem que saber o que você vai usar, rapaz. Por que você
precisa de tanta informação, se você não vai utilizar? A cabeça nossa tem um
limite, então saiba apenas o que você vai utilizar, o que você vai trabalhar”.
Eu acho que hoje o mundo está louco, as pessoas não sabem mais viver
sem [celular]. As pessoas vão no banheiro com o celular. A coisa mais habitual
que você tem é ir em um restaurante com um grupo de pessoas, chegar lá e todo
mundo pegar o celular. Aí o cara está conversando com o Canadá e você está na
mesa com ele e você não vale nada. No diretório do PT, eu fico vendo na reunião
da CUT, os dirigentes estão falando e o pessoal está [mexendo no celular]. Ou
seja, você está sempre fora do ambiente em que você está presente. Isso é bom
ou é ruim? Tem um lado que é bom: você hoje tem muito mais informação,
facilidades. Mas tem muito mais acesso a bobagens, tem acesso à coisa que não
presta.
Minha mãe dizia uma coisa: a mentira anda a cavalo e a verdade anda
engatinhando. Você nunca vê um cara pegar o celular e mostrar uma coisa boa. É
sempre uma sacanagem – vale pra homem e vale pra mulher. Estou aqui chutando,
mas eu acho que é assim mesmo [risos]. Eu me preparei para não ficar escravo
disso.
Então, eu acho que isso tem estimulado o ódio na sociedade. A
quantidade de mentiras contadas é uma enormidade que a gente não tem controle.
Era preciso que, em algum momento, houvesse uma regulação. Sem criar censura,
mas que se fizesse uma regulação para ter um limite das bobagens que se fala.
Eu não sei como é possível fazer isso, mas o que estou notando e, pelo que
tenho lido, é que nós estamos virando uma sociedade de menos humanos e mais
algoritmos. Ou seja, nós estamos virando um número. Então, as pessoas orientam
e decidem o que a gente vai votar.
Eu li um livro, esses dias, sobre a eleição do Trump nos Estados
Unidos, e é um medo que se repetiu aqui no Brasil. Ninguém explica alguém ter
dois milhões de votos para deputado se não for uma mentira deslavada de fake
news, martelando a cabeça das pessoas durante 24 horas por dia durante não sei
quantos dias. Então, eu quero sair daqui com o propósito de tentar mostrar para
a sociedade brasileira que ser bom e generoso é muito menos sofrível do que ser
ruim e não ser generoso.
Falar com o coração é melhor do que falar pela irracionalidade do nosso
cérebro, às vezes. É preciso colocar sempre uma dosagem de amor naquilo que a
gente fala e quer. Não basta querer falar em amor na frente da câmera da
televisão: você tem que falar em seu cotidiano. Falar “bom dia” para as
pessoas. As pessoas, hoje, entram no elevador, pegam um táxi ou chegam no local
de trabalho e não falam. Nós estamos virando uma sociedade de desumanos. Você
entra em um lugar e não conversa com ninguém, fica no celular conversando com
não-sei-quem. Não nota que tem gente perto de você.
Eu não estou fazendo críticas aos outros: começo a fazer críticas a
mim. Quando eu estava em casa com meus filhos, a gente não conversava porque
ficavam os netos cada um com seu tablet desenhando, os filhos cada um com
celular jogando, e você ficava lá vendo eles brincar e você sozinho, sem ter
com quem conversar porque eles estavam em outro mundo.
É possível conviver com isso sendo humano? Nós temos que fazer um
sacrifício, porque, para mim, nada suplanta um aperto de mão, um olhar entre os
seres humanos. É assim que a gente se conhece, não é pelo WhatsApp. É pelo
aperto de mão.
Ao mesmo tempo, a gente tem exemplos de amor na
sociedade. Tem as fortalezas quais se agarrar. A gente queria aproveitar e
falar sobre o papel das pessoas que estão aí fora há tanto tempo fazendo uma
demonstração não só de insurgência, mas também de admiração a você. O que isso
impacta?
Eu ouço esses companheiros e companheiras todos esses dias que estou
aqui. Todo santo dia. O “bom dia, Lula”. O “boa tarde, Lula”,o “boa noite,
Lula”, as músicas… de vez em quando, vem um corneteiro. Eu, sinceramente, não
tenho palavras. Acho que não existem palavras para agradecer esse gesto. Não
sei se já houve na história da humanidade algum preso que teve essa distinção
carinhosa das pessoas. Eu, se pudesse, pegava todos eles e fazia um chaveirinho
de pendurar e andar com todos eles pendurados no meu corpo, porque eu não sei
como vou me desfazer deles. E eu nem conheço eles! Então, quando eu sair daqui,
o que eu quero fazer é o seguinte: é dar um longo abraço e um longo beijo em
cada um deles. Pegar o endereço da residência, o telefone celular, porque eles
passaram a ser uma parte da minha vida.
Não é normal os seres humanos terem a grandeza que essa gente teve. Eu
já até falei para a Gleisi [Hoffmann] falar com eles para voltarem para a casa
deles. Eu acho que é muito sacrifício para eles. Mas eles não querem nem ouvir
falar nisso. Eu, sinceramente, não sei o que vou fazer com eles, porque é só
gratidão que eu tenho por eles. De vez em quando, eu recebo um docezinho, um
bolo. Eles estão me tratando com um dengo que eu nunca tive. Então, eu sou
muito grato, inclusive à sociedade brasileira, pela solidariedade que eu tenho
recebido do mundo inteiro. Ainda ontem(22), eu recebi uma carta de vários
juristas do mundo inteiro que mandaram carta para o Supremo Tribunal Federal,
de primeiros-ministros, ex-primeiros-ministros, sindicalistas…
Eu sou muito grato às pessoas que estão se manifestando no Brasil em
solidariedade. E a única coisa que eu posso oferecer para eles é minha
inocência. É a única coisa. Quem tem o carinho que eu tenho dessas pessoas não
pode se curvar. Não posso aceitar “meia liberdade”. Eu quero dizer, em alto e bom
som: se tem alguém culpado nessa história é o seu Moro, seu Dallagnol, os
procuradores da força-tarefa, os delegados que fizeram o inquérito e o
desembargador do TRF-4.
Eles precisam aprender que eles não julgaram um cidadão que não tem
história. Eu sei porque eles me julgaram, me condenaram e mentiram. E é em nome
de desvendar para a sociedade essas mentiras que eu estou aqui, com muito amor
para dar, com muito carinho e com muita vontade de lutar. Por isso é que, às
vezes, eu pareço duro. Às vezes, meus advogados até ficam preocupados, porque
comigo não tem meia conversa. Em se tratando de honestidade, não existe uma
pessoa meia honesta: ela é honesta ou não é.
Não existe meio caráter: você tem ou não tem. Eu digo para todo mundo
que você não encontra caráter em bar, shopping ou comércio. Ou seja, caráter e
dignidade você não compra, você tem. Você adquire como uma coisa sanguínea, e
eu isso tenho, graças a Deus. Dona Lindú [mãe], muito obrigado por ter me dado
o caráter que a senhora me deu. E Seu Aristides [pai], que eu tinha
divergência, mas foi ele que engravidou minha mãe e que produziu essa coisa
bonita que vocês estão vendo aqui.
É assim o meu mundo, querida.
Neste domingo (27), essas pessoas que estão
multiplicadas em todo o país estão preparando uma grande festa de aniversário
em vários pontos do território nacional. O senhor já está sabendo que vai ter
bolo?
Eu estou sabendo. Vou até falar para o diretor aqui, o doutor Luciano,
que ele poderia vir aqui na hora do aniversário, eu sair daqui com ele e ir lá,
soprar as velinhas. São 74 velinhas, e eu não vou ter fôlego para assoprar
tudo. Aí eu vou lá, vejo o aniversário, como um pedaço de bolo e volto para cá,
não tem nenhum problema.
Não sei se vai ser possível. Mas, qual é o problema? Aqui não trabalham
amanhã (24), sexta-feira e segunda. Na sexta-feira, vai ter uma dedetização e,
na segunda, é feriado, ponto facultativo…. acho que deram o feriado para
algumas pessoas aqui. Então, eu não tenho nem como receber o bolo. Vão ter que
guardar o bolo para eu comer um pedacinho na terça-feira.
E vai ouvir o “Parabéns”
Vou ouvir bem.
Eu estou triste por estar aqui, mas feliz por ter tantos amigos do lado
de fora, tanta gente solidária. E a única coisa que eu gostaria era que as
pessoas não deixassem destruir o país. Não há presidente que seja eleito para
destruir o país.
A descoberta do pré-sal é a única coisa que pode dar a esse país a
certeza que a nossa juventude vai ter um futuro, se você utilizar parte desse
dinheiro para poder educar o nosso povo, para investir. Não pode deixar
destruir isso. Não existe possibilidade de o país cuidar da economia se não
tiver bancos públicos para poder incentivar e induzir o desenvolvimento.
O Estado não é um empresário, o Estado é apenas o indutor. Ele discute
onde é melhor investir em função das necessidades do país, não em função das
necessidades apenas do empresário. Do jeito que nós estamos fazendo, o Estado
não vai ter papel nenhum. Lamentavelmente, estão destruindo o pouco de
cidadania que nós conseguimos dar ao nosso país.
Acho que o Brasil viveu no meu período de governo o maior momento de
protagonista que esse país já teve, em que o passaporte brasileiro era motivo
de orgulho, o Brasil era chamado para os eventos, o Brasil dizia “sim” e “não”
com a mesma altivez. O Brasil teve coragem de dizer que era contra a Guerra do
Iraque, com o [George W.] Bush, na frente do Bush. O Brasil teve coragem de
dizer que ia conversar com o [Mahmoud] Ahmadinejad no Irã para o [Barack]
Obama.
O Brasil teve coragem de dizer que ia criar o Conselho de Segurança da
Unasul, sem nenhuma preocupação. Hoje, o Brasil está subordinado. Graças a
Deus, nós estamos com expectativa de que [Alberto] Fernandez ganhe na
Argentina. Será o meu presente de aniversário. Do Daniel [Martínez] ganhar no
Uruguai, e do Evo Morales ganhar, não sei se vai ter segundo turno, se não vai
ter, mas eu acho que a direita está tão raivosa na Bolívia quanto esteve no
Brasil. A direita está fazendo com o Evo o que o Aécio [Neves] fez com a Dilma,
vendendo ódio. E quem vende ódio, não colhe brisa, não. Vai colher tempestade –
o Aécio Neves que o diga.
Eu estou feliz porque o povo está começando a perceber as coisas, e eu
quero sair daqui para ajudar. Eu acho que é um prejuízo para o Brasil eu estar
aqui dentro, e ter tanto canalha solto lá fora, governando esse país. É assim
que eu penso. Mas isso que eu estou falando pra vocês, eu não falarei lá fora.
Lá fora, ninguém será canalha. Todo mundo será cidadão brasileiro, eminência,
excelência. Tudo de acordo com os manuais de boa prática.
A gente tem uma última pergunta, na certeza de que suas
palavras também inspiram todas as pessoas que estão lá fora e também
organizando o seu aniversário no domingo. O que inspira o senhor? Um livro, um
filme, uma música…
Quando eu vim para cá, algumas pessoas me aconselharam a escrever um
diário. Eu sinceramente não achei vantajoso escrever, eu sozinho, vivendo
sozinho todo dia, todo dia, ia escrever o quê? “Hoje, eu fui no banheiro,
acordei cedo”.
Eu li o diário do [Nelson] Mandela na cadeia. Eu li a biografia de
muita gente, do Getúlio [Vargas], do [Carlos] Marighella, do Padre Cícero de
Juazeiro, do [Mahatma] Gandhi, do [Franklin Delano] Roosevelt. Acabei de ler a
“Biografia a duas vozes”, do Fidel Castro.
Uma coisa que me interessa muito é ler sobre a escravidão. Estou
aprendendo porque o Brasil é do jeito que é, porque ainda existe preconceito.
Eu sempre gostei muito de música e estou ouvindo bastante, recebo um pen drive
com músicas.
Eu gosto muito de samba, eu ouço Chico [Buarque], ouço Caetano
[Veloso], o [Gilberto] Gil, ouço muitas músicas daquelas, como chama, cânticos
gregorianos. Às vezes, eu durmo com cantos gregorianos. Eu recebo muita coisa.
E muito debate também.
Eu peço a alguns companheiros que gravem análises de conjuntura para
mim, então às vezes o João Paulo [Rodrigues, da direção nacional do MST] grava
uma análise de conjuntura, às vezes o [José Genoino] me grava, a [Marilena]
Chauí me grava, o [Luiz] Dulce me grava, a Gleisi [Hoffmann] me grava, o Jessé
[de Souza], o Eduardo Moreira, o Aloizio Mercadante. Eu vou pedindo às pessoas,
que vão gravando.
Como não tem o que fazer, ou sento para ler, ou eu sento e fico vendo
as pessoas falarem, fico discutindo sozinho com as pessoas, discordando das
pessoas. Às vezes, eu fico “puto” como as pessoas falam bobagens a meu
respeito. E eu não estou lá para dizer: “Não é assim, rapaz”.
Assim eu vou vivendo. Eu vou dormir por volta de meia-noite, uma hora
da manhã. Eu acordo todo dia às seis e meia da manhã, faço meu café, faço um
café de qualidade. Acho que não tem ninguém que faça um café melhor do que eu.
Quero que vocês saibam que essa história de eu falar que vou casar é
verdade. Na verdade, eu encontrei uma meia cara que está me ajudando a vencer
essa barreira aqui. Então, eu não vou deixar a solidão tomar conta de mim, não
vou deixar o ódio tomar conta de mim, não vou desanimar, não vou ficar
deprimido. Eu não conheço a palavra depressão. Se eu já tive, eu não sei.
Como eu fui corinthiano e fiquei 23 anos sem ganhar um título, perdendo
para o Santos quinze anos consecutivos, vendo Pelé humilhando o Corinthians –
eu ia ao estádio, chegava lá e dava 3 a 0, 4 a 0 – então eu acho que não vou
ter depressão.
Eu tenho certeza, posso dizer pra vocês comunicarem o pessoal lá fora
que eu vou sair mais maduro, mais preciso naquilo que eu quero fazer, vou sair
mais lutador do que eu fui.
Estou bem fisicamente. Obviamente que eu sei que a natureza é
implacável, mas como eu me decidi que vou viver até os 120 anos, que a
“Caetana” não venha bater na minha porta, que não tem espaço para ela entrar
[referência ao livro “A Moça Caetana – A Morte Sertaneja”, de Ariano
Suassuna”]. Eu tenho muita coisa pra fazer ainda.
Então, eu estou assim, nesse momento da minha vida. Obviamente, eu fico
sonhando em sair daqui, decidir onde eu vou morar. Quando eu deixei a
Presidência, tinha vontade de morar no Nordeste, vontade de voltar para o meu
Pernambuco, vontade de morar não perto da praia, mas num lugar em que eu
pudesse ir à praia. Pensava em ir para Bahia, Rio Grande do Norte, mas a Marisa
não quis ir porque ela nasceu em São Bernardo [do Campo], e o mundo dela era
São Bernardo. Eu não tenho mais o que fazer em São Bernardo.
Eu, quando sair daqui, eu quero… Não sei pra onde ir, mas eu quero me
mudar pra outro lugar. Eu quero viver. Eu espero que o PT me utilize, espero
que a CUT me utilize, espero que os sem-terra me utilizem, espero que os LGBT
me utilizem, espero que os quilombolas me utilizem, espero que as mulheres me
utilizem, espero que todo mundo me utilize para fazer com que eu tenha
utilidade nessa minha passagem pelo planeta Terra.
Então, é isso. Vou sair daqui tranquilo. Não vou dizer que cumpri minha
missão, mas vou sair daqui tranquilo, como cidadão consciente do seu papel na
história.
Sou muito agradecido às manifestações dos artistas. Eu tenho visto pelo
pen drive shows no mundo inteiro. Aliás, eu acho que o PT e os movimentos
sociais deveriam fazer da questão cultural uma das bandeiras mais importantes.
A gente não pode deixar que esses caras destruam a cultura. A cultura não tem
propriedade do Estado. A cultura é uma prioridade da sociedade, ela que se
aproveite da cultura e a criatividade que o nosso povo tem nesse país. Não
podemos abdicar disso.
É isso que vocês vão levar daqui. Quero que vocês digam pra todo mundo
que eu estou bem, estou muito disposto a brigar. Eu tenho certeza de que o Moro
não dorme com a consciência tranquila como eu durmo. Eu tenho consciência de
que o Dallagnol está precisando tomar remédio para dormir, talvez tarja preta,
porque ele sabe que é mentiroso, ele sabe que foi canalha no meu processo.
Então, eu estou aqui, para a raiva deles. Porque acho que eles ficam com mais
raiva quando eles percebem que eu estou bem. Então, muito obrigado. Quero que vocês
transmitam um abraço a todo mundo. Quando eu sair daqui, espero que a gente
faça uma boa entrevista – e um churrasco.
Um abraço para todo mundo.
Até um livro que eu li, que me impressionou muito, chamado “Um defeito
de cor”, de uma moça chamada Ana Maria Gonçalves. Eu li “Escravidão”, do
Laurentino Gomes, muito bom. Eu tenho lido muito…. Como se chama? Do nosso guru
lá, que eu li, da escravidão, daquele companheiro que viajava para lá e para
cá, “O alufá Rufino” [livro escrito por Flávio dos Santos Gomes, João José Reis
e Marcus J. M. de Carvalho]. É muito bom.
Então, esse é um tema que me apaixonou, porque eu nunca consegui
entender, não sei se vocês lembram, quando eu era presidente, a gente tentou,
foi aprovada uma lei, o Fernando Haddad [então ministro da Educação] deve se
lembrar disso, para ensinar a história africana no Brasil, que era umas formas
que eu achava que a gente iria vencer o preconceito nesse país. Não sei se
aconteceu, não sei se não aconteceu. Pelo que eu estou vendo, até universidade
afro-brasileira está sendo destruída lá em Redenção [no Ceará]. Eu acho que
eles estão desmontando isso. Mas eu estou aprendendo muito. As pessoas são
muito generosas, as pessoas mandam muitos livros, muito material importante.
Esses dias, recebi uma cartinha bonita daquela menina que está em
Oxford, que ela participou da equipe daquele médico que ganhou um prêmio Nobel
de Medicina; uma menina do Rio Grande do Norte que está com ele, é brasileira.
Ela mandou uma cartinha bonita. Eu recebo muita coisa bonita, muita gente
generosa.
Eu não sei se vou ter força para abraçar todo mundo quando eu sair
daqui. Se a minha bursite não voltar…
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