25/06/2019 - 12:08 / Atualizado em 25/06/2019
- 13:20, O Globo Facebook https://oglobo.globo.com/brasil/morre-aos-105-anos-elzita-santa-cruz-apos-45-anos-de-busca-por-noticias-do-filho-desaparecido-na-ditadura-23762157?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo
'Sua maior luta terminou inconclusa', diz
neto. Estudante Fernando Santa Cruz foi preso por órgãos de repressão em 1974 e
nunca mais foi visto
Rio — Elzita Santa Cruz Oliveira
morreu, na madrugada desta terça-feira, aos 105 anos,
sem uma resposta definitiva para uma pergunta que fazia há 45: "Onde está
meu filho?". Desde 1974, quando o então estudante de Direito da UFF Fernando
Santa Cruz foi preso por órgãos de repressão da ditadura militar, ela buscava
notícias em cartas a ministros, apelos a generais e súplicas a presidentes.
"É justo, é humano, é cristão que
um órgão de segurança encarcere, depois de sequestrar, um jovem que trabalhava
e estudava, sem que à sua família seja dada qualquer informação sobre o seu
paradeiro e as acusações que lhe são imputadas? Que direi ao meu neto quando
jovem for e quando me indagar que fim levou o seu pai, se ele não tiver a
felicidade de ver seu regresso? Direi que foi executado sem julgamento? Sem
defesa? Às escondidas, por crime que não cometeu?", escreveu ela
em carta
ao marechal Juarez Távora, em maio de 1974.
A espera por Fernando fez a mãe
resistir a qualquer mudança: a casa e o número de telefone permaneceram os
mesmos quatro décadas depois do desaparecimento. Também manteve o quarto do
filho. Ela ainda aguardava um contato. Numa iniciativa de manter
viva a sua luta, a família lançou, em 1984, o livro "Onde está meu
filho?", que relata a busca de Elzita por informações sobre Fernando.
A dor e a saudade se misturaram ao
alívio quando a família recebeu a primeira
confirmação oficial da prisão de Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, após 40 anos, em março de
2014. "20 de fevereiro de 1948. Casado. Citado por militantes presos como
membro da Ação Popular Marxista-Leninista (APML)", dizia o ofício RPB
655/A2-Comcos do Ministério da Aeronáutica, classificado como secreto. Ele
tinha 26 anos.
Fernando, que havia se mudado para São
Paulo, onde trabalhou no Departamento de Água e Energia Elétrica do estado até
a véspera da prisão, estava no Rio para festejar o aniversário do irmão
Marcelo. Devido ao novo endereço, ele pleiteava uma transferência da UFF para a
USP. Após rever a família, Fernando saiu às 16h para encontrar o amigo Eduardo
Collier e marcou de ir ao cinema às 18h com sua mulher, Ana Lúcia Valença. Não
apareceu. Era sábado de carnaval, e nunca mais se soube de Fernando e Eduardo.
Filhos de Elzita, Marcelo Santa Cruz
teve cassado o direito de estudar no Brasil e Rosalina (irmã mais velha) ficou
um ano presa, sofreu um aborto provocado pela violência, por choques elétricos.
Mas Marcelo classificou o caso de Fernando como o "mais perverso".
— Esse crime é permanente, não
prescreve, não acaba nunca — destacou ele ao Globo, em 2014.
'Sua luta terminou inconclusa'
O neto Felipe Santa Cruz, filho de
Fernando, e hoje presidente da OAB Nacional, disse ao Globo em 2014 que via a
avó como um símbolo de coragem.
— Ela teve o cuidado de não deixar
esquecer que o desaparecimento dele é uma questão política. Ela não se
restringiu ao sofrimento, à dor interna, mas transformou Fernando em alguém
importante para a história de um período do país. Ele não era guerrilheiro, não
vivia clandestinamente. Minha avó mostrou que ele poderia ser o filho de
qualquer mãe.
Nesta terça-feira, pelo Twitter,
Felipe destacou que a família se despedia "de sua matriarca, uma mulher
forte e que tão pequena parecia gigantesca". Ressaltou que a avó "foi
em vida a concreta manifestação da força da mulher nordestina".
"Ela não me perdoaria se eu
deixasse de dizer que sua maior luta terminou inconclusa: não recuperou o corpo
de seu amado filho, coitadas das almas dos que lhe negaram esse sagrado
direito", destacou o advogado.
Em nota, o governador de Pernambuco,
Paulo Câmara (PSB), prestou solidariedade à família e aos amigos de quem
classificou como "mulher guerreira".
"Dona Elzita foi incansável na
busca por direitos humanos e justiça para seu filho Fernando e para outras
vítimas da ditadura. A sua dedicação a essas causas seguirá nos
inspirando", disse o governador.
Segundo a imprensa local, Dona Elzita
será velada nesta terça-feira, na Câmara Municipal de Olinda, e cremada no dia
seguinte, em Paulista, na Região Metropolitana de Recife.
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