Glenn Greenwald, o jornalista que está
desmascarando a Lava Jato, tem um veredito, depois de examinar o enorme volume
de conversas e mensagens de Sérgio Moro e da equipe da Lava Jato: "É
incrível porque, para mim, o tempo todo, a grande mídia não estava reportando
sobre a Lava Jato, ela estava trabalhando para a Lava Jato"; ele avisa que
as próximas reportagens revelarão as conexões espúrias entre a Lava Jato e a
mídia conservadora
-- O
jornalista Glenn Greenwald, de posse de um enorme volume de conversas e
mensagens de Sérgio Moro e da equipe da Lava Jato, que começaram a ser
divulgadas na "Vaza Jato" no último domingo tem um veredito claro
sobre a mídia conservadora do país: "É incrível porque, para mim, o tempo
todo, a grande mídia não estava reportando sobre a Lava Jato, ela estava
trabalhando para a Lava Jato". Ele avisa que "nós vamos
reportar", ou seja, a série de reportagens que será publicada revelará as
conexões espúrias entre a Lava Jato e a mídia conservadora.
As
declarações de Greenwald estão em entrevista ao jornalista Thiago
Domenici, da Agência
Pública, que você pode ler a seguir:
“Se você
não quer esses riscos, você não deve fazer jornalismo”,
afirma Glenn Greenwald
sobre a série do The Intercept Brasil que revelou no último domingo trocas de
mensagens nada republicanas entre o então juiz federal Sérgio Moro e a
força-tarefa da Lava Jato.
As
revelações, frutos de documentos enviados por uma fonte anônima, podem ter
influenciado os rumos das últimas eleições no país e seu conteúdo dinamitou uma
série de reações em todas as esferas de poder e da opinião pública.
Na
entrevista à Pública, Greenwald fala sobre as reações dos envolvidos e trata da
cobertura da imprensa sobre a Lava Jato antes e depois das reportagens do The
Intercept Brasil. “Quando a grande mídia transforma Moro e a Força Tarefa em
deuses ou super heróis, se torna inevitável o que aconteceu. Os jornalistas
pararam de investigar e questionar a Lava Jato e simplesmente ficaram
aplaudindo, apoiando e ajudando”, avalia.
Segundo
ele, há exceções como a Folha de S. Paulo e jornalistas independentes. E
pondera: “preciso falar que depois de publicar o que publicamos, acho que com
uma exceção, que é a Globo, a grande mídia está reportando o material de forma
mais ou menos justa, com a gravidade que merece”.
Durante o
processo de recebimento do material da fonte anônima e da própria produção das
reportagens quais foram os momentos mais complicados na tomada de decisão jornalística?
Como foi esse processo para vocês?
Para mim
foi muito parecido com a reportagem que fizemos com o caso Snowden. Quando você
recebe um arquivo gigante, é muito difícil, num primeiro momento, entender o
que você tem e o contexto dos documentos que estão nesse arquivo. Segundo,
quais os principais documentos que você vai usar, porque, obviamente, estamos
lendo conversas privadas entre pessoas, e tem a questão do direito à
privacidade mas, por outro lado, essas pessoas estão usando o poder público, então
também precisam de transparência — exatamente o que eles fizeram quando
interceptaram e divulgaram as conversas privadas do Lula.
Como você avalia a
repercussão a partir da própria imprensa brasileira? Hoje, por exemplo, você
disse que “a estratégia da Globo é a mesma que os governos usam contra aqueles
que revelam seus crimes” e que “a Globo é sócia, agente e aliada de Moro e Lava
Jato”.
É
incrível porque, para mim, o tempo todo, a grande mídia não estava reportando
sobre a Lava Jato, ela estava trabalhando para a Lava Jato. Com uma exceção que
é a Folha de S. Paulo. A Folha, para mim, manteve uma distância, uma
independência, estava criticando, questionando… Mas a Globo, Estadão, Veja, o
tempo todo estavam simplesmente recebendo vazamentos, publicando o que a Força
Tarefa queria que eles publicassem. Mas, na realidade, preciso falar que depois
de publicar o que publicamos, acho que com uma exceção, que é a Globo, a grande
mídia está reportando o material de forma mais ou menos justa, com a gravidade
que merece.
Por
exemplo, o editorial de hoje [dia 11] do Estadão — que era um dos
maiores fãs do Moro — falando que ele deve renunciar e Deltan ser afastado.
Isso mostra a gravidade das revelações.
A única
exceção é a Globo mas essa é uma exceção enorme por causa do poder do Jornal
Nacional que está quase tratando a história somente como um crime — e o único
crime que interessa é o da nossa fonte, que eles acham que ela cometeu. Eles
não têm quase nenhum interesse nas gravações e no comportamento do Moro, do
Deltan. Eles estão falando sobre o comportamento da fonte e, na realidade, eles
não sabem nada. Mas é interessante por que isso é comportamento de governo.
Como assim?
Quando
você denuncia ações de corruptos ou trata de problemas sobre o governo, ele
sempre tenta distrair falando somente sobre quem revelou essa corrupção, quem
divulgou esses crimes para criminalizar pessoas, jornalistas ou fontes que
revelaram o material. Essa estratégia, não dos jornalistas, é o que a Globo
está usando. Porque a Globo e a força-tarefa da Lava Jato são parceiras. E os
documentos mostram isso, né? Não é só eu que estou falando isso por causa da
Globo. Os documentos mostram como Moro e Deltan estão trabalhando juntos com a
Globo e nós vamos reportar, então eu sei disso já e a reportagem está
mostrando. Mas o resto da grande mídia está tratando a história com a gravidade
que merece. É impossível para todo mundo que está lendo esse material defender
o que Moro fez. Impossível!
Se eu entendi, Glenn, você
está me dizendo que os documentos que vocês ainda estão trabalhando vão apontar
uma relação mais próxima da Globo nesse processo com Dallagnol e Moro, é isso?
Eu não
posso falar muito sobre os documentos que ainda não publicamos porque isso não
é responsável. Precisa passar pelo processo editorial mas, sim, posso falar que
exatamente como disse hoje, a Globo foi para a Força Tarefa da Lava Jato
aliada, amiga, parceira, sócia. Assim como a Força Tarefa da Lava Jato foi o
mesmo para a Globo.
Muita gente está querendo
saber qual vai ser o próximo passo do The Intercept Brasil, as próximas
reportagens. Queria que você esclarecesse o que é fundamental para essa
apuração estar pronta jornalisticamente, para que vocês soltem novas
revelações.
Não somos
o Wikileaks. Não estamos simplesmente publicando material que nós temos, sem
contexto ou reportando sem entender, sem analisar, sem pesquisar. Estamos
fazendo jornalismo. E esses documentos são complexos. Entendo que todo mundo
queira ver o que nós temos porque esse material tem interesse público e eles [o
público] têm o direito de ver. Mas, por outro lado, nós temos a
responsabilidade jornalística para usar o tempo que precisarmos para confirmar
que tudo que nós estamos reportando é verdade. Por que se nós cometermos um
erro, eles vão usar isso contra a gente para sempre, para atacar nossa
credibilidade, da reportagem, de tudo. Por exemplo, todo mundo está falando:
“onde estão os áudios?”. É muito complicado reportar áudios. Precisa confirmar
quem está falando, precisa confirmar o contexto sobre o que estão falando.
Precisa conectar isso com outros materiais, outros documentos e isso leva
tempo. Nós vamos publicar logo, mas nós não vamos correr. Nossa prioridade é
confirmar que tudo que estamos reportando está informando o público e não
enganando o público, como eles fizeram.
Na sua avaliação, até pelo
fato de você também ser advogado, se um escândalo como esse, que envolve um
ministro da Justiça, fosse nos Estados Unidos, por exemplo, você acha que o
ministro conseguiria se manter no cargo? E, pessoalmente, você acha que o Moro
deveria renunciar ao Ministério da Justiça?
Eu tenho
um amigo, dos meus melhores amigos da vida desde os 11 anos, agora um advogado
na Flórida, que depois de ler nosso material, disse: “Se um juiz fizesse o que
Moro fez, sem dúvida, esse juiz seria retirado, provavelmente não seria
promovido porque é uma infração muito grave, colaborando com um lado e fingindo
ser neutro”. Ele me disse ainda que todas as decisões desse juiz ficariam sob
dúvida e que é impensável que o juiz pudesse manter qualquer cargo público,
muito menos ser ministro da Justiça. Porque agora todos nós sabemos, porque nós
lemos exatamente o que ele fez, o que ele disse, que ele vai quebrar qualquer
regra de ética que ele quiser para realizar os objetivos dele.
Advogados brasileiros — que não são muito políticos — ficaram chocados e ofendidos quando olharam o material e eu também — porque o juiz tem muito poder, e com esse poder vêm muitas responsabilidades, muitas regras éticas. É um poder enorme para condenar alguém e botar alguém na prisão. E o Moro não quebrou uma regra uma vez, mas o tempo todo ele estava mostrando que ele não se importa nem um pouco com essas regras. Ele achou que era totalmente acima da lei e das regras, e é impossível ter alguém como juiz ou como Ministro da Justiça com essa mentalidade.
Como você avaliou a reação
do Moro? Por exemplo, o primeiro pronunciamento escrito foi tuitar sua própria
nota oficial via site do Antagonista. O que isso significa?
Primeiro,
ele está usando o Antagonista para muitas coisas, o tempo todo. Ele está sempre
citando o Antagonista, vazando para o Antagonista, todo mundo sabe disso…
O fato de
ele usar o Antagonista mostra, para mim, que agora ele sabe que é o único apoio
que vai ter — a identidade dele não é mais de juiz apartidário, agora Moro sabe
que é uma figura da direita extremista.
E ele vai
continuar assim porque todo mundo sabe que Moro não é uma pessoa contra a
corrupção mas uma pessoa que faz corrupção quando quiser. E usar o Antagonista
mostra que a única preocupação é o que a direita está pensando sobre os
comportamentos dele.
E a reação dele, o que
achou?
Foi
totalmente arrogante, ele está quase falando: “Está me incomodando ter que
responder isso”. E achei muito interessante a arrogância porque é exatamente:
“Eu sou Sérgio Moro, eu não devo ser questionado, muito menos acusado”. É
justamente essa arrogância que causou esse comportamento antiético: porque ele
acha que está acima de tudo.
O vazamento do The
Intercept Brasil demonstrou mais uma vez a importância de informações vazadas
para jornalistas. O caso de pedido da extradição de Julian Assange foi pouco
tratado na imprensa brasileira [Assange está com pedido de extradição para os
Estados Unidos com 17 acusações como de espionagem e conluio para obter
informações secretas]. Isso pode abrir precedente, com implicações até mesmo
fora dos EUA?
Com
certeza. Esse é o perigo principal que estão mostrando outros países que tentam
criminalizar o jornalismo falando que, se você publica documentos secretos, que
é o papel do jornalista, você pode ser processado criminalmente como parte
dessa teoria de que está conspirando com a sua fonte. Antes desses episódios,
sempre os jornalistas tiveram o direito de publicar qualquer material que eles
recebessem, independentemente de como a fonte conseguiu obter os documentos. E
esses casos, essas apreensões, são perigosas exatamente porque eliminam essa
separação entre jornalista e fonte.
Você acha que a imprensa
brasileira cobriu mal a Lava Jato durante esses mais de 5 anos? Queria que você
me dissesse se sim ou se não e se você acha que foi falta de capacidade de
investigação ou opção política?
Não. Acho
que tiveram boa intenção. Corrupção é muito comum aqui no Brasil na direita,
esquerda e no centro. Todo mundo chegou no limite e não aguentava mais. Eu
entendo o apoio a Lava Jato ao ver políticos poderosos e bandidos finalmente na
prisão, é natural. Eu também elogiei a Lava Jato, às vezes, por causa disso.
Mas, exatamente como acontece com todos os humanos, qualquer grupo de pessoas
que têm poder, como a Lava Jato, também tem a capacidade de abusar desse poder.
E quando a grande mídia transforma Moro e a Força Tarefa em deuses ou super
heróis, se torna inevitável o que aconteceu. Os jornalistas pararam de
investigar e questionar a Lava Jato e simplesmente ficaram aplaudindo, apoiando
e ajudando.
Como eu
disse, com exceção da Folha, que ficou sempre um pouco mais distante e mais
independente e, obviamente, muitos jornalistas independentes. Estou falando
sobre a grande mídia.
Eu vi que o Antagonista
publicou que “uma denúncia anônima foi protocolada junto ao Ministério Público
Federal contra o The Intercept”. E a gente está vendo desde a publicação da
reportagem inúmeros ataques a você, ao seu companheiro David Miranda [deputado
federal pelo PSOL], ataques homofóbicos, gente pedindo a sua deportação. Enfim,
questões que te atingem pessoalmente. Você, sua família e também a equipe do
The Intercept Brasil têm uma estratégia de defesa legal e digital? Como vocês
estão pensando a questão da segurança daqui para frente?
Sim. Eu e
meu marido estivemos juntos no caso do Snowden e nós lutamos contra os governos
mais poderosos do mundo e a CIA, NSA Reino Unido… Estávamos sendo ameaçados o
tempo todo. Então, nós já conhecemos essas questões muito bem. Eu moro aqui no
Brasil há 14 anos, então conheço o Brasil muito bem. Eu sei como funciona.
Nós
ficamos muitas semanas planejando como proteger a nos e a nossa fonte contra os
riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a
nossa reputação. Nós estamos prontos. Mas não existe nenhuma vida sem riscos.
Não se pode eliminar riscos, pode-se tomar medidas para minimizar. Então, a
equipe do The Intercept Brasil, que não tem a proteção como alguém com a minha
visibilidade, que é casado com um deputado federal… Eles são jovens, 25, 30
anos, e são muito corajosos fazendo esse trabalho destemido. Sim, é muito
perigoso, obviamente, e sou alvo dessa campanha para me expulsar do país,
chamando-me de inimigo do Brasil, ameaça a segurança nacional e que devo ser
preso.
Mas nós
sabíamos que tudo isso iria acontecer, mas o que podíamos fazer? Têm
jornalistas cobrindo guerras. Têm jornalistas sem visibilidade investigando
corrupção contra pessoas muito perigosas.
Se você
não quer esses riscos, você não deve fazer jornalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário