25/06/2019
4:11, Jornal GGN https://jornalggn.com.br (Brasil) https://jornalggn.com.br/justica/xadrez-dos-4-ms-moro-midia-milicias-e-ministros-do-stf-por-luis-nassif/
Por
Luis Nassif
De algoz inclemente, Moro caminha
para ser o bode expiatório do sistema. Será usado pela mídia para purgar seus
pecados, de apoio à desestruturação do país.
Nosso Xadrez ganhou uma complexidade à altura do caos que se instalou no
país.
Há quatro personagens diretamente envolvidos com a Lava Jato e,
seguramente, fazendo parte do dossiê Intercept: a Lava Jato, o Supremo Tribunal
Federal (STF), Mídia e Milícias (entendido aí, o grupo diretamente ligado à
eleição de Bolsonaro).
Todos eles tiveram papel central na era da ignomínia da democracia
brasileira, uma mancha na história de cada um, com exceção obviamente das
milícias, as vitoriosas.
Em outros tempos, a revisão histórica se daria após o fim do período de
exceção, com justiça de transição, obras desnudando os personagens. E, em
geral, cobrindo de vergonha apenas os descendentes dos principais personagens.
No entanto, na era da Internet e das redes sociais, o tempo político
acelera-se enormemente. A trágica resultante do jogo – a ascensão de Jair
Bolsonaro, ameaçando jogar o país na era das trevas – acelerou enormemente o
revisionismo. Jornalistas, celebridades, alguns veículos que foram peça central
na desmoralização da democracia, trabalham, hoje em dia, em um aggiornamento
a jato, menos de dois anos após delatarem adversários, estimularem o ódio,
defenderem as ações de exceção da
Lava Jato.
Especialmente porque emergiu dessa zona um Brasil do baixo clero, com a
opinião se fazendo ao largo da mídia, das análises técnicas e da Bastilha dos
poderes constitucionais. Abriram a jaula, liberaram os bárbaros. A recuperação
da influência dependerá, portanto, da retomada da legitimidade perdida.
Por outro lado, a recuperação dos princípios democráticos poderia trazer
Lula de volta à arena política. Como se equilibrar nesse dilema, entre a cruz e
a caldeirinha? Especialmente porque o dossiê do Intercept, se divulgado na
integra, revelará:
·
Pecados específicos da operação.
·
Acertos com jornalistas e veículos.
·
Conversas mencionando acertos nas instâncias superiores, podendo chegar
até o STF.
É nessa arena que se dará os próximos embates entre os quatro Ms.
Vamos conferir como deverão se comportar, a partir da estratégia
elaborada por Glenn Greenwald, da Intercept.
Protagonista 1 – Glenn Greenwald e o Intercept
Glenn se tornou um jornalista premiado internacionalmente não apenas por
ser receptador de dossiês explosivos, mas, principalmente, por sua capacidade
de viabilizar sua divulgação. No caso Snowden, houve a parceria com The
Guardian e outros grandes veículos internacionais, conseguindo contornar até a
enorme influência da CIA e do governo norte-americano.
Agora, monta uma tacada de mestre, com a parceria com a Folha de S.
Paulo. Com a aliança, blinda-se contra eventuais tentativas de Sérgio Moro, de
criminalizar a cobertura, ganha um alto-falante potente, junto a uma bolha
extra-Internet.
Definiu claramente o alvo – Sérgio Moro e a Lava Jato -, enfrentou
valentemente os grandões, inclusive a Globo, quando tentou criminalizar sua
conduta, e os bolsominions que o ameaçaram.
Há informações de que apenas 2% do dossiê Snowden foi divulgado, devido
a alianças políticas de Greenwald. Não se condene. Fez o que era possível para
viabilizar a divulgação de parte dos documentos, que se tornou um clássico do
jornalismo contemporâneo. Mas pode explicar eventuais desdobramentos na
divulgação do dossiê Intercept, como se analisará a seguir.
Protagonista 2 – mídia
A eleição
de Bolsonaro consagrou definitivamente o novo ator das comunicações, as redes
sociais, os “influenciadores”, com sua comunicação horizontal, os fake news e o
trabalho absolutamente profissional de apoio a Bolsonaro. A única maneira da
mídia mainstream recuperar o espaço é retomando os valores imemoriais do
jornalismo.
Mas como
apagar tantos anos de infâmia, o uso abusivo de fakenews até perder o
controle sobre o produto?
Este ano,
tem havido um esforço ingente para recuperação da legitimidade. Jornalistas que
se lambuzaram até o pescoço atendendo à sede de ódio do período anterior, a
legitimação das ilegalidades, a delação dos inimigos, de repente se tornam
campeões do lado certo, na grande batalha civilização x selvageria. Sejam bem
vindos.
Ao mesmo
tempo, na classe média mais moderna, dos jovens de boa cabeça, há um movimento
irresistível de adesão às críticas contra Moro, Dallagnoll e operação. Ora, se
investir contra o poder constituído engrossou a campanha do impeachment, hoje
em dia o poder constituído atende pelo nome de Sérgio Moro, e Lava Jato.
É um
movimento que conquistou programas de humor, na própria Globo, corações e
mentes da parte mais saudável dos jovens jornalistas – ainda que contidos pelas
amarras da redação. E, especialmente, a classe média mais informada, blindada
contra os fakenews das redes sociais.
Está em
formação a tentativa de criar um pensamento progressista, tipo classe média
intelectualizada, em substituição à esquerda tradicional.
Por outro
lado, a divulgação de diálogos de procuradores com jornalistas poderá
explicitar o óbvio, o fato de a mídia ter endossado todos os arbítrios da Lava
Jato.
Nesse
sentido, é interessante analisar o comportamento da Globo.
Começou
pretendendo criar um Russiagate, para desmoralizar as denúncias. Recebeu
reações à altura de Greenwald, valendo-se das redes sociais. Depois, se
acalmou, a ponto de produzir uma matéria longa e isenta sobre o tema no último
Fantástico, depois de anunciado a parceria Intercept-Folha.
O que a
fez mudar de opinião? A constatação de que, indo contra o dossiê, comprometeria
ainda mais sua imagem? A garantia de que apenas parte do dossiê seria revelado?
Lembrem-se
das contas do HSBC. Quando o jornalista Fernando Rodrigues se viu com os dados
na mão, incluindo contas de donos de empresas jornalísticas, amarelou e pediu
ajuda à Globo. O jornal alocou bons repórteres, que levantaram alguns casos,
para dar alguma satisfação ao distinto público, mas esconderam o restante do
material. Até hoje é mantido nas sombras.
Greenwald
informou estar fechando aliança com outros veículos. Ainda é cedo para avaliar
a profundidade da cobertura do dossiê. Qualquer que seja o nível de concessão,
já prestou um serviço inestimável à democracia brasileira.
Protagonista 3 – os milicianos
Jair
Bolsonaro está se esbaldando com a agonia de Sérgio Moro. É só comparar sua
desenvoltura, depois que se iniciou a descida de Moro aos infernos, com a
postura anterior. O aclamado herói nacional, agora, come na sua mão, endossa
todos seus esbirros e, a cada dia que passa, reduz seu próprio potencial
eleitoral – embora ainda seja bastante popular.
Por outro
lado, as tentativas da mídia de limpar as marcas do passado recente, o aumento
da grita pela libertação de Lula, fortalecem Bolsonaro junto às suas milícias.
A cada
dia que passa, seu governo mais se isola, mais nítidos ficam os sinais de
descontrole sobre a economia e o isolamento do país no cenário global. Salva-se
apenas pelo antilulismo.
Mas isso
é tema para outro xadrez.
Protagonista 4 – os Ministros do Supremo
Hoje
confirmou-se a regra suprema, que explicitei em artigo recente (aqui).
Todo movimento do Supremo é ensaiado. A banda legalista vota, mas sempre com a
garantia de que será minoritária na votação.
Mesmo
assim, hoje em dia, o pouco que o dossiê Intercept revelou até agora escancara
os desmandos da operação. Seguramente há material muito mais explosivo a
caminho, explicitando de forma indelével o caráter político da operação.
Por outro
lado, a maioria do Supremo continua firmemente alinhada à tese do sistema, de
uma reconstituição da democracia, mas sem Lula. Qual o óbolo a ser pago?
Provavelmente o pescoço de Sérgio Moro, depois de garantido que sua condenação
não viabilizará politicamente Lula.
Protagonista 5 – Moro
Encerrou
sua carreira de Ministro. No cargo, sua reputação será destruída dia a dia por
três fenômenos:
1.
O vazamento continuado do dossiê
Intercept.
2.
A blindagem ao no. 1 Flávio Bolsonaro e
do lugar-tenente Queiroz. Ligado a isso, a impossibilidade de resolver o
episódio da morte de Marielle.
3.
Sua total incapacidade de articular qualquer
política pública consistente.
Ficando
no cargo, gastará toda sua reserva de imagem e se arriscará a ser abandonado
por seus seguidores, do MBL às alianças empresariais. Principalmente porque
estará permanentemente subordinado a Jair Bolsonaro.
No momento,
ainda goza de popularidade, ainda que descendente. Sua visita aos principais
departamentos de segurança dos Estados Unidos mostra o desespero e a
necessidade de buscar apoio dos padrinhos, uma pista qualquer que possa
desmoralizar o dossiê Intercept.
Conclusão
O sistema
– entendido como o conjunto de forças que influi nas decisões de poder – já
rifou Sérgio Moro.
Confira-se
o inexpressivo senador David Alcolumbre, alçado à presidência do Senado por uma
articulação de anti-PMDB e partidos bolsonarianos, afirmando que, fosse
político, Moro estaria sem cargo e preso. Usou Moro de escada para levantar sua
reputação. Na Câmara, a cada dia que passa Rodrigo Maia atua mais e mais como
freio às pirações de Bolsonaro. A própria Câmara, valendo-se das revelações do
Intercept, ressuscitou a lei anti-abuso das autoridades, uma lei que, ao pé da
letra, poderá comprometer até a parte saudável da atuação do Ministério Público
Federal.
Ou seja,
as duas casas legislativas recuperam seu protagonismo. Enquanto isto, as Forças
Armadas dão um sinal forte de impedir a contaminação de sua imagem por
Bolsonaro, recusando a promoção de um dos militares da ativa que foi servir o
governo.
De algoz
inclemente, Moro caminha para ser o bode expiatório do sistema. Será usado pela
mídia para purgar seus pecados, de apoio à desestruturação do país. Pelo
Congresso, como forma de recuperar seu protagonismo. Pelo Supremo, para
mostrar-se defensor das leis e do direito, desde criancinha. Será mantido em
formol por Bolsonaro, para mostrar-se solidário com os soldados caídos no campo
de batalha.
Daí,
começará uma segunda revisão desses tempos bicudos, demonstrando que Moro,
Dallagnol, Janot e companheiros eram apenas instrumentos, pessoas sem dimensão
intelectual e social, provincianos deslumbrados, brinquedos de um poder maior,
daqueles que se usa e se joga fora.
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