As alterações às leis laborais que, às ordens da troika, o governo do PSD/CDS propõe pretendem embaratecer o valor do trabalho e colocar direitinho no bolso dos patrões dinheiro sugado aos trabalhadores.
28 março 2012/Esquerda.net http://www.esquerda.net (Portugal)
Mariana Aiveca*
A imposição de horários de trabalho que tornam ainda mais difícil a conciliação da vida profissional com a vida social e familiar;
Diminuição do valor das compensações por despedimento, tornando-os mais fáceis e mais baratos;
Alterações dos mecanismos para despedir no que diz respeito à extinção do posto de trabalho deixando os patrões de mãos livres para definir quem querem despedir;
Alteração do conceito jurídico da inadaptação subvertendo os requisitos objetivos da justa causa de despedimento, em claro contra ciclo com a constituição da República, e deixando total arbitrariedade e discricionariedade por parte dos patrões na rotura dos contratos de trabalho;
O embaratecimento do valor do trabalho através da diminuição do valor do trabalho extraordinário;
O corte nos dias de férias, a diminuição dos feriados mantendo o mesmo salário, o que significa trabalhar mais para receber o mesmo salário, sem ter tempo para viver;
Anular ou suspender uma significativa parte das convenções coletivas de trabalho para em sua substituição impor a lei do mais forte.
É este o enunciado das alterações às leis laborais que às ordens da troika o governo do PSD/CDS, num claro ajuste de contas com o mundo do trabalho, nos vem aqui hoje propor à discussão.
Com a hipocrisia de quem quer fazer passar os trabalhadores por tolos, e que é em nome da sua proteção e da criação de emprego, vem o Governo dizer que se tem que trabalhar mais duas horas por dia, até ao limite de 50 horas por semana;
Se têm que criar bancos de horas negociadas individualmente, como se alguém acreditasse que perante o patrão que detém todo o poder algum ou alguma precária tem condições para lhe fazer frente;
Quando se trabalham dez horas por dia se pode apenas fazer uma pausa após seis horas de trabalho consecutivo;
Se acaba com o pagamento do trabalho em dia de descanso compensatório, ou seja, ao sábado ou equivalente nas empresas de laboração continua;
Se reduz para metade o trabalho suplementar em dia útil ou seja passa de 50% na primeira hora de trabalho extraordinário para 25%, e de 75% para 37,5% na segunda hora.
Proteger os trabalhadores com estas medidas? Criação de emprego com tais propostas? Não! Fica mais do que claro que o que se pretende é tornar a vida das pessoas num inferno, porque não sabem nunca quando podem acompanhar os seus filhos e a sua família.
O que se pretende é embaratecer o valor do trabalho e colocar direitinho no bolso dos patrões dinheiro sugado aos trabalhadores.
Com a propaganda da produtividade e da competitividade reduzem-se feriados esquecendo o seu significado. Como pode o governo da República eliminar precisamente a comemoração da República?
As alterações ao regime das férias retomam as velhas práticas dos tempos da ditadura em que o supremo interesse da empresa se sobrepunha a todos os outros.
Também no regime de lay-off tudo o que se propõe é inaceitável. Numa altura em que se sucedem encerramentos em que vale tudo, contactos por SMS, como bem estamos recordamos na Groundforce em Faro, por telefone ou simplesmente utilizando o efeito “surpresa” com cartazes colocados em cima de portões trancados.
No que diz respeito aos despedimentos basta ler a exposição de motivos da proposta de Lei para concluir que, como dizíamos na altura da assinatura do acordo que lhe deu origem, “É um verdadeiro bodo aos patrões”.
Fica claro quem ganhou a partida da implosão da salvaguarda da parte mais fraca numa relação de trabalho, velha aspiração da direita, está agora a salvo pela mão do Governo da troika.
Despedimentos “à lá carte”, é o que passará a existir no despedimento por extinção do posto de trabalho. O patrão tem toda a liberdade para definir os critérios de quem quer atingir. Vem lá tudo à cabeça e na exposição de motivos.
Eliminada é também a obrigação da colocação do trabalhador num posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional.
E se todos estes pontos merecem da parte do Bloco de Esquerda o mais vivo repúdio, porque representam o retrocesso no edifício legislativo laboral, a gravidade extrema atinge-se com a subjetividade do despedimento por inadaptação, o qual subverte assim a justa causa no despedimento.
Permite-se deste modo a total arbitrariedade e discricionariedade por parte dos patrões na rotura dos contratos de trabalho. Estas alterações conjugadas vêm alterar um conjunto de critérios de seleção objetivos, e claramente hierarquizados na atual legislação, quer no que diz respeito ao despedimento por extinção do posto de trabalho, quer ao despedimento por inadaptação, onde se institui um novo conceito de inadaptação porquanto se baseia em situações em que não tenham sido introduzidas modificações no posto de trabalho e na “verificação de indícios de redução continuada da produtividade ou de qualidade, em avarias repetidas”.
O despedimento por inadaptação poderá ainda ser efetivado por incumprimento de objetivos. Mas quem define os objetivos? Apenas um pequeno exemplo: Se a um vendedor de livros for definido o objetivo de vender 500 livros num curto período de tempo e não conseguir cumprir, é despedido por inadaptação.
Imaginemos a mesma regra aplicada a banqueiros, gestores públicos ou governantes. Inapto seria certamente a classificação para quem sucessivamente falha nas previsões do défice publico ou no aumento da taxa de desemprego. Inapto seria o ministro da economia quando nos anunciou o princípio do fim da crise.
E, se durante anos, os vários Governos foram limitando esta conquista democrática e constitucional da noção de justa causa de despedimento, ora alargando os seus motivos, ora dificultando a reintegração dos trabalhadores nas empresas depois de ser provada a ilicitude do despedimento, esta proposta de Lei do Governo vai ainda mais longe e desvirtua por completo o que está definido na Constituição.
A transferência de recursos dos trabalhadores para o Capital, num contexto de forte crise social, é este, e unicamente este, o propósito desta proposta de lei.
E é exatamente no sentido de responder a esta subversão da noção de justa causa do despedimento que o Bloco de Esquerda considera ser necessário consolidar as razões “mais do que suficientes” que hoje existem, e que são alegadas pelos patrões para despedir. Impedimos, assim, novas formulações que não vão ao encontro do que está constitucionalmente definido.
Por isso, apresentamos hoje um projeto de lei que vai exatamente no sentido oposto às propostas do governo, impedindo a selvajaria com que hoje milhares de trabalhadores são confrontados. O exemplo recente da Makro dá-nos conta disso mesmo. Selvajaria! Imagine-se só que esta empresa notificou todos os seus 1500 trabalhadores com uma desonesta proposta de despedimentos por mútuo acordo. São todos, querem despedir todos. Para quê se a empresa não vai encerrar? Está á vista de todos que o que se pretende é substitui-los por outros, com menos direitos.
Mas os trabalhadores não são descartáveis.
Nesta altura de crise económica e social e de elevadíssimo desemprego, proteger o emprego é uma emergência.
Passos Coelho e Paulo Portas conhecem bem os números do desemprego e da precariedade. Um milhão, duzentos e quarenta e quatro mil pessoas desesperam sem trabalho e mais de um milhão vive no fio da navalha da precariedade, adiando sonhos e concretizações de vida estável.
Não bastam as lágrimas de crocodilo derramadas no Congresso do PSD de que o desemprego “é uma chaga”. Passos Coelho sabe que as suas políticas de austeridade destroem a economia e o emprego, mas o combate ao desemprego não é a sua prioridade e não tem nenhum pejo em aumentar a crise social provocada pela sangria dos despedimentos.
Propomos ainda que durante o período de aplicação do Programa de Assistência Económica e Financeira (2010-2013), as empresas que apresentem lucros não devem poder despedir os seus trabalhadores.
Esta é uma medida de simples justiça social, que impede as empresas que não estão em dificuldades de despedirem trabalhadores apenas para manterem os lucros da empresa.
Reafirmamos daqui que não aceitamos que em nome do combate à crise da dívida, e de um suposto aumento de competitividade que assenta na lógica dos salários baixos que tem condenado a nossa economia, o Governo ajuste contas com o mundo do trabalho. A transferência de recursos dos trabalhadores para o capital, num contexto de forte crise social, é um caminho que nos conduz á desgraça.
A proteção do emprego e a luta conta contra o desemprego são prioridades que o Bloco de Esquerda não abdica e que pelas quais se bate em nome de cada trabalhador e cada trabalhadora, em nome de cada desempregado e cada desempregada.
Declaração no debate sobre as alterações ao Código do Trabalho na Assembleia da República a 28 de Março de 2012
*Mariana Aiveca -- Deputada, dirigente do Bloco de Esquerda, funcionária pública.
Nenhum comentário:
Postar um comentário