quinta-feira, 1 de março de 2012

Brasil/MANDATO OU REFÚGIO?


29 fevereiro 2012/Vermelho http://www.vermelho.org.br (Brasil) 

Jaime Sautchuk *

Numa atitude raríssima, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu semana passada processo contra um político no exercício de mandato, quando este tem foro privilegiado. O senador João Ribeiro (PR/TO) será julgado por crime de uso de trabalho escravo. Não político, portanto.

A decisão reanimou o debate sobre o uso do mandato em cargos dos Três Poderes, para escapar de crimes comuns, muitas vezes cometidos fora do mandato. Lembremos que o ex-presidente Lula, bem antes de ser eleito para o Palácio do Planalto, disse que na Câmara dos Deputados “tem pelo menos uns 300 picaretas”.

É certo que a situação já melhorou. Até recentemente, para abrir um processo contra algum parlamentar, o STF precisava de autorização do Congresso, que nunca era dada. O espírito de corpo, ou a cumplicidade, protegia os possíveis réus. O tal do rabo preso sempre teve mais valor que a dignidade.

É certo que a origem desta distorção legal teve boa intenção. Saindo de uma ditadura militar em que o mandato parlamentar não tinha o menor valor, a Constituinte de 1988 carregou nas tintas e acabou criando proteção demais. Muito bandido se refugia por detrás do foro privilegiado.

No caso do senador João Ribeiro, que tem vários outros delitos no seu prontuário, seu crime, no caso do STF, é o da exploração de trabalho escravo em uma fazenda que ele tem no Mato Grosso, perto de onde mora, em Tocantins. Só que a denúncia original é de oito anos atrás. 

O caso foi denunciado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Mato Grosso, confirmada por auditores do Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Estado deu início ao processo. Isso, lá atrás, em 2004. Nesse intervalo, ele findou um mandato e foi eleito para outro, sem ser apanhado nesse período em que estava sem a proteção.

Mas, aí, tem outro aspecto da questão, que é a eficácia e seriedade do Judiciário. Muito juiz e colegas seus de escalas superiores são mancomunados com essa bandidagem. Disso advém o engavetamento de processos e a morosidade na tramitação por “falhas processuais”, criadas para este fim.

A promiscuidade e a roubalheira promovida nos governos de FHC*, envolvendo funcionários do governo, juízes, banqueiros, doleiros, contrabandistas, traficantes e até governadores, segue em brancas nuvens. Poucas penas aplicadas para punir alguns dos envolvidos, de escalões menores, foram abrandadas pelo Judiciário.

O exuberante livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., recém-lançado, mostra como se dá esse processo. Ele foca seu meticuloso levantamento no período de 1994 a 2002, em que ocorreu a queima do patrimônio público no escandaloso processo de privatizações ocorrido.

O personagem central daquelas negociatas, com profícua lavagem de dinheiro em paraísos fiscais, foi José Serra, agora pré-candidato a prefeito de São Paulo, pelo PSDB**. Há provas de que, na pior das hipóteses, FHC, chefe maior de todos eles, sabia de tudo o que se passava nos seus governos.

A maior parte da grande mídia brasileira ignora solenemente o que se passou naquele período. E, agora que o tema vem à tona com força, faz rodeios para tratar do assunto. Domingo passado, por exemplo, a Folha de S.Paulo publicou caderno especial sobre o foro privilegiado e a morosidade da Justiça.

No entanto, o farto material ignora o PSDB paulista. Para não deixar o partido isento, já que havia citado quase todos os demais, o jornal cita dois casos de gente do PSDB. Mas são relacionados a dois governadores tucanos, de estados bem distantes das plagas paulistas. Um deles é Marconi Perillo, de Goiás, que tem um processo por supostas irregularidades em campanhas eleitorais. Caso de pequena dimensão.

De todo jeito, desde logo pode-se tirar um aspecto positivo da tardia abertura de processo contra o senador tocantinense. É justamente a retomada do debate sobre o foro privilegiado. O interessante é que, pelo menos da boca para fora, há unanimidade quanto aos exageros da lei.

Dos ministros dos tribunais superiores aos parlamentares e governantes, em todas as instâncias, todos concordam em que o foro privilegiado deve permanecer apenas para crimes políticos. Em delitos comuns os autores devem passar a ser tratados como cidadãos comuns.

A permanência da salvaguarda para crimes políticos tem fortes argumentos em seu favor. O principal deles é o de que um rival político pode muito bem denunciar uma autoridade e um juiz qualquer acolher, julgar e punir injustamente um parlamentar ou até mesmo o presidente da República.

Vale notar que desvio de dinheiro público, por exemplo, não é crime político, apesar de ser fruto de um cargo político. Mas há no Congresso, entre deputados e senadores, acusados e processados por peculato, grilagem de terras, roubo e até assassinatos. E o que os protege é o mandato.

Novas mudança nesse aspecto da legislação pode vir antes de uma ampla reforma do Judiciário, tão esperada. A dedicação exclusiva dos magistrados é um dos aspectos. Afinal, boa parte dos togados, em todos os níveis, mantém outras atividades, com negócios dos mais diversos. Um exemplo corriqueiro: um juiz que é professor terá isenção para julgar uma causa contra a escola em que leciona?

No momento, contudo, devemos aproveitar a deixa para rever o instituto do foro privilegiado. O mais rapidamente possível.

* Trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.

*FHC: Abreviatura de Fernando Henrique Cardoso, o presidente direitista que privatizou as mais importantes empresas estatais do Brasil. O seu governo, que deixou milhões de brasileiros na miséria, se tornou o simbolo de entreguismo e corrupção. (CPLP & Mercosul)

**PSDB: Partido direitista conhecido por suas posições antinacionais, política antipopular e envolvimento em atos de corrupção. (CPLP & Mercosul)

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