por Juan Torres López*
1 abril 2011/Resistir.info http://www.resistir.info
Em outros artigos referentes ao caso espanhol salientei que quando se fala de "resgatar" um país se verifica um grande engano que é imprescindível por a nu.
Passa-se o mesmo com Portugal, agora quando as autoridades europeias e os chamados "mercados", na realidade os grandes grupos financeiros e empresariais, insistem em que o governo português solicite que o seu país seja "resgatado".
Geralmente, quando se fala de "resgatar" um país parte-se de uma situação real e grave que costuma manifestar-se num grande endividamento que dificulta ou impede enfrentar os compromissos de pagamento adquiridos. Contudo, quando isto ocorre produz-se um engano muito bem orquestrado em relação às razões, aos problemas, às soluções e aos efeitos da operação que se deseja efectuar.
O primeiro engano costuma dar-se quanto à natureza dos problemas que sofre o país ao qual se diz que é preciso "resgatar". Agora, como nos recentes casos grego ou irlandês, afirma-se que Portugal tem um grave endividamento público decorrente do crescimento excessivo dos seus gastos que o obriga a recorrer a um empréstimo vultoso para com ele liquidar as suas dívidas. Não é de todo certo, assinalarei a seguir.
O segundo engano decorre da anterior. Para que o "resgate" seja útil afirma-se que deve ir acompanhado de medidas que resolvam o problema que originou a situação que se quer resolver e que, portanto, devem consistir principalmente em cortar despesas. Em consequência, os que concedem o empréstimo para "resgatar" o país, neste caso Portugal, impõem políticas consistentes em cortar qualquer tipo de despesa pública e especialmente a que está vinculada a actividades que dizem poder ser efectuadas mais eficazmente pelo sector privado, ou seja, com os serviços públicos (mais outro engano porque não é certo que o faça melhor e contudo é inevitável que o capital privado o faça mais caro e para menos população), ou o que se considera improdutivo, como por exemplo o salários dos funcionários.
Ao mesmo tempo engana-se também quando se afirma que o resultado do resgate será o maior incremento da actividade e da criação de emprego e que, portanto, graças a ele as águas da economia voltarão ao seu leito anterior e inclusive a um nível muito mais satisfatório de rendimento económico.
Desde que na década de oitenta começaram a verificar-se "resgates" em economias da América Latina pudemos ver como acabam este tipo de operações (com menos actividade, emprego e desigualdade e com mais pobreza) e analisando a situação dos países que foram ou vão ser "resgatados" podemos comprovar sem demasiada dificuldade a natureza desta fraude.
Os problemas económicos de Portugal não são exactamente o resultado de ter havido muita despesa pública [NT] , de endividamento público. É verdade que o défice aumentou muito nos últimos anos mas isso verificou-se em consequência da crise que os bancos provocaram e de se haver imposto uma resposta à mesma baseada no salvamento à custa de um preço extraordinariamente alto. De facto, o governo português, seguindo diretrizes e exemplos europeus e a pressão dos próprios poderes financeiros, chegou a nacionalizar bancos em operações que lhe custaram muito caro.
Mas nem sequer é isso o que provoca os problemas mais agudos da economia portuguesa. O seu problema mais grave não é o endividamento público e sim o externo e este tem-se verificando nos últimos anos não precisamente porque tenha havido desperdício público e sim como consequência das políticas neoliberais que destruíram a sua riqueza produtiva, a sua indústria e agricultura e que lhe restringiram as fontes de geração de rendimentos, já em si muito débeis. Como em tantos países, foram estas políticas geradoras de escassez – a fim de salvar o lucro dos grandes grupos oligárquicos e que obrigaram Portugal a vender seus melhores activos produtivos ao capital estrangeiro – que destruíram tecido industrial e a produção agrícola e que provocaram um enfraquecimento da sua capacidade de criar impulso económico, da sua competitividade e, em consequência, o incremento da dívida externa.
A realidade é que as politicas neoliberais auspiciadas pela União Europeia significaram um espartilho para a economia portuguesa e tem produzido nos últimos anos um agravamento do desemprego e da pobreza que se tentou dissimular, entre outros meios, graças ao domínio dos grandes meios de comunicação, os quais estão cada vez mais nas mãos desses mesmos capitais estrangeiros.
E quando estalou a crise e quando o governo assumiu os encargos extraordinários do salvamento bancário, assim como quando sofreu maior declínio de rendimentos e aumentos de despesas para evitar o colapso da economia, é que a situação se tornou insustentável.
Portanto, é mentira que o "resgate" seja obrigatório porque a economia portuguesa sofre devido ao endividamento público. Se se encontra cada vez mais debilitada é por outro tipo de razões.
E aqui vem outro engano especialmente perigoso. As medidas que Portugal precisa para salvar sua economia não são aquelas destinadas a reduzir a despesas e sim em mudar o tipo de política que vem provocando perda de rendimentos, de actividade e de emprego e uma desigualdade cada vez maior, que fez com que os rendimentos em aumento das classes ricas se tenham destinado ao investimento financeiro ou imobiliário especulativo que deram grandes lucros a bancos, também estrangeiros, dentre os quais destacam-se os espanhóis, mas que acumularam muito risco e criaram uma base cada vez mais volátil e débil para a economia portuguesa, como agora se pode confirmar.
O engano seguinte tem a ver com os efeitos benéficos que dizem que teria o "resgate".
Ao contrário do que afirmam os porta-vozes dos grandes grupos financeiros, se aos problemas reais que acabo de mencionar acrescentar-se agora, como querem os que se dispõem a "resgatar" Portugal, cortes na despesa, diminuições de salários e em geral políticas que vão provocar diminuição da procura, o que ocorrerá será que a economia portuguesa ficará ainda pior porque tudo isso só vai provocar uma queda do consumo, do investimento e do mercado interno e, portanto, menos actividade e menos emprego.
RESGATE DOS BANCOS, NÃO DO PAÍS
A realidade é que o "resgate" de Portugal, tal como se verificaria seguindo a linha de outros tantos anteriores (um empréstimo muito vultoso para que Portugal pague as dívidas acompanhado de medidas restritivas e de cortes de direitos sociais e de despesas) não vai salvar a sua economia. É mentira que este tipo de operações resgate os países. Isto é só um último e definitivo engano: do que se trata não é de salvar ou resgatar um país e sim os bancos, principalmente, e os grupos mais ricos e poderosos, uma vez que o que se faz com o resgate é por dinheiro para que eles cobrem suas dívidas e obrigar a que a sociedade arque com a factura da operação durante anos.
Isto é tão certo que se torna fácil e patético comprovar que são precisamente estes grupos financeiros e as autoridades europeias que o servem os que se empenham em convencer os portugueses a que solicitem o "resgate", uma boa prova de quem são realmente os que dele se beneficiarão.
E isto põe em cima da mesa uma última questão. Um engano não menos importante. Talvez o pior. A que tem a ver com o tipo de regime político no qual vivemos e no qual os eleitores, os cidadãos, não podem decidir realmente sobre as questões económicas.
Chamam a isso democracia mas em vista do que tem sucedido está cada vez mais claro que não é porque foi-nos furtada a possibilidade de decidir sobre as questões económicas que evidentemente são uma parte central daquelas que afectam directamente a nossa vida. E é justamente por isso que temos de fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para tratar de mudá-los. Isso sim é que seria um verdadeiro resgate. O demais é outro roubo. (29/Março/2011)
[NT] O autor refere-se certamente ao volume da despesa pública e não à qualidade dos investimentos públicos efectuados. Todos se lembram de péssimas aplicações dos recursos públicos, como os enormes investimentos na construção de auto-estradas a partir do governo Cavaco Silva, na construção de onze estádios do jogo da bola no governo Guterres, em construções inúteis para dar serviço a clientelas de empreiteiros, na compra de submarinos, nos projectos insanos de novo aeroporto e de TGVs que mesmo hoje ainda não foram enterrados.
* Professor catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Sevilha.
O original encontra-se em juantorreslopez.com/.... Tradução de JF.
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