sexta-feira, 8 de abril de 2011

MEGA-PROJECTOS NUNCA FORAM PRIORIDADE DO GOVERNO DE MOÇAMBIQUE -- Chissano


5 abril 2011/Rádio Moçambique

O Antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, acaba de conceder uma entrevista à rádio alemã, “Deutsche Welle” na qual explica as principais políticas de Moçambique para a promoção do desenvolvimento e também o papel da União Africana na resolução de conflitos.

Na entrevista, Chissano que é também mediador em conflitos internacionais, falou também sobre alguns temas prementes da actualidade, tendo dito existir uma distorção da apreciação da política em Moçambique, enfatizando que as grandes indústrias nunca estiveram no topo da agenda do Executivo e que, a agricultura foi e continua a ser a prioridade do Governo. Com a devida vénia transcrevemos na íntegra a referida entrevista:

Pergunta (P) - Começando pelas crises no Continente Africano. Pretendemos saber se Joaquim Chissano concorda com as acusações de excessiva passividade dirigidas contra a União Africana (UA) neste contexto.

Joaquim Chissano (JC) - Não concordo com essa avaliação. O que se passa, penso eu, é que a comunidade internacional, muitas vezes, não é a comunidade internacional, alguns sectores da comunidade internacional, querem ouvir a União Africana a dizer aquilo que eles pensam, e não o que a União Africana pensa. A União Africana tem mecanismos para a resolução e gestão de conflitos. Tem o Conselho de Paz e Segurança e eles analisam as situações e tomam as decisões dos métodos que vão utilizar para chegarem a soluções. A União Africana trabalha através das comunidades regionais e as comunidades regionais estão mais perto do conflito e têm a sua sensibilidade. Portanto, tem se tomado na União Africana posições que podem requerer um processo, ou um tempo. Podemos citar o exemplo da Guiné-Conacri onde tiveram um sucesso e posso citar o caso de Madagáscar, onde eu estou envolvido, que está a levar o seu tempo, porque situações de compreensão e os métodos de negociação não são os mesmos. A União Africana esteve presente e eu próprio estive presente no Malawi onde evitamos uma situação de violência que estava iminente. Portanto, a União Africana está presente em todos os conflitos e toma posições. Pura e simplesmente às vezes não são tão totais como alguns actores da comunidade internacional preferiam que fossem, porque podiam ser contraproducentes.

(P) - Perante esta situação, seja de crise económica seja de crise no norte de África, o aumento dos preços do petróleo e aumento dos preços dos alimentos e outros factores receia que haja distúrbios como houve no ano passado, por exemplo, em Moçambique quando houve uma alta de preços?

(JC) – Bom, distúrbios em África e em vários países pode ser que haja, porque esse assunto de aumento de preços agora pode se dizer que é por causa da Líbia ou por causa do Egipto. Mas começou antes. Como acaba de referir, foi devido à crise mundial. Há um problema que é preciso ser resolvido e como equilibrar o processo económico e resolver o problema da própria crise económica. Há de haver levantamentos. Eu penso que aqui é necessário que estejamos unidos na educação, explicando as populações o que se está a passar na realidade, porque às vezes a tendência é de se correr para dizer que tudo acontece por culpa dos governantes, quando se sabe que há uma crise internacional e que o povo está longe de poder compreender essa complicação das crises internacionais. E quando não há um apoio da explicação que venha de todas as partes, que se ouça nas rádios e na televisão realmente qual é a situação e que o povo seja chamado também a participar na busca de uma solução, o povo vai se levantar contra os governos e os governos vão se encontrar numa situação em que não têm solução para dar ao povo. E então é um caos. Portanto, eu penso que deve haver ponderação de todos os intervenientes nestas questões.

(P) - Sabendo que a situação é muito divergente de país para país em África, aqueles que estão realmente afectados por esta crise, o quê que os governos podem fazer para precaver piores situações?

(JC) - Deve haver uma maior solidariedade e neste caso não se deve olhar só para os países africanos. Deve se olhar para todos os países de todo o mundo. Deve haver uma solidariedade para que os que podem mais possam ajudar os que podem menos a suster esse choque da crise internacional.

HÁ DISTORÇÃO NA APRECIAÇÃO DA POLÍTICA EM MOÇAMBIQUE

(P) - Acha que uma solução seria talvez, no caso de Moçambique, onde a aposta económica foi mais nas grandes indústrias, refiro-me a Mozal e mega-projectos talvez uma solução que apoiasse mais os pequenos agricultores que produzem para o mercado local?

(JC) - Há uma distorção da apreciação da política de Moçambique. A política de Moçambique nunca foi uma política de promover as grandes indústrias. A política foi sempre de apoiar a agricultura. Essa sempre foi a base como principal apoio ao desenvolvimento e, como dizia o Presidente Samora, a indústria seria um factor dinamizador. As grandes indústrias são oportunidades que aparecem. Quando se descobre gás em Moçambique não se pode dizer que não, não se explore o gás porque seria uma grande indústria. Quando há uma organização que vem e diz que quer explorar carvão em Moçambique, como a Vale do Rio Doce, não se vai dizer para parar. Essas actividades não impedem que a agricultura seja apoiada e até talvez, possam acelerar o apoio ou aumentar a possibilidade de apoio ao pequeno agricultor, ao pequeno empresário como está-se a fazer agora. Nós temos a política de apoiar os distritos como pólos de desenvolvimento, e foi sempre uma política de há muito tempo que toma agora uma nova faceta. Começamos por distritos prioritários e depois desenvolvíamos para servirem de modelo. Depois passamos a todos os distritos como base de desenvolvimento, mas agora estamos a acrescentar, o Governo actual acrescentou uma nova dimensão, descentralizando mesmo o uso dos recursos que são disponibilizados para as comunidades. E tiveram certos sucessos, tiveram certos fracassos onde o processo não era compreendido, mas à medida que a gente vai avançando ganhamos novas experiências. E, portanto, não há nenhuma contradição na existência de grandes projectos, médios projectos e o apoio porque esses projectos não impedem, essa foi sempre a política. Mas há uma má compreensão realmente de muita gente que pensa que há uma política de mega-projectos. Não. Os mega-projectos apareceram no meu tempo. E, se não era a política, a gente continuava a ir para o campo a incentivar a produção, a pedir que houvesse infra-estruturas rurais, que houvesse estradas secundárias, estradas terciárias, a pedir para que se criassem mais fontes de água, a pedir que a energia fosse expandida até aos distritos, o que foi, com sucesso, e não fizemos a electrificação do país pensando nos mega-projectos. Por exemplo, havia as areias pesadas de Moma, de Pebane que precisavam de muita electricidade, de Chibuto, que precisavam de muita electricidade e nem por isso nós demos prioridade a electrificação desses lugares. Mas fizemos a linha de alta tensão que foi até à província do Niassa, até ao Lago e lá não havia mega-projectos; até Mandimba e lá não havia mega-projectos; até Montepuez, até Pemba, não havia mega-projectos e ali fomos ramificando a energia para as aldeias. Portanto, a nossa política foi sempre de apoiar, em primeiro lugar o sector rural porque nós estamos conscientes de que temos 80 porcento da população a viver no campo.

(P) - Sobre a política agrícola e rural, de arrendamento de terras a grandes empresas sobretudo de foro estrangeiro, é compatível com esse apoio dado aos pequenos agricultores locais?

(JC) - Posso dizer que não é incompatível porque não se trata de tirar a terra aos pequenos produtores agrícolas, aos camponeses, mas trata-se de utilizar a terra excedentária que não é utilizada. Nós no país temos milhões e milhões de hectares, dezenas de milhões de hectares de terra dos quais nós utilizamos apenas 15 porcento. Esses camponeses utilizam 15 porcento. Muita gente que sobrevoa o nosso país vem me dizer que sobrevoa grandes extensões de terra e nada se faz ali. A resposta é que venham ajudar-nos a investir nisso para a gente fazer mais depressa porque com uma enxada de cabo curto ou mesmo de cabo longo, o camponês não vai produzir nesta terra toda. Precisamos de investimento e então o investimento pode se fazer para o produtor pequeno, uma vez treinado para saber fazer uma agricultura comercial utilizando métodos modernos, ele vai podendo cultivar mais extensões de terra. Mas às vezes até nem há-de ser preciso porque é preciso primeiro aumentar a produtividade por hectare. Mas temos terra bastante em Moçambique para fazer as duas coisas. Agricultura comercial e agricultura de subsistência. Nós não queremos que se mantenha para sempre como agricultura de subsistência. Tem que passar também dai para criar excedentes para o comércio e mesmo para a exportação. (Notícias de Maputo)

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