quinta-feira, 19 de junho de 2008

DECLARAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DAS AMÉRICAS DIANTE DA CONFERÊNCIA MUNIDAL DE REVISÃO DE DURBAN

por Jair Barbosa Jr. última modificação 18/06/2008

INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos http://www.inesc.org.br

Reunidos em Brasília entre os dias 13 e 15 de junho, representantes da sociedade civil das Américas e Caribe elaboraram documento no qual apresentam as demandas e reivindicações quanto a implementação da declaração e do plano de trabalho aprovados durante a Conferência Mundial de Racismo realizada em Durban em 2001. No próximo ano, será realizada a Conferência Mundial de revisão do documento e do plano de ação. Até o momento, a conferência das Américas e Caribe, aberta na terça-feira 17 em Brasília, é a única realizada na esfera continental.

DECLARAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DAS AMÉRICAS DIANTE DA CONFERÊNCIA MUNDIAL DE REVISÃO DE DURBAN

Reunidos em Brasília, de 13 a 15 de junho de 2008, nós afrodescendentes, povos indígenas, ciganos, mulheres, migrantes, refugiados, deslocados forçados, jovens, lésbicas, gays, travestis, transexuais, bissexuais, pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas privadas de liberdade e pessoas vivendo com HIV e Aids.

MANIFESTAMOS QUE

1. A Sociedade Civil das Américas enfatiza a importância da Conferência Mundial contra o Racismo como um evento significativo para todas as vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e de todas as formas conexas de intolerância nas Américas.

2. Sete anos após a Declaração e o Plano de Ação de Durban, a despeito dos esforços da Sociedade Civil e de alguns Estados da região, não há institucionalidade tampouco os recursos orçamentários necessários para estabelecer os compromissos estabelecidos. Os Estados não criaram as condições para uma participação efetiva e igualitária da sociedade civil no desenho e na implementação das políticas.

3. As mulheres continuam a enfrentar o racismo, a discriminação e a xenofobia por sua condição de gênero, raça ou etnia, sua orientação sexual, religião, idade, incapacidade, manifestados em diversas formas de abuso e exploração sexual, exclusão, prostituição, tráfico e violência doméstica e institucional.

4. Vivemos em um cenário onde o aumento dos fundamentalismos de natureza religiosa, econômica e ideológica, que negam a diversidade cultural e os direitos humanos para as vítimas do racismo, se associam ao modelo de desenvolvimento neoliberal desumanizado que tem como conseqüência múltiplas formas de exclusão, pobreza, aumento da desigualdade, racismo e discriminação.

5. A violência racial estrutural que afeta a grande maioria dos 150 milhões de afro-descendentes da região é alarmante e inaceitável, demandando ações imediatas, urgentes e comprometidas, tanto por parte dos Estados quanto das instituições internacionais e intergovernamentais. Esta violência racial se manifesta em deslocamentos forçados, na criminalização de jovens, no genocídio justificado pela delinqüência ou por conflitos internos, na inexistência de políticas públicas, na negação política, na exploração social de meninos e meninas, na prostituição e no tráfico de moças, na negação do direito ao registro e à identidade jurídica, na violência contra as mulheres e na excessiva representatividade de jovens no sistema penitenciário.

6. Atos semelhantes são praticados contra as pessoas por causa de sua orientação e identidade sexual e/ou expressão de gênero, com o agravante que, em muitos casos, essas práticas contam com o aval legal.

7. Os povos indígenas somos donos de nossas terras e territórios, ocupados desde a época de nossos ancestrais. Contudo, os Estados vêm implementando políticas públicas e permitem investimentos privados para a exploração de nossos recursos naturais e conhecimentos, sem consulta prévia, livre e informada, sem o consentimento dos povos indígenas, especialmente no que tange a integridade de nosso território.

8. A propriedade das terras, territórios e territórios étnicos dos povos e comunidades afro-descendentes, inclusive do solo e subsolo, está ameaçada por práticas de concentração do capital e investimentos privados, com o consentimento dos Estados, o que ocasiona o deslocamento forçado de comunidades inteiras.

9. O confisco de nossas terras e territórios obriga o deslocamento de povos indígenas e afro-descendentes para centros urbanos, aumentando a pobreza integral, o racismo e a discriminação em todas as suas formas.

10. A inexistência de políticas concretas que reconheçam o direito à terra, à educação e à saúde coloca em risco a sobrevivência e a sustentabilidade das comunidades quilombolas, ribeirinhas e silvestres, tradicionalmente identificadas com a ancestralidade africana.

11. A retirada do governo do Canadá da Conferência de revisão de Durban e a falta de definição do governo dos Estados Unidos violam seus compromissos com os tratados internacionais para cumprir com a Convenção Internacional para a Eliminação de todas as formas de Discriminação, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e todos os processos multilaterais das Nações Unidas.


DEMANDAMOS E EXIGIMOS DOS ESTADOS

1. A realização de censos com base em indicadores concretos desagregados por gênero, raça e etnia, com a participação dos povos indígenas e afro-descendentes em todo o processo, que nos permita conhecer a situação no marco dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para 2015.

2. A conclusão das negociações da Convenção Interamericana para a Eliminação do Racismo e todas as Formas de Discriminação e Intolerância.

3. A ratificação do artigo 14 da Declaração da Convenção contra o Racismo, para que o Comitê de Eliminação de todas as formas de discriminação racial tenha competência para receber queixas individuais de racismo.

4. O desenho e a implementação de leis e políticas públicas contra discriminação, com orçamentos adequados e com a participação de organizações sociais na formulação, aplicação e avaliação das mesmas.

5. A inclusão na Conferência de revisão de Durban, em Genebra em 2009, da orientação sexual, identidade e expressão de gênero como motivo de discriminação. Por outro lado, a garantia legal e a igualdade jurídica do livre exercício da orientação sexual e da livre expressão da identidade de gênero, onde os Estados democráticos e de Direito assegurem o pleno gozo dos direitos humanos e da cidadania, por meio do financiamento de ações afirmativas e de políticas públicas.

6. Aos Estados que são signatários da Plataforma e do Plano de Ação de Durban, a coerência em seu discurso e ações internas com a explícita aceitação da existência de racismo e discriminação, criando políticas pertinentes para combatê-los.

7. O incentivo e fortalecimento de políticas, programas e ações participativas, com valores democráticos que promovam o desenvolvimento com identidade étnica cultural da população juvenil afro-descendente e indígena.

8. O desenvolvimento de ações efetivas como a consulta prévia com consentimento prévio, livre a informado para a proteção dos territórios ancestrais, historicamente habitados pelos povos afro-descendentes e indígenas, como os quilombos no Brasil, os conselhos comunitários de comunidades negras e as reservas indígenas na Colômbia.

9. Um debate amplo e efetivo capaz de conduzir às ações concretas e reformas legais necessárias para o fortalecimento das democracias participativas igualitárias, interculturais e intergeracionais.

10. O desenvolvimento de políticas articuladas de enfrentamento do racismo ambiental em todas as agendas internacionais de mudança climática, crise energética, alimentar, comercial, democracia, meios de comunicação, incluídas nas novas tecnologias e nanotecnologias.

11. O respeito e a incorporação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (aprovada em 13 de setembro de 2007) às leis nacionais, como reconhecimento da luta dos povos indígenas para a superação da discriminação e do racismo histórico e moral. Ademais, conclamamos os países que ainda não ratificaram a Declaração supracitada ou o Convênio 169 da OIT, a fazê-lo.

12. As reformas estruturais, em um prazo não superior a três anos, dos sistemas judiciários e procedimentos penais que garantam aos jovens afro-descendentes acesso à justiça sem discriminação, assim como medidas efetivas de enfrentamento à criminalidade e à brutalidade policial.

13. A proteção, restituição e administração do acervo e do patrimônio cultural de afro-descendentes, inclusive nossos lugares sagrados, nossos lugares tradicionais de residência, religiões tradicionais, língua, música, dança, conhecimento medicinal, monumentos e todas as expressões em todos os aspectos de nossas culturas materiais, intelectuais e espirituais.

14. Políticas públicas imediatas que garantam os direitos da infância e adolescência afro-descendente, especialmente em relação ao acesso universal e à permanência no sistema educacional, que considere sua identidade cultural e o direito à não discriminação no marco da Convenção Internacional dos direitos das crianças.

15. O envolvimento dos povos ciganos nas políticas públicas e apoio à causa do povo Rom, como aprovado em Santiago, em 2000.

16. O desenvolvimento de políticas públicas que incluam o papel dos meios de comunicação em massa como instrumento de visibilidade à luta contra o racismo, a discriminação, a xenofobia e outras formas conexas de intolerância.

17. Nos termos do mandato da OMS (Organização Mundial da Saúde), seja garantido o acesso universal a medicamentos e que seja incentivada a produção local para garantir a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/Aids. Que, ainda, promovam insumos para a prevenção.

18. Ratifiquem o artigo 14 da Declaração da Convenção contra o Racismo, para que o Comitê de Eliminação de todas as formas de discriminação racial tenha competência para receber queixas individuais de racismo. Além do mais, que os Estados Americanos concedam Status Constitucional aos tratados internacionais de Direitos Humanos.

19. As Agências das Nações Unidas, em cada um dos países e em nível regional, envolvam a sociedade civil nos programas de luta contra o Racismo. Reiteramos que os governos devem implementar todas as ações previstas no Plano de Ação de Durban na Região.

20. As Nações Unidas apóiem e garantam a participação efetiva da sociedade civil na Conferência de Revisão de Durban e em todos os processos preparatórios, inclusive nos fundos de apoio para o Fórum da Sociedade Civil para a própria Conferência em Genebra em 2009.

21. REITERAMOS NOSSO COMPROMISSO E NOSSA PARTICIPAÇÃO ATIVA EM TODO O PROCESSO DE REVISÃO DA CONFERÊNCIA DE DURBAN, ASSIM COMO NA IMPLEMENTAÇÃO E NO MONITORAMENTO DAS AÇÕES DOS ESTADOS E DAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS, ESPECIALMENTE AS AGÊNCIAS DAS NAÇÕES UNIDAS.


Brasília, 15 de junho de 2008.

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