Na última década, a desigualdade no Brasil chegou ao nível mínimo já registrado no país, e a renda da metade mais pobre da população aumentou em ritmo 5,5 vezes mais rápido que a da minoria mais rica do país, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Acho que essa década (anos 2000) pode ser chamada de década da redução da desigualdade; assim como os anos 90 foram chamados de década da estabilização", afirmou Marcelo Neri, da FGV.
A pobreza no Brasil caiu 50,64% entre dezembro de 2002 e dezembro de 2010, período em que Luiz Inácio Lula da Silva esteve à frente da presidência da República. O critério da FGV para definir pobreza é uma renda per capita abaixo de R$ 151.
De acordo com o pesquisador Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV, a renda dos 50% mais pobres no Brasil cresceu 67,93% ao longo da última década, enquanto a renda dos 10% mais ricos teve incremento de 10,03%. "É como se os pobres estivessem num país que cresce como a China, enquanto os mais ricos estão em um país relativamente estagnado", compara Neri.
Intitulado "Desigualdade de Renda na Década", o estudo se baseou em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) e da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para traçar um panorama da década.
A conclusão de Neri é de que o período merece o título de "década de redução da desigualdade", assim como os anos 1960/70 teriam sido os do milagre econômico; os anos 1980, os da redemocratização; e os 1990, os da estabilização.
Feito histórico
Apesar da desigualdade de renda dos brasileiros ter caído nos anos 2000 para o menor patamar desde que começou a ser calculada, ela ainda está abaixo do padrão dos países desenvolvidos, segundo Neri. Ele tomou como base para o estudo o índice de Gini, que começou a ser calculado nos anos 60.
O Gini varia de 0 a 1, e quanto mais alto, maior a desigualdade. O Brasil chegou ao ápice em 1990, com 0,609. Desde então, viu queda progressiva no indicador, até chegar ao mínimo de 0,530 no ano passado, último ano do governo Lula.
Com esse resultado, o País recuperou todo o crescimento da desigualdade registrado nas décadas de 60 a 80, alcançando um "pico histórico" no combate ao fenômeno da desigualdade.
"A pobreza caiu dois terços de seus valores iniciais nos últimos 17 anos, mas agora entramos no terço mais difícil, onde está o núcleo duro de pobreza. É onde as metas de erradicação vão encontrar mais dificuldades", completa Neri.
Para Neri, chegar a um nível médio de desigualdade, como o norte-americano (cerca de 0,42), ainda vai levar uns 30 anos. "Vai ser algo para os nossos filhos", diz.
Ele ressaltou, entretanto, que "algo diferente" está acontecendo no Brasil em relação a outros países emergentes, como Rússia, Índia e África do Sul, nos quais a desigualdade vem aumentando.
Educação e programas sociais
Segundo o pesquisador, os principais efeitos por trás da redução da desigualdade são, em primeiro lugar, o aumento da escolaridade, e em segundo, programas sociais de redistribuição de renda. E completou: "O grande personagem dessa revolução é o aumento da escolaridade. Mas, ainda temos a mesma escolaridade do Zimbábue", mostrando que há um longo caminho a ser percorrido.
Apesar de a escolaridade ter sido identificada como o principal fator por trás da redução da desigualdade, o estudo mostrou que a renda de analfabetos vem aumentando em ritmo maior que daqueles que chegaram à universidade, e que o "prêmio educação" - o valor do salário em relação ao número de anos estudados – teve queda.
De acordo com dados da Pnad, entre 2001 e 2009, os analfabetos obtiveram incremento de 47% na renda, enquanto pessoas com nível de escolaridade a partir do superior incompleto tiveram queda de 1% nos ganhos.
"O trabalho pouco qualificado ficou mais valorizado no Brasil, como o de empregadas domésticas, operários da construção civil, trabalhadores agrícolas", diz Neri.
"Em parte, isso pode ocorrer porque programas sociais como o Bolsa Família tenham aumentado o salário reserva dessas pessoas, que só se dispõem a trabalhar com um salário razoável. Mas ainda é preciso estudar o fenômeno mais a fundo."
Neri aponta que os maiores ganhos reais de renda no período foram de "grupos tradicionalmente excluídos", ou seja, os que costumavam ser listados nos extremos mais desvantajosos dos panoramas da desigualdade.
O aumento da renda de pessoas e pardas, por exemplo, foi maior em relação às brancas, e o das mulheres foi maior em relação aos homens.
"É uma redução dos diferenciais", diz Neri. "A desigualdade segue caindo, então aqueles identificados como grupos de menor renda estão subindo."
Fontes: Agência Estado e BBC
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