quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

CARTA ABERTA A CESÁRIA ÉVORA, A DIVA DOS PÉS DESCALÇOS

por Àlex Tarradellas [*]

26 janeiro 2009/Resistir Info http://www.resistir.info


Cara Cesária,

Escrevo-lhe esta carta a ouvir "Sodade". Como admirador da sua voz e dos seus pés descalços, fiquei muito abalado quando soube que, nem sequer um mês depois do massacre de Israel, cujas imagens percorreram todo o mundo, vai dar um concerto em Tel Aviv e outro em Jerusalém no final do mês de Janeiro. Percebo que talvez esses concertos já estivessem marcados com bastante antecedência. No entanto, não percebo como é que, depois do que aconteceu, a Cesária vai continuar a cumprir o seu calendário e a cantar em Israel. Em pouco mais de três semanas, 1.300 palestinos foram mortos pelo exército israelense, entre eles, mais de 300 crianças e 400 mulheres e idosos. O mais triste de tudo isto é que lamentavelmente a grande maioria do povo de Israel, seja por ignorância, por repressão ou por puro convencimento, depois do que se passou, continua a favor da ofensiva militar que executou o seu governo. Além disso, o bloqueio nas passagens fronteiriças continua a deixar a população palestiniana em condições subumanas.

Desculpe Cesária, mas não consigo imaginá-la a cantar "Sodade" enquanto no outro lado do muro ainda cheira a sangue e a fósforo branco. Quando nas suas mornas canta o isolamento e a diáspora de Cabo Verde, também pensa em países como a Palestina?

Por tudo o que foi referido, gostaria que a Cesária, a quem tanto admiro sem idolatrá-la, se pronuncie sobre os dois concertos que vai dar em Israel. E, no caso de que o rígido programa de concertos valha mais do que o massacre, gostaria que, quando cantar o tema "Sodade" em Tel Aviv e em Jerusalém, para além de pensar nas vítimas cabo-verdianas e israelenses, pense na Palestina, nos palestinos de agora e nos de antes de 1948.

Despeço-me a ouvi-la cantar "Flor di Nha Esperança":

Se m'sabia / K'gente novo ta morrê / M'ka tava ama / Ninguem / Ness mundo… [1]

Com os melhores cumprimentos,

Àlex Tarradellas, em nome de Tlaxcala

[1] Se tivesse sabido / que a gente nova também morre / não teria amado / a ninguém / neste mundo.

[*] Responsável de Tlaxcala, rede de tradutores.

O original encontra-se em http://www.tlaxcala.es/detail_artistes.asp?lg=es&reference=270

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