26 fevereiro 2014, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br/ (Brasil)
A Aliança do Pacífico é a versão para o
século XXI de outros projetos fracassados dos EUA para estender a todo o
continente uma área de livre comércio.
por Emir
Sader/Carta Maior
Há um grande lobby midiático internacional
– em que o grupo espanhol Prisa, que publica El País, desempenha um papel motor
– que, incomodado com o sucesso dos governos progressistas latino-americanos e
para defender os interesses das grandes corporações internacionais na região,
busca fazer dos seus sonhos realidade. A Aliança do Pacífico seria o setor
dinâmico da América Latina e, como corolário, o Mexico e não o Brasil, seria o
grande líder continental.
A Aliança do Pacifico é a versão para o
século XXI de outros projetos fracassados dos EUA para estender a todo o
continente uma área de livre comercio. A primeira versão foi o Nafta – Area de
Livre Comércio da America do Norte -, assinado entre os EUA, o Canadá e o
México, em 1994, cujos planos iniciais eram ir incorporando a países do
continente, conforme seus governos correspondessem às normas do Consenso de
Washington.
Depois do México, o Chile se apresentou
como o próximo pretendente a ingressar no Nafta. Porém, no mesmo ano da
assinatura do acordo, o Mexico viveu uma grande crise – a primeira crise
especificamente neoliberal na América Latina -, ao mesmo tempo que o levante de
Chiapas alçava seu grito conclamando à resistência contra o neoliberalismo.
Os EUA tiveram que mudar sua estratégia.
Não havia como seguir convidando outros países latino-americano a seguir
o México em sua opção, quando os primeiros resultados já haviam sido negativos.
Washington elaborou então uma outra versão – a Área de Livre Comércio das
Américas, a Alca. A proposta foi apresentada por George Bush em 2000, no Canadá
e encontrou apenas a resistência da Venezuela, já dirigida por Hugo Chavez.
Aparentemente o caminho estava livre
para que os EUA consolidassem sua hegemonia econômica no conjunto do
continente. No entanto, à crise mexicana de 1994 se seguiria a brasileira de
1999 e a argentina de 2001/2002, enquanto se estendiam as mobilizações
contra a Alca por todo o continente.
Na sua fase final o Brasil e os EUA
deveriam concluir os acordos e colocar em prática a Alca.
Mas o fracasso dos governos neoliberais
e rejeição dos latino-americanos, mediante a eleição de governos de resistência
ao livre comércio, começava a se estender. O Brasil sucedeu a Venezuela e a
mudança de governo de FHC para o Lula, em 2003, representou um freio à Alca,
porque o novo governo se opôs imediatamente a concluir esses acordos.
A multiplicação de governos
antineoliberais na região nos anos seguintes – na Argentina, no Uruguai, na
Bolívia, no Equador – constituiu um conjunto de governos que, ao invés de
assinar Tratados de Livre Comércio com os EUA, privilegiaram os processos de
integração regional – Mercosul, Unasul, Banco do Sul, Conselho Sulamericano de
Defesa, Alba, Celac, entre outros.
EUA – e seus projetos de livre comércio
– passaram a sofrer o maior isolamento da sua história na América Latina.
Puderam assinar acordos bilaterais com governos da região que mantiveram a
opção pelo livre comércio – Chile, Peru, Colômbia, vários da América Central e
do Caribe.
Os países com governos posneoliberais se
consolidaram com grande apoio popular, elegendo e reelegendo seus presidentes,
já ao longo de mais de 10 anos em alguns casos, em pelo menos 7 ou 8 anos em
outros, projetando lideranças populares na região e para o mundo, diminuindo a
desigualdade, a pobreza e a miséria. Enquanto que os outros perpetuaram a
concentração de renda, a exclusão social, com governos que se alternam, sem
conseguir estabilidade politica, desenvolvimento social e projeção
internacional de suas políticas externas soberanas.
Nunca os EUA estiveram tão isolados na América
Latina. Além da formação de espaços que os excluem, não tiveram apoio político
para aventuras bélicas, como a invasão do Iraque, de governos da região.
A Aliança do Pacífico é uma nova
tentativa norteamericana, buscando juntar governos com os quais tem tratatos
bilaterais de livre comércio, com a promessa de relações privilegiadas com
mercados do Pacífico com os quais os EUA têm estreitas relações. Trouxe o
México da América do Norte e juntou a Colômbia, o Chile e o Peru nesse projeto.
Não é um conjunto dinâmico com prestígio
e força na região, a começar porque não tem governos estáveis – o Chile troca
agora Piñeira pela Bachelet, Humala não tem possibilidade de eleger sucessor,
pelo muito baixo apoio popular que tem, Santos disputa ainda uma difícil
reeleição, enquanto Peña Nieto, eleito sob suspeitas de fraude, tampouco goza
de muito apoio.
Economicamente o Peru mantem seu
dinamismo exportador, sem conseguir transformar o quadro de alta exclusão
social, que pudesse dar respaldo ao presidente Ollanta Humala. Michele
Bachelet, eleita no marco de uma abstenção recorde, tentará buscar legitimidade
com políticas tributarias e educacionais progressistas.
Mas já anunciou que vai
baixar o perfil do Chile na Aliança do Pacífico e vai se aproximar do Mercosul,
através de uma relação privilegiada com o Brasil. Santos ja desenvolve relações
comerciais estreitas com países da região, especialmente com a Venezuela e o
Brasil. Enquanto o Mexico mantem mais de 90% do seu comércio exterior com os
EUA, sofrendo os influxos recessivos do vizinho do norte.
Assim, enquanto os países que compõem o
novo Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Equador, Bolívia,
Paraguai, a que somam também o Suriname e a Guiana – apresentam índices sociais
claramente positivos, com estabilidade política, integração regional e
políticas externas soberanas, os da Aliança do Pacífico se mostram instáveis
politicamente, desiguais socialmente e subordinados aos EUA.
Como correlato à tentativa de projetar a
Aliança do Pacífico está a não menos difícil tentativa – em que se esmera
particularmente El País – de promover o México como líder e país de referência
na América Latina, no lugar do Brasil. O que significaria dizer que as
políticas neoliberais, de que o Mexico foi tristemente o pioneiro na região e
onde essas políticas tem maior continuidade, garantiriam mais os direitos
sociais da população do que a prioridade das políticas sociais que países como
o Brasil implementa.
O Brasil foi, historicamente, o mais
desigual do continente mais desigual do mundo. As políticas sociais dos
governos Lula e Dilma promoveram o mais profundo processo de democratização
social que o país conheceu e projetaram internacionalmente algumas dessas
políticas – como o Bolsa Família – e identificaram Lula como o maior líder
mundial na luta contra a fome.
Em mais de duas décadas de
neoliberalismo, o Mexico viu aumentar a pobreza, a miséria, a desigualdade e a
exclusão social. Alem disso, a disseminação do narcotráfico multiplicou
cruelmente a violência em vários estados do país. Por esse fracasso é que os
governos que implementaram essas políticas – governos do PRI – perderam, pela
primeira vez, em 2000, o poder. Mas os dois governos do PAN, que mantiveram
essas políticas, também fracassaram, permitindo o retorno do PRI, com um
governo que tampouco goza de popularidade, por manter a continuidade do ideário
neoliberal.
Para os EUA o Mexico é a referência,
porque é o país que segue, de forma mais estrita, as orientações do FMI e do
Banco Mundial, que deveria apresentar resultados positivos. Mas nada disso
ocorre. Nem o México conseguiu retomar o desenvolvimento econômico sustentável,
nem melhorou a situação da sua imensa população pobre. Sua política
internacional perdeu a influência que teve no passado, por sua submissão
estritas às orientações de Washington. Nenhum mandatário mexicano do período
neoliberal projetou sua imagem como estadista de projeção internacional. Nem
sequer para a América Central, o México segue sendo um país com liderança
política.
Enquanto isso o Brasil, como parte do
grupo de países que colocam em prática políticas de ruptura com o
neoliberalismo, tem continuidade e estabilidade política como nunca havia tido
antes, com todas as possibilidades que siga este ano para um quarto mandato
presidencial do PT. Pelo imenso processo de democratização social realizado,
pelo resgate do papel ativo do Estado, pela expansão de um enorme mercado
interno de consumo popular e por uma política de integração regional e de
intercâmbio Sul-Sul. Se Lula tem a projeção mundial que tem, é como resultado
do sucesso dessas políticas.
A Aliança do Pacífico é uma proposta
para que os EUA tentem superar seu isolamente no continente mas, de forma
alguma, é uma alternativa para os países que querem superar as políticas
exportadas por Washington, que tem tido efeito tão negativos para a América
Latina. É uma tentativa de dividir o continente, mas com políticas de livre
comércio, responsáveis por que sejamos ainda o continente mais desigual do
mundo. Pertencem a um passado que tenta sobreviver, frente a governos
pós-neoliberais, que projetam o futuro da América Latina para a primeira metade
do século XXI.
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