Publicamos hoje o discurso pronunciado por Raúl Castro, no aeroporto internacional Antonio Maceo, em Santiago de Cuba, na cerimónia de boas-vindas a Bento XVI.
Santidade:
Cuba recebe-o com afecto e respeito, e sente-se honrada com a sua presença. Encontrará aqui um povo solidário e instruído que se propôs alcançar toda a justiça e fez grandes sacrifícios.
Com Martí aprendemos a prestar homenagem à dignidade plena do homem e herdámos a fraterna fórmula que seguimos até hoje: «com todos e para o bem de todos».
Cintio Vitier, insigne intelectual e cristão, escreveu que «o verdadeiro rosto da Pátria… é o rosto da justiça e da liberdade» e que «a Nação não tem outra alternativa: ou é independente ou deixa de o ser em absoluto».
A potência mais poderosa que a História conheceu tentou despojar-nos, sem resultados, do direito á liberdade, à paz e à justiça. Com virtude patriótica e princípios éticos, o povo cubano fez uma tenaz resistência, e sabe também que exercemos um direito legítimo quando seguimos o nosso próprio caminho, defendemos a nossa cultura e a enriquecemos com o contributo das ideias mais avançadas.
Sem razão Cuba é caluniada, mas confiamos que a verdade, da qual jamais nos afastamos, sempre abre o seu caminho.
Catorze anos depois do Papa João Paulo II nos visitar, o bloqueio económico, político e mediático contra Cuba persiste e, inclusive, endureceu no sector financeiro. Como aparece no memorando norte-americano de 6 de Abril de 1960, desclassificado décadas depois, o seu objectivo continua a ser (cito) «provocar a fome, o desespero e o derrube do governo».
No entanto, a Nação continuou, sem variações, a mudar tudo o que devia ser mudado, de acordo com as mais altas aspirações do povo cubano e com a livre participação deste nas transcendentais decisões da nossa sociedade, incluindo as económicas e sociais, que em quase todo o mundo são património de estreitas elites políticas e financeiras.
Várias gerações de compatriotas uniram-se na luta por elevados ideais e nobres objectivos. Enfrentámos carências, mas nunca faltou o dever de partilhar com os que têm menos.
Apenas como demonstração do que podia ser feito se prevalecesse a solidariedade, refiro que na última década, com a ajuda de Cuba prepararam-se dezenas de milhares de médicos de outros países, devolveram-se ou melhorou-se a visão a 2,2 milhões de pessoas de baixos recursos e contribui-se para ensinara ler e escrever cerca de 5,8 milhões de analfabetos. Posso assegurar-lhe que, dentro das modestas possibilidades que dispomos, a nossa cooperação internacional continuará.
Santidade:
Comemoramos o IV centenário do achado e a presença da Virgem da Caridade do Cobre, que tem bordado no manto o escudo nacional.
A recente peregrinação da Virgem por todo o país uniu o nosso povo, crentes e não crentes, num acontecimento de grande significado.
Aguarda-o Santiago de Cuba que foi protagonista de gloriosos episódios na história das lutas dos cubanos pela sua definitiva independência e também da povoação de Cobre, onde a Coroa espanhola teve de conceder a liberdade aos escravos sublevados nas minas, oitenta anos antes da abolição no nosso país de tão infame instituição.
Satisfazem-nos as estreitas relações entre a Santa Sé e Cuba, que se desenvolveram sem interrupção durante setenta e seis anos, sempre baseadas no respeito mútuo e na coincidência em assuntos vitais para a Humanidade.
O nosso governo e a Igreja Católica, Apostólica e Romana em Cuba mantêm boas relações.
A Constituição cubana consagra e garante a plena liberdade religiosa a todos os cidadãos e, sobre essa base, o governo guarda boas relações com todas as religiões e instituições religiosas do país.
Santidade:
Há quase vinte anos que Fidel surpreendeu muitos ao proclamar que «uma importante espécie biológica está em risco de desaparecer pela rápida e progressiva liquidação das suas condições naturais de vida: o homem», concluiu.
Há crescentes ameaças à paz e existência de enormes arsenais nucleares é outro grave perigo para o ser humano. A água ou os alimentos serão, depois dos hidrocarbonetos, a causa das próximas guerras de despojo. Com os recursos que se dedicam a produzir mortíferas armas poderia eliminar-se a pobreza. O vertiginoso desenvolvimento da ciência e da tecnologia não se encontra ao serviço da solução dos grandes problemas que afligem os seres humanos. Frequentemente, servem para criar reflexos condicionados ou para manipular a opinião pública. As finanças são um poder opressivo.
Em vez da solidariedade generaliza-se a crise sistémica, provocada pelo consumo irracional nas sociedades opulentas. Uma ínfima parte da população acumula enormes riquezas, ao mesmo tempo que crescem os pobres, os famintos, os enfermos sem atenção e os desamparados.
No mundo industrializado, os «indignados» não suportam mais a injustiça e, especialmente entre os jovens, cresce a desconfiança em modelos sociais e ideologias que destroem os valores espirituais e produzem exclusão e egoísmo.
É certo que a crise global tem também uma dimensão moral e que prevalece a falta de conexão entre os governos e os cidadãos a quem dizem servir. A corrupção da política e a falta de verdadeira democracia são males do nosso tempo.
Neste e noutros temas apreciamos a coincidência com as suas ideias.
Frente a tantos desafios, a Nossa América une-se na sua soberania e tenta uma integração mais solidária para tornar realidade o sonho bicentenário dos seus Próceres.
Sua Santidade pode dirigir-se a um povo de convicções profundas que o ouvirá atento e respeitoso.
Em nome da Nação dou-lhe as mais calorosas boas-vindas.
Muito obrigado
* Raúl Castro é o Primeiro Secretário do CC do Partido Comunista de Cuba e Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros de Cuba.
Este discurso foi pronunciado no dia 26 de Março de 2012 no aeroporto internacional Antonio Maceo em Santiago de Cuba
Tradução de José Paulo Gascão com base na versão taquigráfica do Conselho de Estado.
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