sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Brasil/UM ANO APÓS A DRAMÁTICA CARTA DOS GUARANI KAIOWÁ NADA MUDOU



28 novembro 2013, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra--MST http://www.mst.org.br (Brasil)


Ruy Sposati
Do Cimi


Mais de um ano depois da dramática carta da aldeia-acampamento Pyelito Kue, na fronteira do Mato Grosso do sul com o Paraguai, os Guarani Kaiowá lançam novo documento denunciando a sistemática omissão do governo federal na demarcação das terras indígenas do Mato Grosso do Sul.

"Nós queremos que eles [governo brasileiro] cumpram a sua palavra. Eles falam que vão fazer. Nós já ficamos esperando. E eles não estão cumprindo, não estão chegando e não vem para demarcar a nossa terra", afirma o novo documento.

Frente às declarações públicas de fazendeiros sobre financiamento de seguranças privados para reagir às retomadas indígenas, os Kaiowá de Pyelito Kue afirmam que não desistirão da luta pela demarcação de Pyelito, e que não esperarão mais "de braços cruzados", afirma a comunidade na nova carta. "Nós gritamos que esgotou a nossa paciência (...). Imediatamente precisamos ocupar de volta nosso tekoha".

Os indígenas exigem a presença da Força Nacional e da Polícia Federal para garantir sua segurança, mas concluem: "se houver algum pedido de liminar ou reintegração de posse, já vamos deixar bem claro que a guerra será declaratoriamente (sic)".

Nada mudou
Dois anos após a retomada de 1 hectare de seu território tradicional, pouca coisa mudou na vida da comunidade. Continuam sem escola, sem saúde e sem terra para plantar, confinados entre fazendas de gado, debaixo de barracos de lona.

Em 8 de janeiro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou as conclusões dos estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Iguatemipegua I, que abrange os Tekohá - terras tradicionais - Mbarakay e Pyelito Kue, reconhecendo como de ocupação tradicional do povo Guarani Kaiowá uma área de 41,5 mil hectares.
Logo após a publicação do relatório, a comunidade se posicionava: a aprovação deste havia sido uma vitória de sua luta - e, no entanto, ainda viviam sob os mesmos 1 hectare de terra. À luz de quase um ano de publicação do relatório de identificação da área, a resposta governamental manteve os ares de pirofagia política, em detrimento de uma ação efetiva que solucionasse os conflitos e fizesse valer a Constituição Federal.

Primeira carta
Escrita à mão em 8 de outubro de 2012 por um jovem estudante Kaiowá - numa folha pautada e em português, após uma longa conversa entre os membros da comunidade - o documento questionava uma decisão judicial de reintegração de posse que retiraria os indígenas daquele um hectare de terra, retomado há quase um ano pelas famílias de Pyelito.

A carta foi entregue, na manhã do dia 8, a membros do Conselho do Aty Guasu, organização política dos indígenas Guarani e Kaiowá, num trecho da estrada vicinal que leva ao acampamento. Não havia sido possível aos indígenas chegarem à aldeia, em função de um bloqueio dos proprietários e arrendatários da fazenda que incidem sobre o território reivindicado pelos indígenas. À tarde, o Aty Guasu publica em seu perfil do Facebook a carta que sacudiria o Brasil e o mundo e reposicionaria os Guarani Kaiowá e o universo indígena na pauta do dia da imprensa, do governo e da sociedade.

Mobilização
O documento provou o poder de mobilização social dos indígenas e a solidariedade geral da sociedade envolvente. Milhares de pessoas saíram às ruas, no Brasil e no mundo, em defesa da demarcação dos territórios tradicionais dos Kaiowá e Guarani; centenas de cartas foram escritas ao governo. Parlamentares, intelecutais e ativistas, muitos deles pelas primeira vez, travaram contato com a luta dos indígenas do Mato Grosso do Sul.

Apesar do apoio e reconhecimento alcançados pelos Kaiowá, o cotidiano da comunidade permaneceu bastante violento. Menos de um mês depois do lançamento da carta, uma indígena de Pyelito Kue foi estuprada por oito pistoleiros, que a amordaçaram e apontaram uma faca em seu pescoço, enquanto a violentavam. Um sem-número de intimidações e ataques à comunidade foram relatados pelos indígenas às autoridades. Em abril, um fazendeiro cuja propriedade incide sobre Pyelito entrou com um pedido de interdito proibitório da Justiça Federal de Naviraí.

Leilão
Fazendeiros do Mato Grosso do Sul irão leiloar "de galinha a vaca OP [gado de Origem Pura]" para financiar a luta contra indígenas. Organizado por associações de criadores de gado e produtores rurais do estado, os recursos arrecadados no chamado "Leilão da Resistência", anunciado para o dia 7 de dezembro, serão destinados a ações de combate às ocupações de terras por indígenas no estado.

Indígenas e organizações sociais lançaram uma carta aberta à presidenta Dilma Rousseff exigindo uma intervenção federal no Mato Grosso do Sul, acusando proprietários rurais de estarem "organizando força paramilitar para atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no Brasil”.


-------------- Relacionada


Brasil/Carta Aberta à Presidenta Dilma Rousseff sobre as ameaças e ataques de ruralistas contra povos indígenas: Intervenção federal no Mato Grosso do Sul já

Organizações vem a público exigir da presidente Dilma uma intervenção federal imediata no MS. Segundo elas, "é público e notória que, no Mato Grosso do Sul, os fazendeiros estão organizando força paramilitar para atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no Brasil".

Eis a carta.

À
Presidenta Dilma Rousseff

Desde a morte de Oziel Terena, assassinado por forças policiais durante o cumprimento de uma reintegração de posse na terra indígena Buriti em maio deste ano, uma série de acontecimentos tem colocado em risco a segurança e a vida das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul. Em sua guerra particular contra os povos indígenas, fazendeiros tem se manifestado de forma cada vez mais agressiva no discurso e na ação contra estes povos.

Estimulado por declarações violentas e preconceituosas de fazendeiros e seus representantes no Mato Grosso do Sul, o conflito chega a um estado de recrudescimento que exige de nós, organizações indígenas e indigenistas, vir a público mais uma vez denunciar a situação urgente e gravíssima dos povos originários do estado, e exigir uma intervenção federal imediata no Mato Grosso do Sul, de modo a evitar mais uma tragédia anunciada no Brasil.

Em Campo Grande, durante a invasão da sede da Fundação Nacional do Índio por 150 produtores rurais, no dia 19 de novembro, uma fazendeira gritou, dirigindo-se a indígenas que estavam no local: "o dia 30 está chegando (...), e rogo uma praga a vocês: morram. Morram todos!". Foi aplaudida pelos manifestantes.

Dia 30 de novembro foi o prazo final estabelecido pelos produtores rurais do Mato Grosso do Sul para que o governo solucione os conflitos fundiários no estado. No entanto, prevendo que o Estado não consiga apresentar uma proposta que efetivamente dê cabo do problema - e que favoreça o segmento do agronegócio - os fazendeiros, através de suas associações, tem pública e repetidamente dado declarações como esta.

"O prazo para uma solução final é 30 de novembro. Depois disso, como já é tragédia anunciada, os fazendeiros irão partir para o confronto legítimo para defender seu direito de propriedade. E vai haver derramamento de sangue, infelizmente", declarou o vice-presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Jonatan Pereira Barbosa, na tribuna da Comissão de Reforma Agrária do Senado Federal, no dia primeiro de novembro, conforme publicado no sítio eletrônico da entidade.

O presidente da Acrissul, Francisco Maia, no último dia 8, em reunião com 50 produtores rurais do estado, disse: “A Constituição garante que é direito do cidadão defender seu patrimônio, sua vida. Guarda, segurança, custa dinheiro. Para entrarmos numa batalha precisamos de recurso. Imagine se precisamos da força de 300 homens, precisamos de recurso para mobilização”.

Em nova reunião, no dia 12 de novembro, o vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Nilton Pickler, também veio à público corroborar a posição da Acrissul: “Estamos em uma terra sem lei, onde invadir propriedade não é mais crime, alguma reação precisa ser feita”, afirmou.

As entidades representativas dos produtores rurais do estado estão organizando, para o dia 7 de dezembro, em Campo Grande, um leilão de animais, commodities, máquinas e produtos doados pelos próprios pecuaristas do estado, para arrecadar recursos para ações contra os indígenas. Deram ao evento o nome de "Leilão da Resistência". Declararam, no último dia 19, que já receberam 500 cabeças de gado como doação, equivalentes a, no mínimo, 500 mil reais.

O documento final da Quarta Assembleia do Povo Terena, que contou com a participação de mais de 300 lideranças Indígenas de todo o estado, representando os mais de 70 mil indígenas que lá vivem, declarava: "a tragédia está anunciada em Mato Grosso do Sul (...). É pública e notória a ameaça concreta intentada contra os povos indígenas pelos ruralistas deste estado". Para os indígenas, está claro: os “leilões da resistência" anunciados pelos produtores rurais "tem por objetivo financiar milícias armadas".

Em carta, os indígenas criticaram o Estado pelo abandono das negociações, no sentido de encontrar saídas para a questão indígena. "O governo federal instalou (...) uma mesa de diálogo na tentativa de resolver a demarcação de nossos territórios. No entanto, após vários prazos estipulados pelo próprio ministro [da Justiça], não há nada de concreto a ser apresentado aos povos indígenas".

As comunidades Terena, Guarani-Kaiowá, Guarani Ñandeva, Kinikinau e Kadiwéu em luta pela garantia de seus territórios tradicionais, tem relatado e denunciado à Polícia Federal, à Funai e ao MPF um sem número de casos de ataques a tiros, invasões, intimidações e ameaças de morte que os indígenas vem sofrendo no último período. Apesar disso, até o momento, nenhuma segurança permanente está sendo oferecida a estes povos.

Os indígenas conhecem bem o trabalho da segurança privada que os fazendeiros pretendem ampliar na região. Em contexto do conflito envolvendo indígenas e fazendeiros, em novembro de 2011, a empresa de segurança privada Gaspem, que prestava - e ainda presta - serviços a proprietários de terras que incidem sobre território tradicional indígena, foi acusada de envolvimento na morte do rezador Guarani-Kaiowá Nízio Gomes, no tekoha Guaiviry, em Aral Moreira. Na denúncia, o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) classificou as atividades da empresa como de uma “milícia privada”, exigindo a suspensão das atividades da companhia. Em função do caso, sete pessoas estão presas, conforme relatou o MPF.

Jornais e televisões locais também tem associado o termo "milícias armadas" ao discurso dos ruralistas sobre o leilão e sobre as ameaças do dia 30 de novembro. Agências de notícias internacionais categorizaram o caso como "conflito sangrento (...) com características de guerra territorial".

É público e notória que, no Mato Grosso do Sul, os fazendeiros estão organizando força paramilitar para atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no Brasil.

A "resistência" dos latifundiários é contra a demarcação das terras indígenas. É contra a realização de laudos e perícias pela Funai. É contra a organização política dos indígenas, que avançam na retomada de seus territórios tradicionais, frente à morosidade do Estado e da Justiça, de toda a violência que vem sofrendo, das mãos das forças policiais estaduais e federais, e das seguranças privadas “legais” ou ilegais que atuam na região. A dita "resistência" é, a rigor, contra a vida destas pessoas.

Em função desta conjuntura, extensão de um violento processo histórico de espoliação, confinamento e extermínio dos povos indígenas desta região, as organizações signatárias vem a público exigir da presidente Dilma uma intervenção federal imediata no Estado do Mato Grosso do Sul. O poder público pode e deve evitar esta “tragédia anunciada”, repetição sistemática do genocídio contra os povos indígenas. E isto precisa ser feito agora. O reconhecimento e a demarcação das terras indígenas é a verdadeira solução para a situação que está posta no Mato Grosso do Sul.

Brasília, 21 de novembro de 2013.

Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ArpinSul
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme
Aty - Guassu Guarani Kaiowá
Conselho de Caciques Terena
Conselho Indígena de Roraima - CIR
Instituto Kabu - Nejamrô Kayapó
Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro - AITSP
CCPIO AP. Galibi Marworno - Paulo R. Silva
Vídeo nas Aldeias – Vicent Carelli
Operação Amazônia Nativa – Opan
Instituto de Pesquisas e Formação Indígena – Iepé
Instituto Sócio Ambiental – ISA
Associação Terra Indígena Xingu – ATIX
Instituto Indígena para Propriedade Intelectual - Inbrapi
HAY – Dário Vitória Kopenawa Yanomami
HAY – Davi Kopenawa Yanomami

Nenhum comentário: