27 março 2013, http://www.patrialatina.com.br
(Brasil)
Pepe
Escobar
Asia Times Online http://www.atimes.com/atimes/World/WOR-01-260313.html
Notícias
da morte prematura dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são
muitíssimo exageradas. A imprensa-empresa ocidental está inundada dessas
tolices, perpetradas, nesse específico caso, pelo presidente do Morgan Stanley
Investment Management.[1]
A realidade é outra. Os BRICS reúnem-se em
Durban, África do Sul, nessa 3ª-feira, para, dentre outros passos, criarem sua
própria agência de avaliação de riscos, escapando assim da ditadura – ou, no
mínimo, das “agendas enviesadas”, como diz a diplomacia indiana – das agências
tipo Moody's/Standard & Poor. Também tocarão adiante a criação de um Banco
de Desenvolvimento dos BRICS, com capital inicial de US$50 bilhões (faltam só
se definir alguns detalhes estruturais), para ajudar em projetos de
infraestrutura e de desenvolvimento sustentável.
Importante, mesmo, é que EUA e União Europeia
não serão acionistas desse Banco do Sul – alternativa concreta, estimulada
principalmente por Índia é Brasil, ao Banco Mundial e ao sistema de Bretton
Woods controlados pelo Ocidente.
Como observou o ministro das Finanças da Índia
Jaswant Singh, esse banco de desenvolvimento poderá, por exemplo, canalizar o
know-how de Pequim, para ajudar a financiar as obras massivas de infraestrutura
das quais a Índia carece.
As grandes diferenças políticas e econômicas
entre os países BRICS são autoevidentes. Mas, já agora reunidos e operando como
grupo, o ponto já não é se podem proteger a economia global contra a crise
non-stop do capitalismo-de-cassino avançado.
O ponto é que, além de medidas para facilitar o
comércio mútuo, as ações do bloco vão-se tornando cada vez mais políticas. Os
BRICS não apenas mostram seu poder econômico como, também, tomam medidas
concretas na direção acelerada rumo a mundo multipolar. Nisso, o Brasil é
particularmente ativo.
Inevitavelmente, os míopes fanáticos
atlanticistas de sempre do consenso de Washington nada veem – miopicamente –
além de “BRICS esperam mais reconhecimento das potências ocidentais”.
Claro que há problemas. O crescimento está mais
lento no Brasil, China e Índia. Dado que a China, por exemplo, tornou-se
principal parceiro comercial do Brasil – já ultrapassou os EUA –, vastos
setores da indústria brasileira sofreram com a concorrência das manufaturas
chinesas baratas.
Mas há perspectivas futuras inescapáveis. Os
BRICS muito provavelmente terão mais poder no Fundo Monetário Internacional.
Detalhe crucialmente importante, os BRICS passarão a negociar em suas próprias
moedas nacionais, servindo-se, de um yuan globalmente conversível e afastando
do dólar norte-americano e do petrodólar.
A China em momento menos acelerado
O
inventor da expressão “BRIC” (no início, ainda sem a África do Sul) foi Jim
O’Neill, do banco Goldman Sachs, nos idos de 2001. Muito interessante e
esclarecedor ouvir o que O’Neill tem a dizer hoje, sobre o mesmo tema [em longa
entrevista à revista Der Spiegel (21/3/2013, “BRICS 'Have Exceeded all
Expectations” [Os BRICS superaram todas as expectativas], Der Spiegel).[2]
O'Neill destaca que a China, mesmo tendo
crescido “meros” 7,7% em 2012, “Criou riqueza equivalente a uma economia grega
inteira, a cada 11 semanas e meia”. A desaceleração na China foi “cíclica e
estrutural” – um ‘desligar a máquina’ planejado para controlar o
superaquecimento e a inflação.
Os impulso adiante que se vê nos BRICS é parte
de uma tendência global irresistível. Boa parte dessa tendência está bem
decodificada num novo relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações
Unidas [orig. United Nations Development Programme].[3] Em resumo: o norte está
sendo ultrapassado na corrida econômica, pelo sul global, que corre a
velocidade estonteante.
Segundo aquele relatório, “pela primeira vez em
150 anos, a soma dos resultados das três principais economias do mundo em
desenvolvimento – Brasil, China e Índia – é praticamente igual aos PIBs
somados das notórias potências industriais do Norte”.
A conclusão óbvia é que “o crescimento do Sul
global está reformatando radicalmente o mundo do século 21, com nações em
desenvolvimento comandando o crescimento econômico, arrancando da miséria
centenas de milhões de pessoas e empurrando bilhões mais para uma nova classe
média global.”
E no coração crucial ardente desse processo,
encontramos um épico eurasiano: o desenvolvimento de relação estratégica entre
Rússia e China.
Sempre o Oleogasodutostão...
O
presidente Vladimir Putin da Rússia não quer saber de arrastar prisioneiros:
quer empurrar os BRICS no rumo de constituir “um mecanismo de cooperação
estratégica em plena escala, que nos permitirá, juntos, procurar soluções para
as questões chaves da política global”.[4]
Isso implicará uma política externa comum para
todos os BRICS – e não só alguma coordenação seletiva em torno de alguns temas.
Não será fácil. Exigirá tempo. Putin está perfeitamente consciente disso.
O que torna tudo ainda mais fascinante é que
Putin já expôs essas ideias ao novo presidente da China, Xi Jinping, que o
visitou em Moscou, por três dias. Putin não mediu palavras: fez questão de
dizer e repetir que as relações sino-russas “são hoje as melhores, em séculos
de história”.4
Não é exatamente o que os atlanticistas
hegemonistas gostariam de ouvir – sempre interessados, eles, em manter todas as
relações no pé em que estavam na Guerra Fria.
Xi retribuiu em alto estilo: “Não viemos
visitá-los à toa” – como se lê, parcialmente detalhado no China Daily.[5] E
esperem só, que a potência criativa dos chineses comece a gerar dividendos.[6]
Inevitavelmente, o Oleogasodutostão está no
coração do projeto de relações complementares entre esses dois grandes BRICS.
A China precisa do petróleo e o gás da Rússia,
como item de segurança nacional. A Rússia quer vender mais e mais dos dois
itens, diversificando a carteira de clientes, na direção do Oriente; mais que
tudo, a Rússia receberia com enorme entusiasmo investimentos chineses no
extremo oriental de seu território – a imensa região Trans-Baikal.
E, por falar nisso, não é verdade que o “perigo
amarelo” esteja invadindo a Sibéria – como diz o ocidente. Só 300 mil chineses
vivem hoje na Rússia.
Consequência direta da reunião de cúpula
Putin-Xi é que de agora em diante Pequim pagará adiantado pelo petróleo russo
que comprar – em troca de participar em inúmeros projetos, como, por exemplo,
na prospecção de petróleo em alto mar nas áreas da CNPC e Rosneft no Mar de
Barents e em outros pontos das águas russas.
A Gazprom, por sua vez, fechou negócio
longamente esperado de gás com a CNPC: 38 bilhões de metros cúbicos por ano
entregues pelo gasoduto ESPO, a partir da Sibéria, começando em 2018. E já no
final de 2013, será finalizado e assinado um novo contrato chinês com a
Gazprom, envolvendo fornecimento de gás para os próximos 30 anos.
As ramificações geopolíticas são imensas:
importar mais gás da Rússia ajuda Pequim a, gradualmente, escapar do seu dilema
Malacca e Hormuz[7] – para não mencionar a industrialização das províncias do
interior da China, imensas, muito densamente povoadas, duramente dependentes
ainda da agricultura, e que ficaram à margem do boom econômico.
Eis como o gás russo encaixa-se no plano máster
do Partido Comunista Chinês: para configurar as províncias do interior do país
como base de apoio para a classe média chinesa – 400 milhões de chineses cada
vez mais ricos, mais urbanizados, que vivem na costa leste.
Putin, ao dizer e insistir que não vê o bloco
BRICS como “concorrente geopolítico” contra o ocidente, fez o que faltava
fazer: negou oficialmente, para não deixar dúvidas de que, sim, sim, se trata
exatamente disso. Durban será, provavelmente, a ocasião em que se sacramentarão
apenas os primeiros movimentos dessa competição. Desnecessário dizer que as
‘elites’ ocidentais – ainda que estagnadas e à beira da bancarrota – não
cederão, senão depois de muita luta, qualquer dos seus privilégios.
[1] “Broken BRICs. Why the
Rest Stopped Rising” [BRICs quebrados. Por que o resto parou de
crescer], Foreign Affairs, nov.-dez.2012, em
http://www.foreignaffairs.com/articles/138219/ruchir-sharma/broken-brics.
[2]
http://www.spiegel.de/international/business/departing-goldman-sachs-exec-still-sees-bright-future-for-bric-nations-a-890194.html
[3] http://hdr.undp.org/en/
[4] 22/3/2013, Vladimir Putin (entrevista): “Os
BRICS são grupo de integração, não de concorrência” (Agência ITAR-TASS,
traduzida em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/vladimir-putin-os-brics-sao-grupo-de.html).
[5] 22/3/2013, “China-Russia ties get 'even
better'” [As relações China-Rússia, cada vez melhores], China Daily, em
http://www.chinadaily.com.cn/china/2013-03/22/content_16332318.htm
[6] http://thebricspost.com/from-made-in-china-to-created-in-china/#.UVGZJBesiSq
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