quinta-feira, 2 de abril de 2009

CARTAS PARAGUAIAS

Cartas paraguaias 7: A ARMADILHA DA DÍVIDA DE ITAIPU

No final de 1986, dois anos depois da Itaipu ter começado a operar, a dívida total era inferior a 15 bilhões de dólares

30 março 2009/Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br

Roberto Colman

Dois terços da tarifa da eletricidade de Itaipu estão compostos por amortização e juros da dívida que a binacional tem com a Eletrobrás e o Tesouro brasileiro. O Paraguai questiona esse passivo. Vejamos por quê.
No final de 1986, dois anos depois da Itaipu ter começado a operar, a dívida total era inferior a 15 bilhões de dólares. Analisando o quanto se pagou de amortização (para além dos juros) à Eletrobrás e ao Tesouro brasileiro até o final de 2008, segundo os balanços publicados pela binacional, veremos que foi um valor superior a 16 bilhões de dólares.
Porém, depois de todos esses pagamentos ao longo desses anos, nessa última data a dívida era de 19 bilhões, ou seja, superior a quando começou!!! Como foi possível isso, se havia sido amortizado (até 2008) mais do que se devia ao começar o pagamento das dívidas contraídas (em 1986)?
Como dissemos, Itaipu deve esses montantes à Eletrobrás e ao Tesouro brasileiro. Portanto, quando falamos que, da tarifa que a binacional cobra dos "compradores" (Eletrobrás e ANDE), dois terços vão para pagamento da dívida (amortizações e juros), isso significa que esse dinheiro (mais de dois bilhões de dólares a cada ano) vai diretamente aos cofres do Tesouro e da Eletrobrás. Sai por um lado, entra pelo outro.
Essa dívida “misteriosamente” inflada tem sido muito conveniente para certos interesses no Brasil. Faz com que “a tarifa seja cara”, mas que não afete seu “bolso”, já que o que paga "volta".
Mas, por que falamos em dívida “inflada”? Na próxima Carta, vamos explicar por que, no Paraguai, denunciamos a existência de uma "dívida espúria" e que, em diversas ocasiões, a direção da binacional (por iniciativa dos governos do Brasil nos anos 1980-90 e a cumplicidade dos governos do Paraguai desse período) manobrou para manter a armadilha da dívida, "crescente" porém “conveniente”.
Roberto Colman (rrcolmanf@yahoo.com), sindicalista e eletricitário paraguaio, integra a Frente Social e Popular (FSP) e a Coordenação Nacional pela Soberania e a Integração Energética (CNSIE) do Paraguai.


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Cartas paraguaias 6: O “PREÇO JUSTO” DA ENERGIA PARAGUAIA

Roberto Colman

Em Itaipu, a tarifa (o preço que a binacional cobra da Eletrobrás e da ANDE, que é a empresa de eletricidade paraguaia) é igual ao “custo” de produzir essa energia

25 março 2009/Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br

O Paraguai tem direito a receber um “preço justo” pela sua parte da energia da Itaipu que vende ao Brasil. Mas não é isso que ocorre hoje. Para entender como se coloca o problema, precisamos detalhar como funciona a hidrelétrica, de acordo com o Tratado firmado entre os dois países.
Em Itaipu, a tarifa (o preço que a binacional cobra da Eletrobrás e da ANDE, que é a empresa de eletricidade paraguaia) é igual ao “custo” de produzir essa energia. Nesse “custo”, somam-se, por exemplo, os de operação da usina, como os “financeiros” (o pagamento da dívida contraída para sua construção), entre outros itens. E, quando o Brasil recebe energia da parte paraguaia, paga um adicional em conceito de “compensação por cessão de energia” (ver quadro). Ou seja, Itaipu, segundo o Tratado, opera “fora do mercado”: vende sua energia pelo seu custo, “independentemente” de qual seja o preço de mercado.
Esse princípio foi aplicado de acordo às conveniências das empresas elétricas brasileiras. E, sempre que necessário, por iniciativa dos governos brasileiros dos anos 1980-90 (e com a cumplicidade dos governos paraguaios desses períodos), o Tratado foi violado nesse ponto. Em vários anos, as empresas elétricas não pagaram a tarifa devida.
Mas vejamos como se está operando essa questão hoje, e o que o Paraguai reivindica. Em primeiro lugar, chama a atenção que 65% da tarifa é para pagamento da dívida (juros e amortizações) que Itaipú tem com Eletrobras e o Tesouro Brasileiro.(Voltaremos a esses dois pontos quando falarmos da dívida de Itaipu).
Mas, com todo esse custo “inflado”, quando o Paraguai “cede” sua energia de Itaipu por um valor igual ao “custo Itaipu + compensação”, esse valor está abaixo do preço do mercado elétrico, seja brasileiro, seja regional.
Isso se deve ao fato de que a “compensação” é um valor chutado, arbitrário, fixado em fórmula de 1973. Na negociação ocorrida em Brasília em 26 de janeiro de 2009, os negociadores brasileiros propuseram duplicar esse valor, que chegaria a mais de duzentos milhões de dólares por ano (hoje é algo acima de cem milhões).
Porém, estudo realizado por técnicos paraguaios mostra que, se houver um ajuste no valor da “compensação” para que a Eletrobrás pague o “preço justo”, esse item deveria ir a quase 800 milhões de dólares (não o dobro, mas oito vezes mais). Isso considerando o mercado elétrico brasileiro.
Para que se veja como, em termos de mercado, a Eletrobrás paga muito abaixo do que deveria, agreguemos que o governo paraguaio recebeu, recentemente, oferta do Chile de compra de energia de outra represa totalmente paraguaia (Acaray) por um valor que leva embutido um beneficio (equivalente à “compensação”) que é 22 vezes o que o Paraguai recebe hoje do Brasil pela “energia cedida”! Quer dizer, no mercado regional de eletricidade, paga-se muito mais ainda!
Resumindo, ao “ceder” sua energia de Itaipu à Eletrobrás por um valor igual ao “custo + compensação”, o Paraguai está subsidiando as empresas brasileiras do setor elétrico e as grandes indústrias que utilizam essa energia (fundamentalmente as grandes empresas de São Paulo). O país pequeno e economicamente mais atrasado subsidiando o país grande e mais industrializado: alguém pode justificar isso!?

Cálculo do Custo de Itaipu (em milhões de dólares) em 2007
pagamento da dívida (amortização e juros) 2.085
royalties aos dois países 428
despesas de funcionamento 643
rendimento de 12% ao ano sobre o capital
integralizado por ANDE e Eletrobrás 44
Custo Total 3.200
O Custo Unitário se calcula dividindo esse valor pelo total de “energia garantida” (75.000 Gwh/ano), dando um valor de 42,7 dólares por MWh.
O Brasil, quando recebe energia da parte paraguaia, ainda paga “compensação pela cesão de energia”, um total de 104 milhões de dólares, ou 2,7 por MWh, o que significa que a tarifa para o Brasil é de 45,4 dólares por MWh.

Para ler mais:
Hugo Lesme e Verónica Echauri, “Justo Precio”. ABC Color, 21 de dezembro de 2008.
SICOM / Presidencia de la República del Paraguay. “Itaipu, a energia de dois povos”. Janeiro, 2009

Roberto Colman (rrcolmanf@yahoo.com), sindicalista e eletricitário paraguaio, integra a Frente Social e Popular (FSP) e a Coordenação Nacional pela Soberania e a Integração Energética (CNSIE) do Paraguai.

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/cartas-paraguaias-7-a-armadilha-da-divida-de-itaipu

Leia mais:
Cartas paraguaias 1: Um agradecimento e nosso projeto comum
Cartas paraguaias 2: Um Tratado de duas ditaduras
Cartas paraguaias 3: Uma usina que primeiro gerou corrupção
Cartas paraguaias 4: A soberania de cada país sobre seus recursos: uma bandeira comum?
Cartas paraguaias 5: Defendemos nossa soberania junto com a integração regional

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