sexta-feira, 29 de junho de 2007

Timor_leste / «Xanana mostra ódio quando fala de mim», Mari Alkatiri

O secretário-geral da Fretilin responde às graves acusações que Xanana Gusmão lhe tem dirigido no último ano e que atingiram um novo patamar de tensão com a entrevista exclusiva que o ex-Presidente da República e actual líder do CNRT (Congresso Nacional de Reconstrução de Timor-Leste) concedeu à VISÃO, na passada semana

Henrique Botequilha /28 Junho 2007

Mari Alkatiri afirma que havia um plano para a sua captura, na crise de há um ano, e insinua que as ordens viriam da Presidência. Agora que se encontra nas urnas com Xanana Gusmão, um velho amigo a quem emprestava um descapotável para namorar e que se transformou em alguém que fala com «cinismo» e «ódio». Está confiante de que vai ganhar as próximas legislativas, de 20 de Junho, em Timor-Leste, embora admita uma vitória com maioria relativa. Nesse cenário, diz-se aberto a coligações (embora não especifique com quem), ou até a passar para a oposição se não obtiver maioria parlamentar. Entrevista numa manhã de sol, no patamar da residência do ex-primeiro-ministro, que está protegida por vários seguranças, ou não tivesse a Fretilin declarado que a sua vida corre perigo.

Eleições

«Mesmo com maioria relativa, aceitamos ir para a oposição»

Que resultado espera nestas eleições?
Partimos para esta campanha já com a certeza de que iríamos obter a maioria simples. E decidimos montar a nossa estratégia para ganhar a maioria absoluta. Penso que já chegámos lá.

Porquê?
Pelos resultados que estamos a ver. Enquanto os outros basearam a sua campanha na mentira, incluindo Xanana, nós fizemos a nossa na base de informar sobre a verdade dos últimos cinco anos - os sucessos e os insucessos, que também os houve - e sobre os nossos planos para os próximos cinco. O que saiu errado, nós reconhecemos...

Será possível que o senhor tenha desenhado um plano a longo prazo para Timor sem cuidar das necessidades urgentes?
Partiu-se do princípio de que tínhamos de construir o Estado e implementar um plano com prioridades bem definidas: educação, saúde, infra-estruturas e agricultura. Mas a satisfação das necessidades imediatas do povo (mais comida, mais agasalho e tudo isso) estaria a ser cuidada pelas organizações não governamentais, internacionais e nacionais, que tinham todas as isenções (impostos). Mas não estava. Se o povo tivesse sido informado dos passos que fomos dando, teria compreendido melhor todo o processo nas zonas rurais do que uma certa elite nas zonas urbanas.

Foi um grande erro?
Havia uma grande expectativa do povo e uma grande necessidade de o manter sempre informado das dificuldades na implementação do processo. Essa comunicação falhou.

Há uma dinâmica do velho guerrilheiro que, de facto, Xanana confirma ter retornado no CNRT. Como interpreta isso?
Eu caracterizo Xanana assim: unir todos para ele comandar, ou dividir para ele reinar.

Quer queira ou não, ele está aí e mantém muito do seu carisma. A quem vai o CNRT roubar votos?
A todos os lados. Mas as pessoas que foram para PD [Partido Democrático] e PSD [Partido Social Democrata] fizeram-no por influência de Xanana. E as que ficaram na Fretilin foram aquelas que ele não conseguiu influenciar. O mais provável é que vá roubar [votos] àqueles partidos.

A Fretilin Mudança [facção partidária que disputa a liderança com Alkatiri e apoia Xanana nesta eleição] vai tirar muitos votos ao seu partido?
Não, se foram 500 ou mil já é muito.

O que vai acontecer a esses militantes?
Vão ser expulsos. O que eles fizeram é suficiente para serem expulsos liminarmente. Nem precisam de ser ouvidos.

Não admite fazer mais nenhum congresso?
Por causa deles... Não.

Será que Xanana Gusmão não vale mais votos do que Ramos-Horta (20% na primeira volta das presidenciais)?
Não. Será inferior. Porque a imagem de Ramos-Horta foi de equilíbrio. E Xanana aparece com ódio à Fretilin.

Se não é, pode corrigir.
Não temos febre de continuar a governar. Se tivermos maioria absoluta, é porque o povo continua a confiar em nós, se for maioria relativa e verificarmos que há vantagens em coligar-nos...

Com quem?
Não vamos dizer. Se houver vantagens, coligamo-nos. Senão, vamos para a oposição.

Mesmo com maioria relativa?
Sim. Se os outros todos se juntarem para fazer maioria absoluta no parlamento, e pensam que conseguem governar com uma coligação de três, quatro, cinco, seis partidos, então experimentem.

Os militantes compreendem isso?
Sim. Na nossa campanha, fomos dizendo isso. Querem que Fretilin governe, dêem-nos maioria absoluta. Atenção: Ramos-Horta [nas presidenciais] teve o apoio dos outros partidos, mas também teve 80 mil a 100 mil votos que são da Fretilin. E que agora não vão para Xanana.

Novo mandato

«Se houver coligações, o primeiro-ministro terá de ser mais forte»

Se a Fretilin ganhar quem será o primeiro-ministro?
Tenho dito sempre que a Fretilin vai continuar a governar. Os partidos que não estão a governar é que têm de ter a preocupação de dizer quem vai ser primeiro-ministro e quem vai ser ministro.

É uma nova legislatura que começa.
Está bem, mas isso não significa que haja mudanças radicais no governo. Tem de haver algumas e alguns ministros têm de cair fora. Mas não estamos preocupados com isso. Preferimos dizer que a Fretilin está a governar e vai continuar.

Mas vai ser preciso um primeiro-ministro.
Existe um primeiro-ministro.

Seria Estanislau da Silva?
A decisão será feita em função da vitória que tivermos. Se for maioria absoluta, se for maioria relativa...

Está a dizer que só será primeiro-ministro com maioria absoluta?
Se calhar é o contrário, eu é que não quero ser nem numa situação nem noutra. Mas, calhar, se houver coligações, é que é preciso um primeiro-ministro mais forte.

A sua imagem saiu muito afectada disto tudo?
Viu a manifestação ontem?

Sim. Mas era um comício da Fretilin e, apesar de tudo, a Fretilin não é o país.
Mas é o partido maioritário do país.

Quem financia a Fretilin?
Temos no país mais de 150 mil militantes. Se por cada mês cada um contribuir com 25 cêntimos é o suficiente para fazer face às nossas despesas.

Qual é o orçamento da campanha?
[Em Timor] Aqui, as coisas são feitas de forma diferente. Há campanhas locais, quando vamos para os distritos, e há quem contribua, por exemplo, com comida. E isso não entra nas nossas contas. E há contribuição central para os transportes e tudo o resto: entre 100 mil e 200 mil dólares. Tudo pago pelos militantes, não é como o CNRT que não tem militantes. O Xanana diz mesmo à VISÃO que não pode ser transparente porque senão ninguém lhe dá dinheiro. É uma declaração gravíssima. Vai contra a lei dos partidos políticos.

Desenvolvimento

«É preciso fazer mais pela língua portuguesa»

O dinheiro do petróleo está a ser gasto já?
Está a ser gasto já. Essa é a questão. A lei não diz que são só os juros [que são aplicados]. Isso não chegaria para pagar o orçamento, que trouxe do fundo do petróleo 270 milhões de dólares. Xanana assina uma lei, promulga-a sem saber o que ela diz. É um disparate aquilo que ele fala [as verbas do petróleo estão a ser poupadas em vez de investidas em infra-estruturas]. Por outro lado, quem sabe minimamente de economia e desenvolvimento, sabe que não se pode injectar dinheiro se a economia não conseguir absorve-lo: não se pode deitar um litro de água numa chávena, senão transborda. E quando transborda, vai para os bolsos dosoutros. O fundo do petróleo tem de ser cultivado, não pode ser enterrado.

Vai manter a aposta na língua portuguesa?
A língua é um factor fundamental para marcar a diferença e um país pequeno como Timor precisa de ser diferente nesta área. Não pode ser a extensão do bahasa indonésio, nem a extensão da língua inglesa. Sem rejeitar a importância dessas línguas no país. Mas, para marcar a diferença, é preciso desenvolver o português, o tétum e as outras línguas nacionais.

Está satisfeito com os progressos na língua portuguesa?
Não estou, é preciso fazer muito mais.

Portugal pode fazer mais?
Portugal tem as suas limitações mas nós agora também temos alguma capacidade no sentido de fazer dessa uma boa cooperação. Fala-se mais português no interior do que em Díli. Tem de se fazer mais um esforço nas zonas urbanas.

E na administração pública?
A administração pública foi muito afectada por esta crise. O sentido profissional ficou reduzido e quem ganhar as eleições vai ter de começar a trabalhar melhor nesta questão, no sentido de incutir o brio profissional nos funcionários públicos. Todos eles têm o direito de escolher o partido que quiserem, como cidadãos, mas, como funcionários públicos, têm de executar o programa do Governo eleito. Não podem boicotar.

Isso aconteceu?
Aconteceu.

O que é decisivo nos próximos cinco anos?
Uma boa governação. E isso só se faz com alguma experiência de governação. Nem o CNRT nem outro partido aqui têm essa experiência. Será decisivo o investimento no desenvolvimento rural e melhoria da qualidade de vida das comunidades, mas também o investimento da saúde, na educação, nas infra-estruturas. Fundamentalmente na economia de base e abrir caminho para que as pessoas se aproximem e se enquadrem na economia de mercado.

É a mesma conversa de há cinco anos - parece que estes nunca existiram?
E algum país resolve em cinco anos os problemas todos?

Há deslocados internos de novo?
Há cinco anos não tínhamos, foi a crise...

Há tropas estrangeiras de novo em Timor?
Naturalmente, mas se tivesse vindo cá há um ano, não existiam tropas estrangeiras nenhumas. Porquê. Porque houve uma crise provocada.

Infra-estruturas que não se vêem?
Recebemos este país com 70% das infra-estruturas destruídas. Agora, estão 1 200 escolas a funcionar, algumas construídas de raiz outras reabilitadas. Se me perguntar se estão nas melhores condições, não estão, é preciso melhorá-las. Temos hospitais nos 13 distritos, centros de saúde em muitas partes do país, mais de 400 médicos, mais de 2 mil enfermeiros, parteiras, etc. Nunca este país teve isto.

Ameaças

«A linguagem corporal de Xanana diz muita coisa»

Xanana diz que continua seu amigo. É verdade?
Ele também diz que sabe fingir muito bem. O que mostra um grande cinismo na sua relação com as outras pessoas. Mas não o considero meu inimigo. Mal de mim considerar inimigo uma pessoa que continuo a respeitar pelo seu passado recente, na libertação deste povo. Talvez o considere um adversário que se excede nos seus discursos. Ainda ontem [27 de Junho] disse isso no comício [em Díli]:«Estou aqui a criticar Xanana, mas no passado dele ninguém toca.»

Só que amigo é uma palavra muito grande?
Nós éramos muito amigos. Ele sabe. No período colonial, como eu era topógrafo, ganhava um bocadinho melhor, Xanana era das poucas pessoas a quem emprestava o meu carro descapotável (um Daihatsun) para ele ir namorar. Éramos tão amigos que teve a confiança de me nomear, ainda Cipinang, como responsável pelas negociações do petróleo com a Austrália. E continuei a negociar o Mar de Timor até deixar o Governo. Ele nunca pôs em causa a minha postura transparente e de defesa dos direitos do povo neste caso. Os resultados estão aí.

O que correu mal entre os dois?
Foi a questão do poder. Xanana foi eleito Presidente, nos termos definidos pela Constituição, só que ele é o comandante... E nenhum comandante gosta de perder o comando. Ao candidatar-se a Presidente, deveria ter visto primeiro quais eram as suas competências. Se ele queria o poder do primeiro-ministro, deveria ter criado um partido em 2000 ou 2001 e concorrer às eleições. Teria todas as hipóteses de derrotar e vencer.

Agora é tarde?
É.

Há um plano para matar Alkatiri, como disse o seu partido em comunicado?
Foi uma interpretação que se fez de uma declaração do engenheiro Mário Carrascalão (líder do PSD), que disse que me queria eliminar política e democraticamente. O que ele diz também é que Xanana quer eliminar-me a todo o custo. O que se subentende disto é que ele não olha a meios.

Mas tem alguma outra fonte de informação para sustentar essa ameaça?
Há todo um ódio que Xanana mostra na sua campanha à minha pessoa. Não é só que ele diz, mas também a linguagem corporal - isso diz muita coisa, às vezes diz mais do que as palavras. Xanana mostra ódio quando fala de mim. Não como um adversário, mas como um inimigo a abater.

A crise

«Tentaram capturar-me»

O que saiu errado nestes cinco anos?
A gestão das duas principais instituições de defesa e de segurança. Reconhecemos isso. Mas é preciso ver que, mesmo em relação a essas duas instituições, não estava bem claro quem comandava o quê. Xanana, na sua entrevista à VISÃO, acabou por reconhecer aquilo que eu suspeitava: a partir do momento que perdeu influência sobre as Forças [de Defesa de Timor-Leste], passou a comandar a polícia, através de [superintendente] Paulo Martins. A polícia, comandada por nós, conseguiu conter as manifestações da Igreja, em 2005, sem um único incidente. Mas a polícia, comandada por Xanana, em 2006, não conteve as manifestações intencionalmente para provocar a crise e a queda do Governo.

Nessa leitura, não deve surpreendê-lo a presença de Paulo Martins na lista do CNRT.
Claro, nas minhas análises de conspiração, já incluía isso como um dado.

Já agora, quais são os outros dados?
Xanana vem agora confirmar que era ele quem comandava a polícia. E, no dia 28 de Abril [de 2006], quem estava a comandar a polícia tinha de certeza nos seus planos a minha captura.

A sua captura?
Naquele dia, a polícia quis levar-me do hotel Timor para o comando [da polícia] e depois para um distrito que não sei qual seria.

Pode concretizar quem era?
Se era Xanana quem tinha o comando, de certeza que as ordens eram dele. [a captura] só não se concretizou, porque eu disse aos meus guarda-costas, àqueles mais leais e que continuam comigo até agora, que o destino final seria a minha casa. Depois, Paulo Martins veio aqui, com o seu adjunto, e zangaram-se os dois com os meus guarda-costas.

Se havia a intenção de o capturar, por que não o fizeram noutro momento?
Eu tinha aqui um guarda pessoal, que estava aqui mais para me controlar do que para me proteger, o senhor Afonso, que viveu aqui muitos dias comigo. Só que eu tinha pedido a um grupo das FDTL [militares] e o brigadeiro Taur Matan Ruak mandou a sua própria guarda de vinte pessoas. No dia seguinte, o senhor Afonso fugiu. Para onde? Precisamente para Balibar, para junto do Xanana. Por coincidência, 28 de Abril foi o dia em que eu e Ramos-Horta fomos falar a Balibar [onde fica a residência privada de Xanana] com o Presidente e encontrei aquele senhor lá.

Concorda com Xanana quando ele diz que isto foi tudo «uma brincadeira para ver quem tinha mais poder»?
Se foi brincadeira, foi da parte dele.

Como interpreta o aparecimento do CNRT, liderado por Xanana Gusmão?
A entrevista de Xanana Gusmão à VISÃO é muito auto-denunciadora. Descuidou-se ou fez de propósito.

Ele mente em algum momento dessa entrevista?
Completamente. Ele fala de conversas entre nós dois que nunca aconteceram. Sempre reconheci em Xanana Gusmão um indivíduo que reage pelas emoções, mas nunca pensei que fizesse todo o seu discurso na base da mentira. Ele mente descaradamente.

Mente na parte que revela o que se passou no Conselho de Estado em que o convidou a apresentar a demissão?
Eu até soube que a ABC [cadeia televisiva australiana] não estava para colocar no ar aquele programa [sobre a alegada distribuição de armas do Governo a civis e que foi usado como argumento para a destituição do chefe do Governo]. Foi solicitado daqui que o programa fosse colocado para se ter um elemento para me poderem acusar.

Pela Presidência?
lguém próximo da Presidência, não foi Xanana directamente.

Quem foi?
Alguém próximo... A verdade é que havia elementos errados. Xanana diz que mandei um SMS para Railós [o homem que denunciou ter recebido as armas de Rogério Lobato, ex-ministro do Interior posteriormente condenado a sete anos e meio de prisão no âmbito deste caso] a dizer: «Para onde vais?» Não dizia mais nada. Por que ele mandou-me um SMS a dizer que estava a caminho de não sei onde... Xanana diz [na entrevista] que não me recordava das datas [do encontro com Railós] e que depois eu lembrei-me que foi em 8 de Maio. Claro que me lembrava: foi a única vez que estive com Railós em toda a minha vida. Está certo que, como ele telefonou para Xanana, também telefonou para mim. Nem sempre atendia porque já sabia que se estava a tentar gravar as conversas. Mas se alguém gravava, não tinha problema nenhum, porque não tive nada a ver com Reilós.

Mas ele esteve em sua casa.
Ele veio aqui com Rogério Lobato, como todos sabem. Railós esteve aqui dez ou quinze minutos, não mais. Ele e mais dois. Xanana sabe disso. Xanana queria inicialmente acusar a Fretilin de ter importado dois contentores de armas. Foi aí que eu disse: «O senhor Presidente viu algum contentor?» Veio a comissão internacional de inquérito e fez uma investigação profunda sobre a história das armas. A ministra do Plano e das Finanças esteve quatro horas com eles. As alfândegas ainda mais. Foi provado por A mais B de que um dos contentores era para a polícia e o outro para as FDTL, mas não eram armas. Eram munições e outros equipamentos. A partir daí essa acusação já não serviu e agarrou-se ao grupo de Railós para ver se me apanhava. O objectivo não era apanhar Rogério Lobato. Era eu.

O senhor encobriu informações à Presidência sobre este caso?
Xanana é um obsessivo. Se ele pensa que a verdade é uma e ele não a encontra, então é porque alguém está a mentir.

Em Timor, obviamente um dos senhores, Mari Alkatiri ou Xanana Gusmão, mente. Algum dia saber-se-á a verdade...
Por isso mesmo, desafiei Xanana para um debate público. O povo precisa da verdade. Não pode ser só um a apresentar a sua versão e o outro a dizer que é mentira e nunca se confrontarem os dois cara a cara na televisão e na rádio, colocando os factos na mesa. Isso teria sido óptimo nesta campanha. Já tentámos, em termos restritos, resolver os problemas e não deu. Já nos abraçámos, já chorámos, mas saímos os dois do gabinete a dizer que o outro é que é culpado.

Corrupção, nepotismo, integração do aparelho de Estado pelo partido?
...Ele [Xanana] vomita tudo isso, mas não diz por que acha que isso acontece. Em qualquer parte do mundo, o partido com maioria absoluta governa. Quer fazer democracia, mas continua com aquela mentalidade de guerrilha: todos juntos a ser comandados por ele.

Amnistia

«Hoje já ninguém fala dos crimes do apartheid»

Foi um erro chamar Rogério Lobato para o Governo?
Bom, erro ou não, isso depende... A verdade é que, em Janeiro ou Fevereiro de 2006, o Dr. Ramos-Horta veio ter comigo a dizer que tinha estado com Xanana e que ele estava a pensar sugerir-me passar o Rogério para a Defesa, porque ele tinha feito um bom trabalho no Ministério do Interior. Eu é que disse: «Vocês não sejam loucos, isso não vai acontecer.» Nos encontros semanais comigo, criticava Roque Rodrigues porque era um ministro [da Defesa] ineficiente. Mas elogiava Rogério Lobato: «É um ministro que se preocupa com a instituição.» Ele disse-me isso. Bom... dizia eu: »Não exagere.» Em 27 de Março de 2006 (essa data nunca me hei-de esquecer porque é o aniversário da Polícia Nacional de Timor- Leste e por coincidência a minha neta nasceu nesse dia), Xanana, no seu discurso, disse que polícia está bem institucionalizada, tem um ministro, querendo fazer passar a mensagem contrária em relação às FDTL. Depois disso é que vem dizer que Rogério estava mal...

Mas agora Rogério Lobato está preso e há uma lei de amnistia que já levantou a crítica de ser feita à medida do caso dele. Quer comentar?
É bom dá-la a ler aos técnicos para verem se é à medida ou não. Até porque o actual Presidente, quando era primeiro-ministro, foi ao Parlamento defendê-la.

O senhor concorda com essa amnistia?
Concordo, mas toda a amnistia deve ser feita pós-sentença. Não em abstracto.

Não se arrisca a transmitir uma ideia de impunidade?
A impunidade transmite-se quando as lideranças não encontram uma forma de caracterizar os actos dentro do seu contexto. Tudo o que aconteceu neste país, de Abril do ano passado até há uns tempos atrás, foi feito num contexto de crise política. Não pode ser apenas a justiça a resolver uma crise política. É assim em todo o lado do mundo. Vimos na África do Sul, onde o apartheid era um crime contra a humanidade, imprescritível. Mas hoje já ninguém fala dos crimes do apartheid, porque há um contexto político que deve ser levado em consideração. Mas a verdade todos devem conhecer, porque faz parte da História.

Partido comunista

«A Fretilin hoje faz parte da grande família da Internacional Socialista»

Concorda que o velho duelo entre Xanana e Fretilin, desde que ele saiu do partido, vai ser jogado agora?
Na entrevista [à VISÃO], ele aborda mal a questão porque diz que fui contra [a saída]. Ele deveria ter sido mais honesto e dizer que, na altura, eu apoiei-o e que quem esteve contra foi Abílio Araújo.

Por que Xanana nunca voltou à Fretilin?
Em 1998, quando fizemos a conferência nacional em Sydney, ainda falei com ele por telefone, pensando que a estratégia dele seria idêntica à de Mandela: uma vez fora da cadeia, voltaria ao partido. Mas ele disse claramente que não o faria, porque preferia continuar como figura de equilíbrio. Respeitei essa opinião. No meu regresso [a Timor] em 1999, ele disse que ia receber o Banco Mundial e o FMI [Fundo Monetário Internacional] e precisava de mim a seu lado. Foi o primeiro encontro que tive com Lu Olo, Taur Matan Ruak e outros comandantes e começámos a falar da necessidade da reestruturação da Fretilin. Mas Xanana opôs-se e disse que o partido não devia ter a pretensão de ser um partido de massas, apenas de quadros. Ou seja, nós passávamos a ser uma organização de quadros para deixar que os outros partidos existissem...

A Fretilin é um partido comunista?
O único período que a Fretilin se afirmou marxista-leninista foi na liderança de Xanana. Ele é que o transformou em partido marxista-leninista em 1981. Quando é confrontado com este facto, diz sempre que o fez na continuidade de um processo que estava em curso e tinha sido liderado pelos outros - que já tinham morrido. Até os mortos são culpados pelos actos dele.

Qual é a ideologia da Fretilin?
A Fretilin hoje faz parte da grande família da Internacional Socialista. É membro de pleno direito. Se as pessoas disserem que o Partido Socialista português ou o Partido Trabalhista britânico são comunistas, então não têm cultura política.

Não é a polémica votação de braço no ar, no último congresso da Fretilin, uma prática associada a uma organização comunista?
Quando nós estávamos a votar de braço no ar aqui em Díli, também o PSD o fez em Portugal [sic]. E o Partido Trabalhista australiano também permitiu que uma pessoa votasse em nome de não sei quantas. Só não é democrático, quando é connosco. (VISÃO)

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