23 novembro 2011/Carta Maior http://www.cartamaior.com.br
Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), diz que tragédia ambiental na bacia de Campos é oportunidade para rever lei do pré-sal. Para ele, Petrobras, escolhida como operadora da área, poderia administrar sozinha todo o processo exploratório sem depender de estrangeiras selecionadas através de leilões.
Marcel Gomes
São Paulo – O presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, espera que o vazamento de petróleo em um poço explorado pela companhia Chevron, na bacia de Campos, sirva de impulso para a revisão da lei do pré-sal, com o objetivo de garantir exclusividade à Petrobras na exploração da área.
A lei, sancionada em 2010 pelo presidente Lula, determina a realização de leilões para definir qual empresa explorará cada poço, mas caberá à Petrobras o papel de operadora, com 30% da futura sociedade exploratória. Para Siqueira, o know-how da Petrobras em águas profundas diminui os riscos do processo e garante que o produto será utilizado em benefício dos brasileiros.
“Na época dos debates sobre a nova lei, eu perguntei a assessores do governo Lula por que manter os leilões, e me responderam que não havia respaldo político na sociedade para acabar com eles. Para isso, seriam necessários pressão popular e povo nas ruas. Eu tenho feito 80 palestras por ano justamente para defender essa causa”, disse ele à Carta Maior.
Nesta entrevista, Siqueira também analisa o acidente da Chevron, diz que o problema teve natureza técnica (“sucessão de erros e mentiras”) e que não acredita que a empresa estivesse tentando atingir o pré-sal (“a sonda que eles estavam usando tem mais de 35 anos e, portanto, é obsoleta para o pré-sal”). Leia os principais trechos a seguir.
Carta Maior – O que causou o acidente?
Fernando Siqueira – O presidente da Chevron disse na TV Globo no dia 18 que “nossos engenheiros subestimaram a pressão do reservatório”. É uma declaração evasiva para fugir da realidade. A Chevron já possui poços em produção no mesmo reservatório que vazou, portanto conhece a pressão. O que eles erraram foi o dimensionamento da lama de perfuração [mistura de argila, aditivos químicos, água, entre outros produtos, que é injetada no poço por meio de bombas]. A lama tem a função de refrigerar a broca, expelir o material retirado e equilibrar a pressão do poço, para impedir que as paredes desmoronem. Quando eles finalizaram a perfuração, o pico de pressão já era um indício de que o controle do poço estava perdido.
CM – Não havia como retomar o controle?
FS – Havia, mas eles cometeram um outro erro. Ao perceber o problema, aplicaram uma pressão forte demais para retomar o controle do poço e fraturaram o reservatório. Isso é muito preocupante, porque é difícil mapear a localização de fraturas. A Chevron já "matou" o poço com a aplicação de cimento, e agora precisa correr atrás das fraturas.
CM – Foi uma sucessão de erros.
FS – De erros e de mentiras. Primeiro a Chevron não percebeu o vazamento, que foi detectado pela Petrobras. Depois a empresa insinuou que o óleo era do campo de Roncador, da própria Petrobras, o que foi descartado pelo nosso centro de pesquisa [da estatal] após análise do DNA do petróleo. Confirmado a origem, a Chevron ainda subdimensionou o vazamento.
CM – Então o senhor acredita em erro técnico? Descarta a hipótese que surgiu de que a Chevron tentava atingir a camada pré-sal?
FS – Não acredito nessa hipótese. A sonda que eles estavam usando tem mais de 35 anos e, portanto, é obsoleta para o pré-sal. O aluguel dela custava à empresa 315 mil dólares por dia à empresa, enquanto uma plataforma adequada para aquela profundidade custaria 700 mil dólares.
CM – Diante de tantos erros, faltou fiscalização dos órgãos de controle?
FS – Constatados os erros sucessivos, teria de suspender a Chevron. Há a possibilidade de aplicação de multa, mas os valores que praticamos no Brasil são irrisórios perto do montante envolvido com um negócio desse tipo.
CM – A maior ação judicial contra uma companhia norte-americana fora dos Estados Unidos tem como ré justamente a Chevron, no Equador, em um montante estimado em US$ 27 bilhões, por degradação ambiental e contaminação de comunidades inteiras. Houve o recente problema com a BP no Golfo do México. Como melhorar o controle sobre essas companhias?
FS – Todas essas empresas têm histórico de poluição e depredação ambiental no mundo todo. A Shell destruiu a biodiversidade do delta do rio Níger de tal maneira que a Nigéria hoje importa peixe. Por isso eu defendo mudanças na política do país para o setor, com o fim dos leilões, simplesmente porque quem detém hoje a tecnologia de exploração em águas profundas é a Petrobras. Já que a lei do presidente Lula, corretamente, definiu que a Petrobras será a operadora de todos os campos, para que precisamos de um parceiro internacional que pode desrespeitar nossas leis e ainda levar metade do petróleo?
CM – A Petrobras tem condições executar toda a exploração sozinha?
FS – Na verdade ela é uma intermediária, mesmo papel que as empresas do exterior irão fazer. Nesse caso, deveríamos optar pela melhor intermediária, que é a Petrobras. Os três gargalos da exploração em água profundas são perfuração, operação no fundo do mar e linha flexível entre fundo do mar e navio. A perfuração é feita por um conjunto de empresas internacionais que oferecem o serviço, não são as petroleiras, e a Petrobras participou do desenvolvimento de todo esse know-how. O sistema de operação no fundo do mar, através de válvulas remotamente controladas, também foi 60% desenvolvido pelo Centro de Pesquisa da Petrobras. Por fim, a linha flexível é um serviço oferecido por uma série de empresas. Enfim, a Petrobras pode intermediar toda essa tecnologia melhor do que qualquer um.
CM – O debate sobre a lei que rege a exploração do pré-sal se concentrou no debate entre concessão e partilha e no volume dos royalties para Estados produtores. O fim dos leilões e a elevação da Petrobras a um papel mais central foram questões secundárias. Por quê?
FS – Na época dos debates sobre a nova lei, eu perguntei a assessores do governo Lula por que manter os leilões, e me responderam que não havia respaldo político na sociedade para acabar com eles. Para isso, seriam necessários pressão popular e povo nas ruas. Eu tenho feito 80 palestras por ano justamente para defender essa causa. Na década de cinqüenta, quando o petróleo era apenas um sonho, houve um grande movimento cívico por essa causa. Agora que o sonho se tornou realidade e o Brasil virou o Iraque da América do Sul, temos obrigação de manter esse bem para o povo brasileiro.
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