sexta-feira, 22 de julho de 2016

O CREPÚSCULO DA OTAN



12 de Julho de 2016, Rede Voltaire http://www.voltairenet.org  (França)

Thierry Meyssan*, Damasco (Síria)

A história da Otan e as suas acções actuais permitem compreender como o Ocidente construiu as suas mentiras e porquê está agora refém delas. Os elementos contidos neste artigo são chocantes, mas é impossível desmentir os factos. Quando muito podem-se agarrar às mentiras e persistir em manter-se nelas.


Aquando da reunião de Istambul, a 13 de Maio de 2015, os dirigentes da Otan terminam uma refeição bem regada. Eles troçam dos cretinos que acreditam no seu discurso de paz ao cantar «We are the world». Reconhece-se neste indecente vídeo o General Philip Breedlove, Jens Stoltenberg, Federica Mogherini e numerosos ministros da Defesa.

A cimeira dos chefes de Estado e de governo da Otan acaba de se realizar em Varsóvia (7 e 8 de Julho de 2016). O que devia marcar o triunfo dos Estados Unidos sobre o resto do mundo, foi, na realidade
o início da debacle.

Lembremos o que é a Aliança Atlântica.

O que foi a Aliança

No final da Segunda Guerra Mundial, as elites europeias estavam em pânico com a ideia de uma possível subida ao poder dos Partidos comunistas, colocaram-se assim, em 1949, sob o «guarda-chuva» norte-americano. Tratava-se, antes de tudo, de estar à altura de ameaçar os Soviéticos para os dissuadir de apoiar os comunistas ocidentais.

Os Estados Ocidentais estenderam progressivamente a sua aliança, nomeadamente nela incluindo os Alemães Ocidentais, que tinham sido autorizados a reconstituir o seu exército, em 1955. Inquieta com as capacidades da Aliança, a URSS respondeu a isto criando o Pacto de Varsóvia, seis anos após a criação da OTAN.

No entanto, com a guerra fria, as duas alianças evoluíram de maneira imperial: de um lado, a OTAN, dominada pelos Estados Unidos e em menor escala pelo Reino Unido, do outro, o Pacto de Varsóvia, dominado pela União Soviética. De facto, tornara-se impossível deixar essas estruturas: a OTAN não hesitou em utilizar o Gládio para organizar golpes de Estado e recorrer a assassinatos políticos preventivos, enquanto o Pacto de Varsóvia invadia abertamente a Hungria e a Checoslováquia, que tinham manifestado veleidades de independência.

Antes mesmo da queda do Muro de Berlim, a União Soviética pôs fim a este sistema. Mikhail Gorbachev deixou cada estado-membro do Pacto de Varsóvia retomar a sua independência («My Way»), o que ele denominou ironicamente a sua «Doutrina Sinatra». Quando a URSS se afundou os seus aliados dispersaram, e foram precisos vários anos de estabilização antes que se constituísse a actual Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC). Tendo assimilado os erros do passado, esta é baseada numa estrita igualdade dos Estados-Membros.

Note-se, de passagem, que a OTAN tal como o (extinto) Pacto de Varsóvia são organizações contrárias à Carta das Nações Unidas, já que os Estados-membros perdem a sua independência ao aceitar colocar as suas tropas sob comando norte-americano ou soviético.

Contrariamente à Rússia, os Estados Unidos permaneceram como um império e continuam a utilizar a OTAN para dirigir os seus aliados a toque de caixa. O objectivo inicial de fazer pressão sobre os Soviéticos, para que eles não ajudassem os comunistas ocidentais a aceder ao poder, não mais tem razão de ser. O que resta, portanto, é apenas uma tutela norte-americana.

Em 1998, a OTAN desencadeou a sua primeira guerra, contra um estado minúsculo (a actual Sérvia) que não a havia ameaçado fosse de que forma fosse. Os Estados Unidos criaram lentamente as condições para o conflito, treinando a máfia kosovar em terrorismo na base turca de Incirlik, organizando depois uma campanha de terror na Sérvia, acusando em seguida o governo sérvio de a reprimir de maneira desproporcionada. Após a bigorna ter esmagado a mosca, constatou-se nas chancelarias que a Aliança era, na realidade, muito pesada e pouco eficiente. Iniciaram-se, então, profundas reformas.

A Aliança desde o 11 de Setembro de 2001

Com o desaparecimento da URSS, não restava mais nenhum Estado no mundo capaz de rivalizar militarmente com os Estados Unidos, e, portanto, ainda menos com a Otan. Normalmente esta deveria ter desaparecido, mas nada disso se passou.

Primeiro um novo inimigo surgiu : o terrorismo. A seguir ele atacou diversas capitais da Aliança, obrigando os Estados-membros a vir em socorro uns dos outros.

É claro que não há nenhuma comparação entre o que foi o Pacto de Varsóvia e um bando de barbudos escondidos numa caverna no Afeganistão. No entanto, todos os Estados-membros da OTAN fingiram acreditar, já que não têm escolha: o único meio de proteger as suas populações é assinar os comunicados da OTAN, para manter o discurso único obrigatório.

Apesar de uma abundante literatura histórica, os Ocidentais ainda não compreenderam que a OTAN foi criada pelas suas classes dominantes contra eles, e que ela é hoje em dia utilizada pelos Estados Unidos contra as suas elites. O caso é um pouco diferente em relação aos Estados Bálticos e à Polónia, os quais entraram recentemente na Aliança e estão ainda na primeira fase do temor das elites face aos comunistas.

A zona geográfica quase ilimitada da Aliança

Se a OTAN fosse uma aliança defensiva, ela limitar-se-ia a defender os seus Estados-membros, mas, em vez disso, tem alargado a sua zona de intervenção geográfica. Ao ler o comunicado final de Varsóvia, constata-se que ela se mete em tudo: da Coreia —onde os Estados Unidos nunca assinaram a paz com a República Democrática— à África —onde o Pentágono ainda espera instalar o AfriCom—. A única parte do mundo que lhe escapa é a América Latina, a zona reservada de Washington («doutrina Monroe»). Em todos os outros lugares, os vassalos do Pentágono são instados a enviar as suas tropas para defender os interesses do seu suserano.

A Aliança está hoje em dia envolvida em todas as guerras. Foi ela que coordenou a queda da Líbia, em 2011, mesmo após o comandante do AfriCom, o general Carter Ham, ter protestado contra o emprego da Al-Qaida para derrubar Muammar el-Kaddafi. É ela, ainda, quem coordena a guerra contra a Síria desde a instalação do Allied Land Command (Comando Aliado Terrestre- ndT), em 2012, em Esmirna, na Turquia.

Pouco a pouco, Estados Não-europeus foram integrados na OTAN, com níveis diversos de participação. Os últimos, à data, são o Barein, Israel, a Jordânia, o Catar e o Koweit, que dispõem, cada um, de um Gabinete na sede da Aliança, desde 4 de Maio.

 

O que é a Aliança é hoje em dia

Cada Estado-membro é solicitado a armar-se para participar nas próximas guerras e a isso consagrar 2% do seu PIB, mesmo se ainda se está, na realidade, longe do exigido. Como estes armamentos devem ser compatíveis com as normas da OTAN solicita-se que sejam comprados em Washington.

Claro, restam ainda algumas produções nacionais de armamento, mas não por muito tempo. No decurso dos últimos vinte anos, a OTAN forçou sistematicamente o encerrar das fábricas de aeronáutica militar dos seus Estados-Membros, salvo a dos Estados Unidos. O Pentágono anunciou a criação de um avião multi-tarefas, a um preço imbatível, o F-35 Joint Strike Fighter. Todos os Estados o encomendaram e fecharam as suas próprias fábricas. Vinte anos mais tarde, o Pentágono ainda não está em condições de produzir um único destes aviões multi-tarefa e continua a apresentar durante as feiras de armamento aviões F-22 reciclados. Os clientes são constantemente solicitados a financiar as pesquisas, enquanto o Congresso estuda o relançamento da produção de antigos aviões porque, provavelmente, o F-35 jamais verá a luz do dia.

A OTAN funciona, portanto, como uma empresa de extorsão: os que não paguem terão de enfrentar atentados terroristas.

Tendo os EUA empurrado os seus aliados para se tornarem dependentes da sua indústria militar cessaram de a aperfeiçoar. No entretanto, a Rússia reconstituiu a sua indústria de armamento e a China está prestes a fazê-lo. No momento, o exército russo já ultrapassou o Pentágono em matéria de armamento convencional. O sistema que pôde colocar no Oeste da Síria, no mar Negro e em Kaliningrado permite-lhe desactivar os sistemas de comando da OTAN, os quais tiveram que renunciar a vigiá-la nestas regiões. E, em material aeronáutico, ela produz já aviões multi-função de deixar verdes de inveja os pilotos da Aliança. A China, por sua vez, deverá ultrapassar a OTAN em material convencional daqui a dois anos.

Os Aliados assistem, pois, à decrepitude da Aliança, que é também a sua, sem reagir, com a excepção do Reino Unido.

O caso do Daesh (E.I.)

Após a histeria dos anos 2000 a propósito da Al-Qaida, um novo inimigo nos ameaça: o Emirado Islâmico no Iraque e no Levante, conhecido como «Daesh». Foi pedido a Todos os Estados-Membros juntarem-se à «Coligação Mundial» (sic) para o derrotar. A cimeira de Varsóvia felicitou-se pelas vitórias conseguidas no Iraque, e mesmo na Síria, apesar «da intervenção militar da Rússia, a sua significativa presença militar, o seu apoio ao regime» que constituem uma «fonte de riscos e [de] desafios suplementares para a segurança dos Aliados» (sic) [1].

Tendo toda a gente percebido muito bem que o Emirado Islâmico tinha sido criado, em 2006, pelos Estados Unidos, garantem-nos que a organização hoje em dia se voltou contra eles, como nos tinham impingido a propósito da al-Qaida. Mesmo assim, a 8 de Julho, enquanto o Exército árabe sírio combatia contra grupos terroristas, entre os quais o Daesh (EI), a Leste de Homs, a Força aérea americana veio apoiá-los durante quatro horas. Desta vez para benefício do Daesh com o propósito de destruir metodicamente o “pipeline” ligando a Síria ao Iraque e o Irão. Ou, novamente, aquando dos atentados de 4 de Julho na Arábia Saudita (nomeadamente face ao Consulado norte-americano de Jeddah, do outro lado da rua) o Daesh utilizou explosivos militares high tech (alta tecnologia) que actualmente só o Pentágono possui. Não é, pois, difícil compreender que com uma mão o Pentágono combate o Emirado Islâmico em certas zonas, enquanto, com a outra, lhe fornece armas e um apoio logístico em outras zonas.

O exemplo ucraniano

O outro bicho-papão é a Rússia. As suas «acções agressivas (…) e incluindo as suas provocadoras actividades militares na periferia do território da OTAN, e a sua vontade revelada de atingir objectivos políticos através da ameaça ou do emprego da força, constituem uma fonte de instabilidade regional, representam um desafio fundamental para a Aliança» (sic).

A Aliança reprova-lhe ter anexado a Crimeia, o que é exacto, negando aqui o contexto desta anexação: o golpe de Estado organizado pela CIA em Kiev e a instalação de um governo que inclui nazis. Em suma, os membros da OTAN têm todos os direitos, enquanto a Rússia violaria os acordos que tinha concluído com a Aliança.

A cimeira de Varsóvia

A cimeira não permitiu a Washington colmatar as brechas. O Reino Unido que acaba de pôr um fim à sua «relação especial» saindo da União Europeia recusou-se a aumentar a sua participação na Aliança para compensar o esforço que cancelou no seio da UE. Londres refugiou-se atrás da sua próxima mudança de governo para iludir as questões.

No máximo puderam tomar duas decisões: instalar bases permanentes na fronteira russa e desenvolver o escudo anti-míssil. Sendo a primeira decisão contrária aos compromissos da OTAN, agirão instalando tropas que alternarão de modo que não haverá aí nenhum contingente permanente, mas, em que as tropas estarão sempre presentes. A segunda consiste em utilizar o território de Aliados para aí colocar soldados norte-americanos e um sistema de armas. Para não vexar os povos que ocuparão, os Estados Unidos aceitaram colocar o escudo anti-míssil não não sob o seu comando, mas sob o da OTAN.

O que apenas muda no papel, já que o Comandante supremo da Aliança, actualmente o general Curtis Scaparrotti, é obrigatoriamente um oficial norte-americano nomeado unicamente pelo Presidente dos Estados Unidos.

Tradução Alva

*Thierry Meyssan: Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008). 

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