quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Cabo Verde/Guiné-Bissau/"Não sabíamos que íamos fazer história" - diplomatas

Praia, 20 janeiro 2010 (Angola Press) - A 02 de Abril de 1972, cinco membros da primeira missão especial da ONU enviada à então província portuguesa da Guiné-Bissau haviam chegado a Conakry (capital da Guiné-Conakry).

A missão fora insistentemente pedida pelo então líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, que solicitara às Nações Unidas uma observação in loco da situação nas "zonas libertadas" pela guerrilha no Centro e Sul do que é hoje o território da Guiné-Bissau.

"Portugal tentou sabotar a missão, mas o PAIGC teve imensos cuidados. Foi duro e difícil, mas conseguimos ver a obra já então feita. Vimos escolas, hospitais, armazéns do povo e a democracia a funcionar", contou à agência Lusa um dos três diplomatas - a missão integrava mais um fotógrafo e um "administrativo" - que visitaram a região.

Hoje, 38 anos depois, o embaixador sueco Folke Lofgren, na altura alto funcionário das Nações Unidas, disse ter ficado "impressionado" com a forma "exemplar" como o PAIGC, que lutava há nove anos contra Portugal pela independência da colónia, conseguiu implantar um "sistema igualitário" nas "zonas libertadas".

"Entramos por Canjafra (fronteira entre a Guiné-Conakry e a Guiné-Bissau) e fomos recebidos pelo então comandante da Região Sul. Era Pedro Pires [actual chefe de Estado cabo-verdiano]. Ouvíamos as bombas ali mesmo ao lado, mas o PAIGC sabia o que fazia", lembrou à Lusa Folke Lofgren, hoje diplomata reformado e que, curiosamente, tem grandes semelhanças físicas com o comandante português Alpoim Calvão.

Horácio Sevilla Borja, actual embaixador do Equador em Berlim, era também um alto funcionário da ONU e acompanhou-o.

"Muitas vezes tivemos medo. As bombas e os tiros (disparados pelas tropas portuguesas) estiveram muitas vezes perto de nós", contou à Lusa, recordando que as caminhadas pelas "zonas libertadas" eram sempre feitas de noite.

"Mas rapidamente percebemos que a decisão da ONU de enviar a missão tinha todo o sentido. Escrevemos depois um relatório a dizer que o PAIGC era o único e legítimo representante do povo guineense e, mais tarde, soubemos que a nossa visita acabara por fazer história, ao mudar o rumo dos acontecimentos", acrescentou o diplomata equatoriano.

A missão, decidida pela Comissão de Descolonização e Autodeterminação das Nações Unidas e que integrou também o então diplomata tunisino Kamel Belkhiria, actualmente "bastante doente", terminaria a 08 de Abril de 1972 e a Guiné ainda assistiu ao assassínio de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, antes de declarar unilateralmente a independência, a 24 de Setembro do mesmo ano.

Cabo Verde, que nunca chegou a ser palco do conflito militar, acabaria por aceder à independência dois anos mais tarde, a 05 de Julho de 1975.

Os dois diplomatas reencontraram-se com Pedro Pires, que, aproveitando o 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, os condecorou com a segunda mais alta distinção do Estado cabo-verdiano, o segundo grau da Medalha Amílcar Cabral.

"Vou cumprir, finalmente, um acto de reconhecimento às vossas ilustres pessoas e ao vosso feito solidário e altruísta em favor da nossa luta, que há muito podia ter sido feito. Estávamos diante de uma omissão que exigia que fosse corrigida e que hoje se cumpre", disse Pedro Pires, na cerimónia.

"Reitero-vos a minha admiração e apreço pela vossa coragem, coerência e compromisso indefectível com as lutas de libertação dos povos dominados. Não foi fácil. Sei como foram duros, física e psicologicamente, os dias que souberam ultrapassar com humildade e forte sentido de missão", concluiu.

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