quinta-feira, 5 de maio de 2016

Um golpe dos donos de escravos no Brasil?/A Slavers’ Coup in Brazil?



4 maio 2016, Carta Maior http://cartamaior.com.br (Brasil)

Greg Grandin, The Nation

A revista americana The Nation destaca que entre os grupos que buscam promover o golpe, há um pouco discutido: o das empresas que lucram com a escravidão

The Nation, a revista mais antiga dos Estados Unidos, fundada em 1865, e uma das mais bem conceituadas por sua seriedade, publica artigo devastador sobre interesses por trás do golpe em curso no Brasil.

Um golpe dos donos de escravos no Brasil?

Entre os opositores da combatida – e ameaçada de perder o cargo – presidente do Brasil, Dilma Rousseff, existe um grupo com interesses comuns que se pensava haver perdido seu poder político há cerca de um século: os donos de escravos. Há alguns dias um artigo no The New York Times, que documentou os muitos crimes dos políticos envolvidos no processo de impeachment, disse o seguinte acerca de Beto Mansur, um ardoroso deputado em sua oposição ao Partido dos Trabalhadores (ou PT): “Ele é acusado de manter 46 trabalhadores em suas fazendas de soja no Estado de Goiás em condições tão deploráveis que os investigadores disseram serem eles tratados como escravos modernos.”

A escravidão não é, claro, o principal eixo de conflito entre o governo do PT e seus opositores. Outros – incluindo Mark Weisbrot, Glenn Greenwald, David Mirada, Andrew Fishman, Gianpaolo Baiocchi, Ben Norton e Dave Zirin – documentaram os muitos e diferentes interesses de classe e de status que se aliaram, usando o bordão da “anti-corrupção” tanto para desviar a atenção de sua própria
venalidade como para começar a reversão das políticas levemente redistribucionistas do PT, que vem governando o Brasil desde 2003 . Quando se menciona a escravidão, isto é geralmente feito como uma herança. O Brasil importou mais africanos escravizados que qualquer outra nação americana, e foi o último país do hemisfério a abolir a instituição, em 1888. Como é o caso das nações historicamente fundadas sobre o colonialismo e a escravidão, a política econômica federal do PT, orientada para o alívio da pobreza e redução da desigualdade, tem um viés racial. Isto era verdade em 1964 quando um governo levemente reformista foi derrubado em um golpe (como minha colega da MYU, Barbara Weinstein, escreve em seu maravilhoso novo livro The Color of Modernity: São Paolo and the Making of Race and Nation in Brazil - A Cor da Modernidade: São Paulo e a Formação da Raça e da Nação no Brasil). E é verdade hoje, 56 anos depois.

Mas, na verdade, a escravidão ainda existe no Brasil, na Amazônia (como escrevi em Fordlândia, com base nesta investigação da Bloomberg), e cada vez mais nas plantações de soja do interior. A escravidão moderna é, como um funcionário do Ministério do Trabalho o declara, uma "parte essencial da economia globalizada, orientada para a exportação, sobre a qual o Brasil prospera." Os trabalhadores são coagidos quer por meios violentos, quer por força de seus débitos a fornecer trabalho sem compensação e forçados a suportar as condições mais desumanas. Eles forjam ferro-gusa para alimentar a indústria de aço do Brasil, colhem soja, derrubam florestas tropicais, cortam cana-de-açúcar e servem como empregadas domésticas.

Uma das primeiras coisas que o governo do PT fez quando assumiu em 2003, depois que Luiz Inácio Lula da Silva alcançou a presidência, foi criar uma “lista suja” de “centenas empresas e empregadores individuais que foram investigados por fiscais trabalhistas e descobertos como usuários de escravos. Os empregadores nesta lista estão impedidos de receber empréstimos do governo e têm restrições colocadas sobre as vendas de seus produtos." O PT também intensificou os esforços para "emancipar "os escravos modernos:" Em 2003, um plano nacional de erradicação do trabalho escravo atualizou a legislação e introduziu um sistema de procuradores e juízes do trabalho. "Entre 2003 e 2015," o governo resgatou 44.483 trabalhadores do que chama "condições análogas à escravidão."

A "lista suja", juntamente com outras iniciativas abolicionistas do PT, provocou uma reação por parte daqueles interesses econômicos que lucram com a escravidão moderna. No final de 2014, a Suprema Corte do país, que tem apoiado decididamente os que desejam o impeachment da Dilma, emitiu uma liminar contra o Ministério do Trabalho para que este suspendesse o lançamento de uma nova lista de donos de escravos. A decisão foi tomada para favorecer a associação dos proprietários e construtoras do Brasil. E muitos desses interesses, incluindo políticos ruralistas como Beto Mansur, encontram-se entre aqueles que pressionam para a queda de Dilma e a destruição do PT. O principal grupo de lobby da agro-indústria brasileira, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, que apoia a derrubada de Dilma, tem se oposto à "lista suja" há anos. Uma investigação feita pelo Repórter Brasil, uma ONG que combate o trabalho forçado, revela que os partidos políticos por trás do impeachment (incluindo o Partido do Movimento Democrático do Brasil, o partido de Eduardo Cunha, o líder do Congresso da Câmara dos Deputados do Brasil e que organizou o impeachment) são aqueles que receberam a maior parte das doações políticas de empresas que lucraram com o trabalho escravo.

Os lucros produzidos pelo trabalho escravo no Brasil são relativamente insignificantes se comparados à riqueza dos principais promotores da crise política: as elites ligadas às finanças, à energia, à mídia e à industria. Mas a luta em torno da escravidão no Brasil revela o que em última análise está em jogo no conflito. Muitos dos políticos agora que procuram derrubar Dilma ficaram espetacularmente ricos ou representam outros que se enriqueceram espetacularmente durante os bons tempos da primeira década dos mandatos do PT, aproximadamente de 2003 a 2013, durante os dois termos de Lula e o primeiro da Dilma. No entanto, eles jamais aceitaram a ideia de que deveriam subordinar seus interesses particulares ao projeto maior do PT, a despeito do fato de que foi este projeto – incluindo uma leve redistribuição – que impulsionou o consumo interno e os tornou espetacularmente ricos. A exportação de soja explodiu sob o governo do PT, dando origem a toda uma classe de barões no interior, alguns dos quais, incluindo homens como Mansur detêm assentos no Congresso. E apesar dos esforços agressivos do PT para erradicar a escravidão moderna, o trabalho forçado na verdade aumentou sob seu governo, na medida em que cresceram as indústrias que utilizaram trabalho forçado, entre as quais eles a da soja, a do etanol e a do açúcar.

A escravidão, conquanto relativamente pequena frente ao quadro maior do mercado de trabalho do Brasil, representa a fina borda de um princípio mais amplo: o direito das elites brasileiras de explorarem os seres humanos e a natureza tão implacavelmente quanto o desejarem. Como já está amplamente divulgado, a presidente eleita duas vezes no Brasil está hoje prestes a ser afastada do cargo, o que pode acontecer logo na primeira semana de maio. Sua destituição pode ser chamada de muitas coisas, entre elas um golpe da mídia e um golpe constitucional. Pelo menos em parte, ela é também um golpe dos donos de escravos.

Veja o texto original em inglês:
(http://www.thenation.com/article/a-slavers-coup-in-brazil)

Traduzido por Anivaldo Padilha


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 A Slavers’ Coup in Brazil?

April 27, 2016, The Nation http://www.thenation.com (USA)

 

By Greg Grandin, Twitter   


Among the many groups pushing for the impeachment of Dilma Roussef, one is seldom discussed: companies that profit from slavery.


Among the opponents of Brazil’s embattled president, Dilma Rousseff, who is about to be driven from office, is an interest group thought to have lost political power over a century ago: slavers. The other day, an article in The New York Times documenting the many crimes of the politicians involved in the impeachment process said this about Beto Mansur, a congressman vocal in his opposition to Dilma’s Workers’ Party (in Portuguese, Partido dos Trabalhadores, or PT): He is “charged with keeping 46 workers at his soybean farms in Goiás State in conditions so deplorable that investigators say the laborers were treated like modern-day slaves.”

Slavery, of course, isn’t the main axis of conflict between the PT government and its opponents. Others—including Mark Weisbrot, Glenn Greenwald, David Miranda, Andrew Fishman, Gianpaolo Baiocchi, Ben Norton, and Dave Zirin—have documented the many different class and status interests that have allied, using the cudgel of “anti-corruption,” to both deflect away from their own venality and begin the rollback of the mildly redistributionist policies of the PT, which has governed Brazil since 2003. When slavery is mentioned, it is usually as legacy. Brazil imported more enslaved Africans than any other American nation, and was the last country in the hemisphere to abolish the institution, in 1888. As is the case of nations historically founded on settler colonialism and slavery, the PT’s federal economic policy directed at alleviating poverty and lessening inequality is racialized. This was true in 1964, when an earlier mildly reformist government was overthrown in a coup (as my NYU colleague Barbara Weinstein writes in her wonderful new book, The Color of Modernity: São Paolo and the Making of Race and Nation in Brazil). And it is true today, 56 years later.

But actually slavery still exists in Brazil, in the Amazon (as I wrote about in Fordlandia, based on this Bloomberg investigation), and increasingly on the interior’s soybean plantations. Modern-day slavery is, as an official with the Ministry of Labor put it, a “key part of the globalized, export-oriented economy Brazil thrives on.” Workers are coerced either through violence or debt to provide uncompensated labor and forced to endure the most inhumane conditions. They forge pig iron that goes into Brazil’s steel industry, harvest soy, clear rainforests, cut sugar cane, and serve as domestic workers.

One of the first things the PT government did when it took office in 2003, after Luiz Inácio Lula da Silva won the presidency, was to create a “dirty list” of “hundreds of companies and individual employers who were investigated by labor prosecutors and found to be using slaves. Blacklisted employers are blocked from receiving government loans and have restrictions placed on sales of their products.” The PT also stepped up efforts to “emancipate” modern slaves: “In 2003 a national plan to eradicate slave labor updated the criminal statute and introduced a system of labor prosecutors and judges.” Between 2003 and 2015, “the government has rescued 44,483 workers from what it calls ‘conditions analogous to slavery.’”

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The “dirty list,” along with the other abolitionist initiatives of the PT, provoked a backlash by those economic interests who profit from modern-day slavery. In late 2014, the country’s Supreme Court, which has been steadfast in its support of Dilma’s impeachers, issued an injunction against her Ministry of Labor to suspend the release of a new list of slavers. The ruling was made on behalf of Brazil’s real-estate and developer’s association. And many of those interests, including planter-statesmen such as Beto Mansur, are found among those pushing for Dilma’s ouster and the destruction of the PT. The Brazilian agro-industry’s main lobbying group, the Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, which endorses Dilma’s ouster, has been opposing the “dirty list” for years. An investigation by Repórter Brasil, an NGO that works against forced labor, reveals that the political parties behind the impeachment (including the Partido do Movimento Democrático do Brasil, the party of Eduardo Cunha, the congressional leader of Brazil’s lower house who organized the impeachment) are the ones that received the most political donations from companies that profited from slave labor.

The profits produced by slave labor in Brazil are relatively insignificant when compared to the wealth of the main drivers of the political crisis: elites tied to finance, energy, media, and industry. But the fight over slavery in Brazil does reveal what is at stake in the conflict in extremis. Many of the politicians now seeking to oust Dilma got spectacularly rich, or represent others who got spectacularly rich, during the good times of the PT’s first decade in office, roughly from 2003 to 2013, running through Lula’s two terms and Dilma’s first. Yet they never, ever accepted the idea that they should subordinate their particular interests to the larger PT political project—despite the fact that it was that project, including mild redistribution, that boosted domestic consumption and got them spectacularly rich. Soybean export soared under PT rule, giving rise to a whole class of heartland barons, some of whom, including men like Mansur, hold seats in Congress. And despite the PT’s aggressive efforts to eradicate modern slavery, forced labor actually increased under its rule, as the industries that used forced labor—among them soy, ethanol, and sugar—grew.

Slavery, however relatively small to Brazil’s larger labor market, represents the thin edge of a larger principle: the right of Brazil’s elites to exploit humans and nature as ruthlessly as they will. As is widely reported, Brazil’s twice-elected president stands today a hair’s breadth away from being removed from office, which might happen as early as the first week in May. Her ouster can be called many things, among them a media coup and a constitutional coup. At least in part, it’s also a slavers’ coup.

*Greg Grandin Twitter Greg Grandin teaches history at New York University and is the author of Kissinger’s Shadow.
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