sábado, 30 de maio de 2015

Moçambique/OLHAR CRÍTICO AO PAPEL DOS PARTIDOS POLÍTICOS (1, 2 e 3)

29 maio 2015, Notícias http://www.jornalnoticias.co.mz (Moçambique)

José Mateus Muaria Katupha -- Deputado, Membro da Comissão Permanente da Assembleia da República

A reflexao sobre o tema “O papel dos partidos políticos na consolidação da democracia e na promoção da paz em Moçambique: uma proposta de um olhar crítico da situação actual” é importante na conjuntura política, económica e social em que o país vive e para os desafios que se nos colocam como sociedade.

O meu argumento é de que a democracia se consolida num sistema político em que os partidos políticos e seus actores têm uma agenda conducente ao desenvolvimento do país e da sociedade na qual actuam, em conformidade com a lei. Paralelamente, esses partidos emitem discursos políticos e a sua prática quotidiana é marcada por acções que visam manter e consolidar a paz.

Com efeito, a Constituição da República de Moçambique dispõe no seu artigo 2 que “a soberania reside no povo”; que “o povo moçambicano exerce a soberania segundo as normas fixadas na constituição” (CRM, artigo 2:2) e que “as normas constitucionais
têm primazia sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico” (CRM, artigo 2:4).

Enquadramento conceptual
À luz deste dispositivo constitucional, esta comunicação busca, em síntese, situar o percurso histórico da emergência dos partidos políticos em Moçambique, captando as balizas do seu funcionamento com vista a avaliar o grau maior ou menor de expressão do seu papel no exercício da soberania. Desta feita, a questão que se coloca é saber que formas estão definidas na constituição a que o povo recorre para exercer a soberania? Uma das formas universalmente mais recorrentes é o recurso aos partidos políticos. Mas, afinal, o que são partidos políticos e como funcionam?

Há na ciência e na sociologia política diferentes definições de partido político. Mas nesta comunicação entenda-se partido político como “uma forma de agremiação de um grupo social que se propõe a organizar, coordenar e exprimir a vontade popular com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo. No dizer de Pietro Virga: “os partidos políticos são associações de pessoas com uma ideologia ou interesses comuns que, mediante uma organização estável (Partei-Apparat), buscam exercer influência sobre uma determinação da orientação política de um país”.

Os partidos políticos assentam em três premissas de coerência institucional, a saber, (a) “os partidos não são facções, (b) um partido é parte de um todo e (c) os partidos são canais de expressão” da vontade popular.

A origem dos partidos decorre da própria viabilização do conceito de democracia, que em termos simples se pode definir como o “regime em que os governantes são escolhidos pelos governados, por intermédio de eleições honestas, justas e livres”. Donde os partidos, como “canais de expressão”, são, ou deviam ser, a emanação do poder representativo outorgado pelo povo por via de eleições. Com efeito, várias constituições de estados que se declaram democráticos, incluindo Moçambique, (CRM, artigo 1), proclamam que “a soberania reside no povo” (CRM, artigo 2.1).

Assim, para os partidos agirem em conformidade com o estado democrático, este define os parâmetros de sua configuração ideológica e as balizas de sua actuação, normalmente, consagrados na sua constituição, a lei-mãe e em leis adjectivas que fazem parte integrante da legislação eleitoral.

Por exemplo, na Constituição Federal do Brasil de 1988, no artigo 17, estabelece-se que “a actuação dos partidos políticos deverá respeitar os seguintes preceitos: a) carácter nacional, b) proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou Governo estrangeiros ou de submissão a estes, c) prestação de contas à Justiça Eleitoral, d) funcionamento parlamentar conforme a lei; e) elaboração de estatutos com normas de fidelidade e disciplina partidárias e f) proibição de uso de organizações paramilitares”.

No caso do nosso estado democrático aos partidos políticos é lhes reservado o papel de “expressar o pluralismo político, concorrer para a formação e manifestação da vontade popular e ser instrumento fundamental para a participação democrática dos cidadãos na governação do país” (CRM, artigo 74). Quer dizer, o povo moçambicano participa na governação através dos partidos políticos. Podemos, pois, afirmar que os partidos políticos são instrumentos indispensáveis para a preservação do estado democrático de direito, tendo o edifício legal moçambicano consagrado para o efeito plena liberdade para sua criação, organização, funcionamento e extinção.

Assim, quais são as regras de funcionamento para os partidos políticos ascenderem ao poder de governar?

À semelhança da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Constituição da República de Moçambique estabelece os limites de actuação dos partidos políticos. No artigo 74:2 a CRM estabelece que a “estrutura interna e o funcionamento dos partidos políticos devem ser democráticos”. O artigo 75:1 da CRM dispõe o seguinte: “no profundo respeito pela unidade nacional e pelos valores democráticos, os partidos políticos são vinculados aos princípios consagrados na constituição e na lei”. É este artigo que no seu parágrafo 2 dispõe o seguinte: “na sua formação e na realização dos seus objectivos os partidos políticos devem, nomeadamente: (a) ter âmbito nacional, (b) defender os interesses nacionais, (c) contribuir para a formação da opinião pública, em particular sobre as grandes questões nacionais, (d) reforçar o espírito patriótico dos cidadãos e a consolidação da nação moçambicana”. “Os partidos políticos devem contribuir, através da educação política e cívica dos cidadãos, para a paz e estabilidade do país”, assim dispõe o mesmo artigo no seu número 3.

O artigo 77 da CRM “veda aos partidos políticos preconizar ou recorrer à violência armada para alterar política e socialização do país”.

Da génese dos partidos políticos em Moçambique - uma breve resenha histórica
Na nossa história de transformação de uma colónia para um país independente houve fases importantes de demarcação dos diferentes grupos sociais em interesses comuns algo semelhante aos partidos políticos.

Na era colonial as agremiações configuravam duas tendências, uma a defender a continuidade da colónia e outra a defender os ideais de independência do país. Iniciada a luta armada de libertação nacional, a Frente de Libertação de Moçambique foi o instrumento de expressão das aspirações do povo. Esta frente tinha no seu seio gente com variadas visões sobre a luta armada que foi sendo depurada através de uma ideologia que assentava na unidade nacional, na clareza do que era o inimigo, na defesa dos valores de igualdade entre o homem e a mulher e na crença de um projecto de sociedade de justiça social de um Moçambique uno, soberano e próspero. Note-se que, mesmo sendo uma frente, a Frelimo tinha estatuto e um programa.

Várias foram as crises internas no seio da Frelimo e as tentativas de desviar o curso da luta de libertação nacional, incluindo a criação de outras frentes tais como a COREMO e o seu projecto de cariz divisionista com o projectado país que se chamaria de RUMBEZIA, que hoje o senhor presidente Dhlakama quer fazer ressuscitar ao arrepio da constituição e da lei.

Os Acordos de Lusaka consagram entre outros aspectos a Frelimo único representante do povo moçambicano na formação do Estado. Surgem nesta fase movimentos sociais, uns contra a independência e outros reclamando legitimidade para se fazer representar como partidos para concorrer as eleições.

É assim que surgem os “FICO”, o MONAMO, o FUMO, o GUMO e outros cuja inserção social não logrou, pois a euforia da independência e a estratégia da Frelimo de criação de um Estado novo não permitiu. Sublinhe-se que nesta época ainda se respirava a prevalecente ideologia do panafricanismo de Nkrhuma e da unicidade de acção de Kenneth Kaunda que era epitomizada pela palavra de ordem em voga: “one people, one nation, one country, one líder, that leader, K.K.” (Kenneth Kaunda).

Nasce nesta ocasião uma onda de descontentes, de hesitantes, de inseguros, uns vivendo em Moçambique, alguns dos quais infiltrados nas estruturas da Frelimo, outros indo para Portugal – (os retornados) – e outros ainda fugindo para Rodésia de Ian Smith acabando por ser recrutados por este, para o movimento que ele criara denominado de MNR (Mozambique National Resistance). É este grupo que posteriormente passaria a designar-se RENAMO nas mãos dos generais do hediondo regime do apartheid, cujo objectivo final era inviabilizar o projecto de independência nacional do Zimbabwe da libertação do povo sul-africano, opondo-se e procurando fragilizar a Frelimo que, entretanto, abolira a descriminação racial, promovendo a igualdade do homem e da mulher, o acesso gratuito à educação, à saúde e ao bem-estar social para todos.

Fazendo uso da RENAMO, Ian Smith acreditava que a luta do povo zimbabweano para a independência real não lograria os seus objectivos. Fazendo uso da RENAMO, os generais doapartheid pretendiam impedir o ANC a avançar com a luta, uma clara manifestação de instrumentalização dos nossos irmãos da RENAMO que, ao fim do dia, fizeram atrasar o desenvolvimento do seu país e retardaram o processo de luta para a conquista da dignidade humana dos nossos irmãos e vizinhos da África do Sul e do Zimbabwe.

Conformação dos partidos políticos com o actual quadro legal- da constituição da lei eleitoral
Num processo contínuo de auto-superação e de capacidade de análise e interpretação dos sinais dos tempos, a Frelimo, de frente de libertação nacional se transforma em partido político, no seu III congresso, em 1977, dando sinais de abertura ao surgimento de outros partidos políticos. Contudo, a guerra de desestabilização retardou o processo tendo sido possível a materialização deste desiderato com a independência do Zimbabwe e com o fim do apartheidna África do Sul, com a aprovação pela Frelimo da Constituição de 1990. Como refere o sociólogo moçambicano Luís de Brito, as mudanças políticas que conduziram a aprovação da Constituição de 1990 e consequente adopção da democracia multipartidária foram da iniciativa da Frelimo.

Desde a Constituição da República de 1990 que temos vindo a testemunhar a emergência de muitos partidos políticos no país, um sinal positivo para um Estado democrático e de direito, pois demonstra a existência de um leque de oportunidades de opções ao dispor do cidadão. Porém, numa observação breve do firmamento político revestido pelas constelações partidárias do nosso país, constata-se que os partidos políticos na sua maioria sofrem de quatro patologias, a saber, a sazonalidade, a distanciação aos interesses do povo que dizem representar e a desconformidade constitucional e legal de sua actuação e, por fim, a esterilidade ideológica consubstanciada pela ausência de estatutos e programas de acção.
Na verdade, um maior número de partidos políticos do nosso país são sazonais comportando-se como cogumelos na época das chuvas, isto é, aparecem durante as eleições e pouco depois delas desvanecem. Esta patologia é, na maior parte dos casos, associada à “esterilidade ideológica”, patologia cujos sinais se manifestam pela falta de estatutos e ausência de programas atraentes e promotores de adesão de militantes e de acção partidária. Isto revela a falta de profissionalização da actividade política, a utilização quase fraudulenta da democracia multipartidária para obter um ganho pessoal resultante do financiamento dos partidos políticos para a campanha eleitoral.

As duas patologias provocam danos irreparáveis ao interesse público sobre a política em geral e sobre as eleições, em particular, uma potencial expressão das causas de abstenção.
A distanciação aos interesses do povo manifesta-se pelo tipo de actividades com que os partidos políticos se preocupam após as eleições. Por exemplo, a RENAMO sempre perdeu e vai perder nos pleitos eleitorais porque depois das eleições só se preocupa com o lugar na governação para os seus homens. No diálogo que se desenvolve entre o Governo e a RENAMO no Centro de Conferências Joaquim Chissano estão patentes os sinais de distanciamento partidário aos interesses da maioria. O Governo da Frelimo deve ter o cuidado de não se deixar contagiar por este tipo de patologia. Passar tempo estéril a discutir quantos generais a Renamo deve ter no exército ou na polícia assemelha-se ao comportamento de dois caçadores que transformam o povo numa carcaça, disputando os dois sobre qual parte do animal deve ser atribuída a cada um deles. Enquanto isso o animal apodrece e os caçadores perdem.

O povo quer produzir, quer escola, quer saúde, quer viver. A RENAMO não pode nem deve fazer desviar a Frelimo do seu compromisso de criar o bem-estar para o povo viver e viver bem. Uma discussão estéril só produz desilusão. A Frelimo não pode desiludir o povo, razão de sua existência. 

29 Maio 2015, Jornal Noticias http://www.jornalnoticias.co.mz (Moçambique) 
A desconformidade constitucional de actuação é uma patologia de que o partido Renamo sofre, como atrás me referi, desde a sua génese. Ela foi criada para obstruir e é por isso, tal como a hiena, vai justificando a posterior, a razão da sua existência mas sempre colada a Frelimo.

Como se manifesta esta atitude de colagem da Renamo a Frelimo? Tudo que a Frelimo faz de bom, a Renamo reclama como sendo sua obra. O último exemplo disto que ouvi nesta sala há dias atrás é a atribuição como sendo o trabalho da Renamo a criação de instituições do ensino superior em todo o país.

A Renamo não tem hinário. Por isso usa e canta (canta mal) as palavras de ordem, os hinos e as canções da Frelimo, sobretudo nas campanhas eleitorais. A Renamo, como partido político viola flagrantemente a Constituição da República aprovada por ela própria no seu artigo 72, pois na sua estrutura e funcionamento não mostra sinais visíveis que seja um partido democrático; viola o artigo 77, pois não só preconiza ou recorre à violência armada para alterar a estrutura política e social do país”, como também mantém uma força armada. A Renamo, mesmo assim, tem a ousadia de propor um projecto ainda por cima ferido de inconstitucionalidades. A Renamo tem o despudor de vir a praça falar de impunidade. Que coisa mais impune existe neste país do que a Renamo e o seu líder?

Estas patologias ficam exacerbadas e mais notórias perante o surgimento de novas fontes de opinião, a saber, as organizações cívicas, as redes sociais potenciadas pela cibernética fruto da globalização que no seu conjunto constituem novas arenas de experimentação de vivências democráticas cujas vantagens ilimitadas de sua expressão atraem muito a juventude. Os partidos políticos conscientes deste fenómeno devem renovar-se e agirem em conformidade com a lei e ao encontro das aspirações do povo para não se tornarem irrelevantes.

Em democracia a disputa entre os partidos políticos é feita pela via dialógica. É a força do argumento que vence e não o argumento da força, da intimidação e da violência.

A capacidade que os actores políticos têm pela via argumentativa de mobilizar o eleitorado a votar em si e a confiar nos seus projectos de governação é o elemento mais importante na democracia. É por isso que desde que Moçambique adoptou o sistema político multipartidário a FRELIMO tem vencido os pleitos eleitorais. As sucessivas vitórias da FRELIMO devem-se ao facto de o eleitorado identificar-se com os projectos de sociedade vertidos nos manifestos eleitorais apresentados pela FRELIMO. Trata-se de manifestos eleitorais que têm no desenvolvimento, na consolidação da Unidade Nacional e da Paz como valores centrais.

É na FRELIMO que o povo acredita. É na FRELIMO e no seu Governo que os moçambicanos a 15 de Outubro de 2014 mais uma vez depositaram confiança para conduzir os destinos de todos os moçambicanos independentemente da sua cor política, região, religião.

A democracia e a paz consolidam-se com a actuação responsável dos actores e dos partidos políticos. Só com partidos políticos comprometidos com o bem-estar dos moçambicanos é que o processo democrático e paz serão uma realidade em Moçambique.

Passados mais de 20 anos de paz, o povo moçambicano voltou a viver momentos de violência atípica protagonizada pela Renamo e pelo seu líder. Foram momentos que fizeram voltar a memória de muitos moçambicanos os horrores da guerra. Pela via da violência e da lógica da força este partido tentou e continua a forçar a mudança do status quo em Moçambique. Os moçambicanos liderados pela FRELIMO disseram não. A FRELIMO criou todas as condições para que fossem acomodadas as reivindicações da Renamo no sentido de este ir ao pleito eleitoral realizado em Outubro transacto.

Durante o período de campanha eleitoral, a Renamo utilizou toda a sua estratégia de ameaçar o povo ao retorno a guerra para que o povo votasse nela. O povo moçambicano, mais uma vez, deu a lição a Renamo mostrando que vota num projecto de sociedade apresentado pela FRELIMO. Um projecto que vincula todos os moçambicanos e não se bate apenas pela busca de poder para usufruto próprio.
No dia 15 de Outubro de 2014 o povo moçambicano escolheu o Presidente Filipe Jacinto Nyusi e a FRELIMO para governarem Moçambique no quinquénio 2015-2019. A escolha foi feita tendo presente que com a FRELIMO no poder a Unidade Nacional, uma das mais importantes conquistas dos moçambicanos, não será posta em causa. A Unidade Nacional tem sido um dos maiores orgulhos dos moçambicanos. O respeito pela diversidade é apanágio do moçambicano.

A FRELIMO defende um processo de descentralização e desconcentração administrativa que fortaleça o poder local sem pôr em causa a forma de organização do Estado vertida na Constituição da República aprovada nesta magna casa por consenso entre as bancadas parlamentares.

A FRELIMO reprovou o Projecto das Autarquias Provinciais proposto pela Renamo porque é um projecto ferido de inconstitucionalidade e proposto apenas para defender os interesses dos membros da Renamo. Um projecto que a Renamo apresentou com o intuito de, pela lógica da força chegar ao poder atropelando a Constituição e o sistema eleitoral de representação proporcional por si aprovada.

Não há condições objectivas para que o Estado moçambicano adopte autarquias de nível provincial. A FRELIMO disse: não e mantém o seu posicionamento de recusa de introdução de autarquias de nível provincial para satisfazer a ambição que a Renamo tem de chegar ao poder pela força e de dividir o país.


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