quinta-feira, 28 de maio de 2015

Portugal/PLANO DE EMERGÊNCIA PARA O COMBATE À PRECARIEDADE E AO DESEMPREGO

24 maio 2015, Resistir.info http://www.resistir.info (Portugal)

por Associação de Combate à Precariedade

Cinco meses depois do repto lançado no Fórum Precariedade e Desemprego, a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, avançou na sua proposta de apresentar um plano concreto para combater a precariedade e desemprego no país, com propostas que poderão melhorar a vida para os mais de 2 milhões e 850 mil pessoas em situação de desemprego e precariedade no país, que já constituem 55% de toda a força de trabalho. 

A ACP-PI apresenta as linhas mestras para o trabalho que se iniciará agora, sob a forma de campanha aberta, com reuniões e discussões temáticas para aprofundamento das propostas. A associação interpelará diversos actores sociais e politicos, nomeadamente no âmbito das eleições legislativas, para que tomem posição acerca das questões que afectam a maioria da população activa, pessoas precárias e desempregadas. Segundo a OIT
 [1] , os trabalhadores precários em Portugal recebem apenas 60% do salário dos contratados sem termo, com uma taxa de pobreza que
atinge os 25%. 

Os eixos principais a ser discutidos estão expostos nos sete capítulos seguintes:
 
1. Novos Riscos, Novas Respostas – Segurança Social
 
2. Reforço do Mecanismo de Regularização dos Falsos Recibos Verdes
 
3. Novo Regime de Contribuições e Direitos para os Recibos Verdes
 
4. O Buraco Negro do Trabalho Temporário
 
5. Contra a Eternização da Precariedade na Investigação
 
6. Nem Estágios Profissionais Nem Estagiários Profissionais
 
7. Pelo fim da Perseguição no Desemprego
 

Este documento é a base para o trabalho dos próximos meses da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis.
 

Maio de 2015
 

1. Novos riscos? Novas respostas! – Segurança Social
 

Hoje a precariedade e o desemprego afetam mais de metade da população ativa e mesmo os trabalhadores mais estáveis estão mais instáveis do que nunca, com carreiras contributivas intermitentes, com milhares de pessoas que não conseguem manter o emprego tempo suficiente para cumprir os prazos de garantia e com outros tantos expulsos do subsídio de desemprego por se terem alterado os tempos de atribuição da prestação social e o seu valor. A estatística do país com a terceira maior taxa de precariedade e de baixos salários da União Europeia é trágica: um em cada dois desempregados não tem apoio social. Porque defendemos o direito ao trabalho, defendemos a proteção de quem não tem trabalho.
 

A Segurança Social de hoje foi desenhada após a Revolução de 1974 e durante muito tempo significou uma resposta eficiente e eficaz aos riscos sociais que a sociedade portuguesa enfrentava. Na última década o cenário mudou e um novo risco social mudou tudo: a precariedade.
 

Um sistema que tinha sido construído solidariamente para proteger quem não tinha podido descontar e quem tinha descontado pouco, garantindo o princípio da substituição do rendimento do trabalho para quem deixava de poder trabalhar, tinha os seus alicerces em carreiras contributivas longas, com curtos períodos de desemprego, e com um aumento progressivo da massa salarial. As últimas décadas foram mudando este cenário e apareceu um novo alibi: a demografia. As reformas legislativas não foram pacificas e, sob o signo da sustentabilidade, cortaram-se direitos e rendimentos, mas não se protegeram os novos riscos sociais.
 

Os anos da troika e o regime de austeridade abriram uma ferida profunda na sustentabilidade do sistema e aceleraram a conversão do mercado de trabalho para a precariedade e baixos salários como regra, com cada vez menos proteção social. Neste momento o sistema não é universal, porque exclui uma enorme camada da população.
 

Novos riscos
 

Precariedade –
 A precariedade é um novo risco social que o atual sistema não comporta e que é complexo. É um novo risco social porque afeta milhões de pessoas e porque o sistema atual não está pensado para intermitências trabalho/desemprego cada vez mais rápidas, com períodos alargados de não-atividade e com taxas de sub-emprego alarmantes, como é o caso do part-time involuntário, que afecta centenas de milhares de pessoas. 

Desemprego de massas: alto, estrutural e de longa duração –
 O subsídio de desemprego foi pensado para substituir o rendimento de um trabalhador durante o período em que este procurava um novo emprego. Esta resposta faz sentido num cenário em que a taxa de desemprego é baixa e em que o desemprego de longa duração não é um problema. Há muitos anos que essa já não é a realidade em Portugal. Depois da austeridade e das alterações ao subsídio de desemprego esta prestação social está a funcionar como um conta gotas para apagar um incêndio. 

Desde há 5 anos, o desemprego oficial passou a ler-se em dois dígitos e mesmo depois da emigração massiva de mais de 400 mil pessoas, o desemprego em sentido lato afeta hoje perto de um milhão de pessoas. Entre 2007 e 2014 o desemprego jovem duplicou, com a crise económica a explicar 70% do crescimento do desemprego jovem. O desemprego de longa duração cresceu mais de 100% nos anos da austeridade e as estatísticas revelam que 8 em cada 10 desempregados com mais de 45 anos não conseguem encontrar emprego. Sejamos claros: o desemprego é o maior problema que o país enfrenta.
 

A "retoma económica" será sempre uma miragem enquanto se mantiver o regime de austeridade e isso é claro no nível de emprego, o pior da Europa, depois de ter recuado para níveis de meados dos anos '90 do século passado.
 

A Segurança Social tem de dar resposta ao desemprego de massas enquanto persistir a crise social porque o modelo atual é um modelo de exclusão, sendo apenas uma porta giratória entre o trabalho precário e a pobreza.
 

Novas respostas
 

Se um precário é um desempregado intermitente e se um desempregado tem hoje poucas hipóteses de deixar de ser precário então é vital que a Segurança Social encontre formas de apoiar quem cai nesta espiral.
 

Em 2013 lançámos o desafio: nenhum desempregado pode ficar sem apoio no desemprego e os recursos orçamentais para suportar esta medida devem ser encontrados junto das empresas que maiores lucros fazem como resultado da precariedade e desemprego.
 

Relembre-se que, de acordo com o INE
 [2] , durante o programa da troika o rendimento salarial caiu de 65,5% do rendimento disponível para 62,4%, tendo os rendimentos de capital subido para 36,4%. Ou seja, a austeridade retirou 5,8 milhões de euros dos salários e transferiu para o fator capital 4,4 mil milhões. 

A austeridade alterou as regras do jogo, fazendo com que os salários, também por via do aumento da precariedade e do desemprego, perdessem para os ganhos de capital. Assim, cumprindo a sua função de redistribuitiva e combatendo mais este efeito preverso da austeridade, é necessário que nenhum desempregado fique sem apoio.
 

Da mesma forma, é importante que as regras de atribuição do subsídio de desemprego sejam revistas de forma a garantir que os estagiários e também os trabalhadores a part-time têm acesso a prestações sociais durante os períodos de inatividade.
 

São necessárias alterações que permitam combater o problema do desemprego de longa duração, do desemprego jovem e dos trabalhadores precários com prazos de garantia curtos; para além de terem enormes vantagens por atuarem como estabilizadores automáticos, permitindo redinamizar o investimento económico.
 

A precariedade e o desemprego estrutural são novos riscos e portanto exigem novas respostas que o sistema não prevê e, da mesma forma, exigem novas formas de financiamento. Os recursos necessários para esta mudança no seguro social universal deve, no entanto, ter uma premissa de redistribuição, pelo que deve encontrar o financiamento necessário junto daqueles que ganham com a precariedade e o desemprego alto. Abandonar esse princípio redistribuitivo e desistir do combate à precariedade e ao desemprego estrutural é desistir do direito ao trabalho abandonando o pleno emprego a uma visão de mercado do que é trabalhar. Por isso, deve ser no combate pelo pleno emprego que se investe o que é capturado a quem lucra com a precariedade e o desemprego.
 

Com o próposito de abordar de frente estes problemas, é urgente:
 

1) Estender a protecção no desemprego a todos os desempregados,
 com um apoio no desemprego a todas as pessoas que ficaram desempregadas nos últimos quatro anos. 2) Aplicar uma taxação especial sobre os lucros das empresas que utilizam o modelo de precariedade laboral , com elevada rotação laboral para a sua actividade económica. 

2. Reforço dos mecanismos de regularização de falsos recibos verdes
 

Os falsos recibos verdes são uma das mais persistentes e agressivas estratégias de precarização, à margem da lei e do respeito pelos direitos mais elementares no trabalho. Ao não permitir o acesso ao direito básico ao contrato de trabalho, as entidades patronais aplicam a precariedade máxima. Sem qualquer protecção, os trabalhadores, formalmente e à força considerados independentes, são ilegalmente afastados de direitos como o gozo de férias, o pagamento de subsídio de férias e natal ou a regulação dos ritmos e horários de trabalho. Além disso, têm ainda de assumir todos os meses e isoladamente o pagamento das contribuições à Segurança Social, enquanto as entidades patronais fogem às suas obrigações.
 

Depois de décadas em que se banalizou esta escandalosa ilegalidade, um primeiro passo foi dado com a aprovação da nova lei de combate aos falsos recibos verdes. Esta mudança, que partiu da proposta e da iniciativa dos cidadãos, introduz pela primeira vez na legislaçãomecanismos concretos para facilitar a regularização destas situações.
 

Mais de um ano após a entrada em vigor da Lei nº 63/2013, sendo certo que se obtiveram resultados concretos e inéditos, é evidente que é preciso bastante mais para garantir um verdadeiro combate aos falsos recibos verdes. Assim, é urgente um aprofundamento dos mecanismos para a regularização das situações ilegais e o reconhecimento da relação laboral:
 

1)
 Garantir uma maior protecção ao trabalhador , que continua vulnerável perante a possibilidade de chantagem e represálias por parte das entidades patronais: 

a) No momento em que a irregularidade é detectada:
 deve ser assegurado um reforço das competências da Autoridade para as Condições do Trabalho , que, perante a recolha de indícios claros de falso trabalho independente no âmbito das suas acções inspectivas, deve ter à sua disposição mecanismos que garantam o cumprimento da lei previamente à via judicial. 

b) Nos casos em que a situação segue para tribunal:
 
  garantir que a acção de reconhecimento do contrato de trabalho prossegue os seus objectivos , defendendo os legítimos interesses público e do trabalhador, mesmo quando existe uma aparente concordância das partes (empregador e trabalhador) na situação potencialmente irregular. 
  reflectir sobre o efeito prático da tentativa de conciliação no âmbito do processo, considerando a situação de especial vulnerabilidade do trabalhador. 
  reavaliar a possibilidade do trabalhador ser arrolado como testemunha do empregador , tendo em conta os seus eventuais efeitos.
2) Assegurar a rápida e directa concretização dos direitos resultantes do reconhecimento da relação laboral : nomeadamente, a regularização das contribuições para a Segurança Social por parte das entidades empregadoras. 

3. Um novo regime de contribuições e direitos para os recibos verdes
 
O actual regime de contribuições para quem trabalha a recibos verdes é injusto, inadequado e impraticável. Porque resistiu às mudanças necessárias, com adaptações que apenas agravaram as injustiças, há muito deixou de responder à realidade.
 

O trabalho considerado independente banalizou-se e passou a incluir centenas de milhares de pessoas, maioritariamente com baixos rendimentos e de todos os sectores de actividade. Apesar disso, mantiveram-se os traços essenciais de um sistema pensado, há várias décadas, para enquadrar um contingente relativamente reduzido de profissionais liberais, quase sempre com autonomia e rendimentos acima da média: descontos desligados dos rendimentos reais, no valor e no tempo; uma taxa contributiva muito elevada; escalões de base de incidência, que pretendem suavizar o peso das contribuições à custa da carreira contributiva; regras complexas e burocracia excessiva, tornando o sistema incompreensível para a maioria; acesso restrito e insuficiente aos apoios sociais que deveriam decorrer das contribuições.
 

Hoje é inegável que, em vez de ser um instrumento de apoio e solidariedade, este regime se transformou numa fonte de exclusão. Perante a amplitude dos problemas que o sistema foi criando, que se acumulam e têm consequências cada vez mais graves, o diagnóstico é amplamente reconhecido e consensual. No entanto, as opções políticas têm até agravado a situação: em vez da mudança necessária, sucedem-se remendos que tornaram o sistema ainda mais complexo e injusto. Os resultados estão à vista: milhares de pessoas afectadas por erros sucessivos por parte da Administração, acumulação de dívidas, incompreensão e desvinculação dos trabalhadores e trabalhadoras relativamente ao sistema.
 

É inadiável romper com a opção de tentar manter, a todo o custo, um sistema irreformável e insustentável. Assim, é urgente criar um novo regime de contribuições e benefícios para o trabalho a recibos verdes, que seja simples, praticável, justo, adequado e defenda a sustentabilidade do sistema:
 

1) Descontos no tempo certo
 : as contribuições devem ser feitas com base nos rendimentos apurados em cada momento, eliminando o actual ciclo de contribuições de valor fixo com referência a rendimentos verificados há mais de um ano. Em cada mês, deve ter-se como referência um período curto imediatamente anterior. 
2) Descontos com base no valor real dos rendimentos
 : a base de incidência deve corresponder aos rendimentos reais, eliminando os escalões. Desta forma, diminui-se a complexidade, os descontos tornam-se compreensíveis e deixa-se de prejudicar a carreira contributiva para compensar o peso de uma elevada taxa contributiva. Termina, assim, a obrigatoriedade dos descontos quando não há rendimentos. 
3) Uma taxa contributiva justa
 : deve ser aplicada ao trabalhador uma taxa substancialmente mais baixa do que os actuais 29,6%. Essa redução deve ser alcançada através da responsabilização das entidades empregadoras e da eliminação das isenções injustificadas por acumulação com trabalho dependente. 
4) Acesso real a direitos
 : equiparar a protecção na doença, no desemprego e na assistência a familiares ao regime dos trabalhadores por conta de outrem. A taxa contributiva deve corresponder a uma verdadeira cobertura das eventualidades e riscos previstos, ao contrário da situação actual. 
5) Simplicidade, rigor e responsabilização da Administração
 : o regime deve ser previsível e compreendido pelas pessoas abrangidas, critérios essenciais para garantir a adesão e diminuir os incumprimentos. Para o pagamento das contribuições, os serviços devem emitir atempadamente um recibo, em cada mês, onde conste o valor, a base de incidência e a taxa aplicadas, bem como o prazo para pagamento. 
6) Uma nova abordagem na gestão e cobrança das dívidas
 : perante a gravidade e urgência da situação actual, deve ser implementado um verdadeiro plano de regularização, que, salvaguardando a sustentabilidade do sistema, tenha em conta a real situação em que as dívidas foram contraídas e a condição económica do devedor. O plano deve incluir mecanismos de detecção e co-responsabilização das entidades empregadoras incumpridoras, bem como de avaliação rigorosa e tratamento diferenciado das situações de insuficiência económica. Desta forma, deve terminar o recurso generalizado aos processos coercivos e assegurada a impenhorabilidade de bens essenciais, como a habitação de uso permanente. 

4. O Buraco Negro do Trabalho Temporário
 

O trabalho temporário tem-se imposto enquanto uma das novas formas de contratação moderna, aclamada como necessária face à crise e face às alterações do mercado e às regras ditadas por ele. Os mercados dizem que regimes como o do trabalho temporário são essenciais para o desenvolvimento da economia, já que a flexibilização do Direito do Trabalho tem sido vendida como se alma dos negócios. Para impor a visão de que não há alternativas insiste-se em defender um regime jurídico que não serve mais do que para desresponsabilizar os empregadores dos deveres a que estariam sujeitos caso tivessem um vínculo directo com quem lhes presta o serviço ou produz o objecto do seu negócio. O trabalho temporário é flexível apenas na medida em que promove o despedimento fácil e barato e poupa as empresas utilizadoras do que consideram ser custos dispensáveis associados à contratação directa de trabalhadores.
 

O esquema de contratação mediado por Empresas de Trabalho Temporário (ETT), que reduz os trabalhadores a meros recursos transaccionáveis no mercado laboral e ao serviço dos governos já vem de longe. O plano de patrocinar as ETT's enquanto empresas privadas de emprego por excelência passa agora por banalizar este regime, ao ponto de ser já comum que uma empresa utilizadora recorra a várias ETT's, como forma de contornar o período limite estabelecido por lei para o uso de um mesmo trabalhador por parte de uma empresa utilizadora. A concessão de algumas áreas do IEFP a empresas de trabalho temporário, aprovado pelo actual ministro Mota Soares é um exemplo acabado de como o modelo do trabalho temporário se nutre das fragilidades da situação do desemprego sem amparo e sujeito a grandes tensões. A abertura desta "área de negócio" constitui uma privatização dos desempregados e contribui para o contínuo declínio salarial.
 

Dada a legislação dúbia e mais defensora das empresas utilizadores e empresas de trabalho temporário do que dos trabalhadores, há que saber o que estes pensam e como encaram este (não) vínculo laboral, para melhor se perceber as necessidades de quem sofre diariamente na pele esta forma precariedade.
 

A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis já apresentou, em conjunto com outras organizações e no âmbito de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos que reuniu mais de 40 mil subscrições, uma proposta concreta de combate ao trabalho temporário, no artigo 3º da Lei Contra a Precariedade, neste plano mantemos a mesma proposta, que pode ser lida no ponto 5) infra-referido.
 


Dada a importância de reverter a situação criada, com forte dinamização por parte do Estado através do Governo, da utilização inequívoca dos recursos públicos na utilização e promoção de empresas de trabalho temporário, a ACP-PI propõe:
 

1) A proibição da utilização de ETTs em organismos públicos
 ou contratando para funções públicas, o IEFP e o INA têm amplamente as condições para realizar este serviço, que é a sua função, sem ter que financiar e criar lucros para empresas terceiras; 

2) Reversão imediata da entrada das ETTs no IEFP
 ; 

3) Agravamento fiscal para as ETTs
 , aumentando as contribuições para a Segurança Social , devido à elevada rotação que as mesmas praticam, para financiar a protecção dos trabalhadores em trabalho temporário, e reduzindo-se o seu período mínimo de descontos para acesso ao subsídio de desemprego; 

4) Regular as ofertas de emprego
 , com total transparência de utilizadores finais, rendimentos, diferencial entre o salário pago às ETT e o salário pago aos trabalhadores e demais informações relevantes para a situação dos candidatos e candidatas; 

5) Estabelecer legalmente que
 "O utilizador da actividade, ou empresas do mesmo grupo económico, de um trabalhador com contrato de trabalho temporário ou contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporário por um período superior a um ano, ou que acumule vinte meses de trabalho no período de dois anos, fica obrigado à celebração de contrato de trabalho, desde que tal corresponda à vontade do trabalhador e sempre em condições iguais ou mais favoráveis do que aquelas em que é prestada a actividade." , isto é, que o trabalho temporário não pode ser usado abusivamente e de forma permanente. 

6) Limitar o âmbito da utilização do trabalho temporário a actividades estritamente temporárias a serem definidas legalmente, com um número máximo de três renovações contratuais admissíveis.
 

5. Contra a eternização da precariedade na Investigação
 

Em 2014, um inquérito feito pela ACP-PI a investigadores revelou a alarmante realidade do tecido científico em Portugal: a grande maioria dos investigadores são eternos bolseiros, dificilmente têm acesso a um contrato de trabalho e perante a sua condição precária, pretendem emigrar. 77,8% dos investigadores nunca tiveram um contrato de trabalho, apenas 15,7% têm um vínculo laboral e apenas 21,5% dos bolseiros rejeitam emigrar.
 

O facto da larga maioria da investigação ser assegurada por bolseiros é uma estratégia de precarização de todo o sector. A não existência de um vínculo laboral implica que estas pessoas não são consideradas trabalhadoras e que, como tal, não têm direito a subsídio de desemprego, férias ou 13º mês, e a protecção social através da segurança social a que têm direito é extremamente limitada.
 

Esta fragilidade tem sido levada a ponto de ruptura nos últimos anos pelas opções de governação do executivo de Passos Coelho. Nos concursos individuais de bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento, houve um corte extraordinário no número de bolsas atribuídas (2031 bolsas de doutoramento e 914 bolsas de pós doutoramento no concurso de 2007 passaram a passaram a 403 e 465, respectivamente, no último concurso – às quais se somam 15 bolsas individuais de doutoramento em empresas e 600 bolsas para programas doutorais), a par de um aumento do número de pessoas que se candidatam. Os concursos de investigador FCT, que assegurariam uma fase mais adiantada da carreira de investigação e que, supostamente, garantiriam a colocação em centros ou unidades de investigação e universidades, são abertos com a promessa de contratar 1000 investigadores até 2016, como se esse número fosse suficiente. Por exemplo, no concurso de 2013, candidataram-se 1489 pessoas e apenas 204 foram aceites. Por último, a avaliação dos centros de investigação, ao qual todos os bolseiros estão ligados, condenou à extinção imediata ou a curto prazo 168 dos 322 centros que foram avaliados. Todos estes concursos ou processos de avaliação têm sido envoltos em enormes polémicas, muitas dúvidas foram justamente levantadas acerca dos processos de avaliação, e os concursos surgem invariavelmente com atrasos na abertura, divulgação dos resultados e atribuição das bolsas por parte da FCT. Para terminar, assistimos cada vez mais à descarada utilização abusiva de bolsas para suprir postos de trabalho, a maioria dos quais sem qualquer ligação à investigação; anúncios de bolsas para jardineiros ou electricistas já não são uma raridade.
 

As medidas urgentes que propomos para inverter o processo de precariedade laboral que os investigadores estão a viver são:
 

1) Conversão das bolsas de investigação, de gestão, de técnico e Investigador FCT em contratos laborais
 . No caso das bolsas de doutoramento, se o primeiro ano de um projecto de doutoramento é de aprofundamento dos estudos e de preparação para os seguintes anos de desenvolvimento de uma temática, a partir daí um bolseiro de investigação começa a produzir conhecimento científico e por isso consideramos que, findo o período académico, um bolseiro de doutoramento deveria ter direito a um contrato de trabalho. 

2) Ratificação da Carta Europeia do Investigador.
 A 11 de Março de 2005 foi homologada a Carta Europeia do Investigador, que estabelece um Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores no espaço da União Europeia, reconhecendo que o trabalho do Investigador começa logo a seguir à sua graduação e estende-se a todos os outros níveis superiores. Para além do contrato de trabalho, a Carta Europeia do Investigador estabelece ainda que é dever das entidades empregadoras e/ou financiadoras garantir ao Investigador condições de financiamento e/ou de salários com regalias de Segurança Social, onde o direito ao subsídio de desemprego e a colocação no escalão correcto são asseguradas. 

3) Vinculação dos bolseiros às instituições de investigação
 . A precarização do trabalho de investigação por via de bolsas tem o efeito natural de desvincular os investigadores das instituições de investigação. Ao contrário dos investigadores contratados, a grande maioria dos bolseiros não se encontra enquadrada nas instituições onde trabalha, o que os impede, por exemplo, de eleger e ser eleito para os órgãos de gestão e aceder aos serviços das universidades e dos institutos. 

4) Enquanto não se estabelecem os contratos de trabalho e para as situações em que se possa justificar a atribuição de bolsa,
 criação de um mecanismo de reposição imediata pela FCT da mensalidade paga pelo bolseiro relativamente ao Seguro Social Voluntário, e actualização do reembolso segundo uma base de incidência efectivamente correspondente ao valor recebido pelos bolseiros . Actualmente, o reembolso pago pela FCT para assegurar o pagamento do Seguro Social Voluntário (SSV) corresponde a uma base de incidência de apenas um IAS (Indexante dos Apoios Sociais), ou seja, o valor descontado pelos bolseiros não corresponde ao seu salário real, mas a um valor muito inferior. Além disso, a FCT está a promover um distanciamento dos bolseiros à Segurança Social pelos atrasos que acumula nos reembolsos do SSV. Hoje em dia, o valor da prestação mensal são 124.09€, 12.7% do salário de um investigador de doutoramento, que a Fundação só reembolsa ao fim de vários meses, ou seja, quando várias mensalidades se acumulam, criando um grave peso no orçamento dos investigadores. 

5) Fim dos efeitos retroativos nas alterações no estatuto do bolseiro ou no regulamento das bolsas, se prejudicarem os bolseiros.
 

6) Aumento
 estruturado e planeado do número de bolsas atribuídas e de contratos investigador FCT celebrados, de forma a que todos os investigadores tenham acesso a um concurso justo e não uma roleta russa flutuando ao ritmo dos ciclos eleitorais. 

7) Cumprimento de uma
 calendarização de abertura de concursos de bolsas académicas (doutoramento) que coincida com o ano lectivo. Calendarização dos restantes concursos estabelecida anualmente na mesma data , e anunciada atempadamente. 

8) Limitação do prazo entre os bolseiros assinarem o contrato e começarem efectivamente a receber a bolsa para um mês
 . Actualmente, os bolseiros assinam um contrato de exclusividade, mas o processo de atribuição da bolsa pode-se arrastar por meses, durante os quais os bolseiros não podem ter qualquer rendimento. 

9) Actualização imediata do valor das bolsas
 , o que não é feito desde 2002, significando isso que entretanto os bolseiros perderam 21.7% de salário devido ao aumento da inflação e do índice de preço ao consumidor. 

9) Extinção da cláusula de exclusividade
 nos contratos de bolsa e pagamento obrigatório sempre que houver oferta curricular assegurada por bolseiros. 

6. Nem Estágios Profissionais nem Estagiários Profissionais
 

De acordo com os dados do Banco de Portugal (Boletim de Inverno), os estágios profissionais representaram um terço do emprego criado durante o ano de 2014, camuflando os números reais de desemprego. A economia portuguesa, que recuou nos níveis de emprego ao ano de 1996, não cria empregos estáveis e com direitos. Segundo os dados do IEFP (
 Relatórios de execução física e financeira ), apenas no ano de 2014, 70 mil trabalhadores foram abrangidos pelos chamados "Estágios Profissionais", na sua grande maioria sob a modalidade dos "Estágios Emprego". Entre 2001 e 2011, a média anual era de apenas 25 mil estagiários. 

A empregabilidade dos estágios, medida pelo número de trabalhadores que são contratados pela empresa onde realizaram o estágio, diminuiu em 2014 cerca de dez pontos percentuais em comparação ao período homólogo de 2013. O número de estagiários contratados pelas empresas não acompanhou a subida exponencial do número de estagiários que não são contratados, o que prova que os estágios não são uma via para a criação de emprego estável.
 

Cerca de metade dos trabalhadores jovens aceitou a realizou do estágio por ter perdido o emprego, e os restantes são trabalhadores à procura do primeiro emprego. A precariedade dos estágios já afeta jovens e mais velhos, trabalhadores com experiência profissional e os recém-licenciados, tornando-se num mecanismo cada vez mais comum de contratação e precarização laboral em Portugal.
 

Por lei, um estágio não pode corresponder à ocupação de um posto de trabalho, mas não é isso que acontece na prática.. Com o agudizar da crise, empresas como a SONAE, a EDP, a PT, unidades de saúde privadas e bancos como o BPI, o BCP e o Banif, aumentaram o recurso aos estágios profissionais, dividindo-os pelo seu universo empresarial.
 

Acresce o facto do IEFP demorar cerca de quatro meses no processamento do pedido de estágio, o que resulta em períodos de trabalho não pago, no qual a promessa de estágio é usada como arma. Findo o estágio, é impossível aceder a apoio no desemprego e férias pagas.
 

No caso do Programa de Estágios Profissionais na Administração Local (PEPAL) e do Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública Central (PEPAC), é o Estado a promover a precariedade: em 2015, mais de dois milhares de trabalhadores serão abrangidos por estes programas que não ultrapassam os 691 euros de remuneração. O recurso a estes estágios é uma substituição de trabalhadores públicos, aumentando a precarização e a instabilidade dos vínculos.
 

Os conhecimentos técnicos e profissionais, assim como a organização laboral acumulada por gerações, são um património de todos. Recusamos que a experiência profissional seja usada como um monopólio das empresas que submetem os trabalhadores a uma competição onde têm pouco a ganhar e muito a perder. Em Portugal precisamos de empregos, por isso recusamos a precariedade dos estágios.
 A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis promoveu já dois eventos de uma campanha acerca de estágios chamada SOS Estagiários, de que já participaram e debateram vários estagiários e outras pessoas. Foram aprovadas as seguintes propostas: 

1) Uma maior fiscalização por parte da ACT das condições em que são celebrados e desempenhados os estágios.
 Os casos de estágios não remunerados e de estagiários submetidos a condições de trabalho não previstas na lei devem resultar em sanções pesadas para quem os emprega. A ACT deve ainda criar uma linha de denúncias específica para o caso dos estágios. 

2)
 Fim dos PEPAC e dos PEPAL , por uma contratação pública, decente e transparente; 

4) As empresas não podem usar os estágios como forma de rotação de trabalhadores no mesmo posto de trabalho. Por isso, defendemos a
 limitação no atual critério de empregabilidade das empresas ( Regulamento Estágios Emprego ) que recorrem aos estágios financiados, que devem ficar obrigadas à contratação de um em cada dois estagiários, tendo por referência o período dos últimos cinco anos, de forma a poderem recorrer novamente à medida. Este critério deve ser válido para todo universo empresarial do grupo beneficiário, impedindo que as grandes empresas possam dividir os estagiários pelas suas sucursais e assim camuflar o uso dos estágios. 

4)
 Extensão obrigatória em 3 meses dos atuais Estágios Emprego celebrados após a entrada em vigor do novo regulamento , que encurtou de 12 para 9 meses o período de estágio, impedindo estes trabalhadores de acederem ao subsídio de desemprego. 

5)
 Imposição do pagamento das 14 remunerações anuais por parte da entidade contratante , nos montantes e período correspondente ao tempo de estágio. 

7. Pelo fim da perseguição no Desemprego
 

As mais recentes Estatísticas de Emprego do INE
 [3] revelam que a acelerada flexibilização do trabalho dos últimos anos continua a promover o desemprego. A facilitação dos despedimentos materializou-se em números crescentes de despedimentos, individuais e colectivos, acompanhados de uma aceleração do ritmo: trabalho precário, desemprego, trabalho mais precário, desemprego. Oficialmente cifrada nos 13,7% de desemprego, a taxa real estará nos 19,1%, incluindo os 280 mil inactivos que o INE exclui das estatísticas. No total são 993,3 mil desempregados em Portugal, e a percentagem de precários e desempregados na força de trabalho também aumentou: são agora 55%. É ainda de destacar que uma fatia importante das desempregadas e desempregados em formação no IEFP, com Rendimento Social de Inserção ou Contratos de Emprego Inserção, designados como "ocupados", são excluídos dos números oficiais do desemprego. 

Com um desemprego tão elevado como o que vivemos neste momento exi gem-se respostas em três áreas: reduzir os números de desemprego com a criação de novos postos de trabalho, e, urgente neste momento, apoiar os desempregados e as desempregadas de forma a que ninguém seja abandonado e romper o ciclo vicioso precariedade-desemprego.
 

A limpeza de centenas de milhares de desempregados dos números oficiais e a enorme pressão e carga burocrática exercida sobre os mesmos para a justificação da recepção dos apoios sociais aos quais têm direito são problemas gravíssimos, a que acresce terem crescentemente que aceitar empregos sem remuneração em substituição de trabalhadores despedidos e necessários ao funcionamento de vários organismos do Estado, escolas e estabelecimentos de Saúde, através de Contratos Emprego-Inserção e outros programas ocupacionais.
 

No sentido de criar emprego propomos:
 
1)
 Redução da jornada de trabalho para as 35 horas, sem diminuição de salário; 

2) Lançamento de um programa de emprego público (não precário) para responder a necessidades permanentes na sociedade; 

3) Orientar políticas económicas públicas -- incluindo ao nível macro-económico (políticas monetárias e orçamentais) -- em função de preocupações sociais, produtivas e ambientais e em função de objectivos de criação e proteção do emprego (combate à precariedade), garantia de acesso à proteção social e de cidadania (por ex: liberdade de escolha de emprego); 

4) Os serviços públicos, como é o caso do IEFP, devem passar a estar organizados em função de objectivos da promoção do emprego e não como mecanismo de ajustamento entre a oferta e a procura de emprego, numa lógica que só alimenta a precariedade. 

Como medidas de resposta de emergência, propomos:
 
1)
 Garantir protecção social a todas as pessoas desempregadas e abolir a lógica persecutória que actualmente impera na situação de desemprego oficial; 

2)
 Alteração da forma de cálculo da taxa de desemprego oficial , contabilizando os inactivos desencorajados e os "ocupados"; 

3) Para quebrar o isolamento é necessário garantir
 a gratuitidade dos transportes públicos para os desempregados, a primeira habitação de um desempregado tem de ser garantida e a sua condição não pode ser um desencadeador de um processo de despejo sem alternativas e os os serviços de eletricidade, água e gás não podem ser cortados a famílias em situação de desemprego; 

4)
 Abolição dos Contratos Emprego-Inserção e de quaisquer programas ocupacionais. Substituição dos atuais Contratos Emprego Inserção por contratos de trabalhos nas funções exercidas . Os programas de CEI e CEI+ devem ser reconvertidos num verdadeiro programa de emprego público e social, garantido às pessoas a remuneração e direitos laborais devidos; 

5)
 Abolição da apresentação quinzenal – enquanto a mesma não é abolida, permitir que esta apresentação seja realizada em qualquer ponto do país e não exclusivamente na área de residência. 

6)
 Abolição da obrigatoriedade de apresentação do documento comprovativo de isenção de taxas moderadoras , se não acontecer de imediato aumentar o prazo de validade do mesmo; 

7)
 Limitação do envio de convocatórias pelo IEFP – estas convocatórias devem ser claras, úteis e com objetivos orientados para a criação de emprego e não para a penalização e monitorização das pessoas desempregadas; 

8) Os desempregados devem ser atendidos por funcionários do IEFP e não por pessoas que não pertençam a esta instituição.

Notas 
[1] ILO – The Changing Nature of Jobs, 2015 
[2] INE, dezembro 2014, 
www.dinheirovivo.pt/Imprimir.aspx?content_id=4314293 
[3] Estatísticas do Emprego – 1º Trimestre 2015 

O original encontra-se em 
http://www.precarios.net/?page_id=12530 


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