terça-feira, 29 de maio de 2007

Brasil / UnB cria foguete

Modelo, com tecnologia inédita na América Latina,
permite abortar a missão em caso de defeito

SARITA COELHO
saritacoelho@unb.br

O Brasil se prepara para o lançamento experimental de um protótipo de foguete mais barato, seguro e menos poluente. O Santos Dumont-2 (SD-2) – nome dado em homenagem ao centenário do primeiro vôo do 14 Bis, comemorado em 2006 – é fruto de um projeto que custou R$ 50 mil. Desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília (UnB), ele conta com uma tecnologia inédita na América Latina: um motor híbrido movido a partir da mistura de um combustível sólido, a parafina usada na fabricação de velas, e de uma sustância líquida que permite sua queima, o óxido nitroso (N2O).

“Como vantagens desse sistema têm-se a interrupção da queima, em caso de emergência, e a variação do empuxo do foguete, para otimizar a altitude do vôo, por exemplo”, afirma Carlos Alberto Gurgel, que coordena a equipe formada por um mestrando e dois graduandos da UnB.

Segundo ele, o foguete é considerado mais seguro porque combustível e oxidante ficam em câmaras separadas, o que evita a explosão. “O índice TNT, referente ao explosivo trinitrotolueno, é equivalente a zero quando o foguete está carregado”, assegura Gurgel. O modelo também é mais simples de ser manuseado, porque não exige muitos cuidados em termos de segurança, o que reduz os custos, e é limpo. Os resíduos produzidos por ele são semelhantes aos liberados por motores de automóveis.

O primeiro teste com o SD-2 está previsto para acontecer em maio de 2007 no Centro de Lançamento Barreira do Inferno (CLBI), em Natal (RN), e poderá ser transmitido em tempo real. Uma pequena câmera acoplada ao corpo do foguete fornecerá as imagens, enquanto ele ganha altitude.

Quando o foguete atingir 10 mil metros, seu computador de bordo comandará a abertura de um primeiro pára-quedas, que fica inserido no topo dele. Dessa forma, o veículo desce relativamente rápido. Quase chegando ao solo, um segundo pára-quedas é acionado. “Com esse sistema de recuperação, é provável que ele caia em um raio de 5 km da base”, estima Gurgel.

RUMO AO FUTURO
A tecnologia coloca o Brasil no rol dos poucos países que realizam estudos desse tipo para aplicações aeroespaciais futuras, tais como Estados Unidos, Rússia e Japão. Um modelo similar ao criado pela UnB tem sido testado pela Agência Espacial Norte-americana (Nasa) em conjunto com a Universidade de Stanford para lançar satélites de baixa órbita e, possivelmente, como primeiro estágio de ônibus espaciais.

É nesse ponto que entra a segunda fase do projeto da UnB. Para que um veículo espacial tenha essas aplicações, ele precisa atingir uma potência maior que os atuais 1,5 mil newtons (N). Por isso, o grupo de engenheiros já estuda a construção de um foguete capaz de chegar a 15 mil N. Com essa potência, o modelo será considerado um veículo de sondagem e poderá ser usado para realização de experimentos com microgravidade, para saber como as coisas se comportam sem a ação dessa força física.

O primeiro dispositivo da UnB comprova o funcionamento da técnica inédita na América Latina. Já o maior terá aplicações práticas. “Por ter um custo menor, permitirá tornar mais freqüentes os lançamentos nas bases de Alcântara (MA) e de Barreira do Inferno (RN), que têm a necessidade de se manter operacionais”, analisa o engenheiro Bezerra Filho, do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IEA) do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), ligado ao Ministério da Defesa.

MOTORES MODERNOS
O projeto da UnB também é fundamental para novas pesquisas na área de foguetes. O motor usado é híbrido (combina combustível sólido e substância líquida). Por isso, representa uma transição entre os modelos existentes no país e os foguetes movidos a propulsores líquidos, que são mais modernos e seguros, porém muito caros.

No Veículo Lançador de Satélite (VSL), usado pela indústria espacial brasileira, a tecnologia é relativamente simples. A principal desvantagem é o alto risco de explosão. Neles, os propulsores são formados por combustível e oxidante sólidos, elementos altamente reativos. Por isso, é preciso cuidado durante a fabricação, transporte e estocagem desses foguetes. Além disso, em caso de fissura no propulsor, inevitavelmente ocorre um aumento na pressão interna do veículo e a conseqüente explosão.

Com foguetes movidos a propulsores líquidos, o acidente ocorrido em 22 de agosto de 2003 no Centro de Lançamento de Alcântara (MA) poderia ter sido evitado. O desastre foi causado por um defeito na ignição de um dos quatro motores do VSL, que queimou na rampa de lançamento. No momento do acidente, cerca de 200 técnicos e militares trabalhavam no projeto que tornaria o Brasil o primeiro país da América Latina a enviar um foguete de fabricação própria para o espaço. O desastre causou a morte de 21 técnicos civis do CTA, um quinto da equipe responsável pelo Programa Espacial Brasileiro (PEB).

O Programa Uniespaço da Agência Espacial Brasileira (AEB), do qual o projeto da UnB faz parte, deu novo fôlego à pesquisa aeroespacial por incentivar a participação de universidades no PEB. Além do projeto da UnB, outros 15 estudos estão em andamento. “O da UnB é um dos mais promissores, porque permitirá, no futuro, lançamentos destinados a vôos suborbitais”, avalia o supervisor do Uniespaço, Raimundo Mussi. (UNB Noticias / Ano 10 / nº 78 / maio e junho de 2007
http://www.unb.br/acs/unbnoticias/un0507-p9.htm)

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