terça-feira, 29 de maio de 2007

Opinião: Bolívia mostra que a democracia é rentável

"Em nossa cultura, há uma lei cósmica... não roubar, não mentir, nem ser indolente... em nossa cultura é importantíssima a honestidade. Eu sigo convencido de que a honestidade me levou à Presidência." Essas foram as palavras do presidente da Bolívia, Evo Morales, durante sua primeira viagem aos EUA, em setembro no ano passado.

Por Mark Weisbrot, co-diretor do Centro de Investigação Econômica e Política de Washington*

Morales, um indígena Aymara, é o primeiro presidente indígena na América do Sul em mais de cinco séculos. Morales parece estar praticando o que diz. Para o presidente e seu gabinete, o dia de trabalho começa às cinco da manhã e freqüentemente passa das onze da noite. Não há nenhuma evidência de corrupção da presidência, e esta não seria tolerada.

Depois de cumprir o primeiro ano de governo no mês passado, já podemos ver os benefícios de um governo honesto. Durante esse período, o ingresso fiscal derivado de hidrocarbonetos (na sua maioria gás natural) aumentou em mais de US$ 340 milhões, uma quantidade que, em relação à economia boliviana, é de aproximadamente 70% maior que o déficit orçamentário federal dos EUA. Esse ingresso foi triplicado nos últimos dois anos, e se espera que triplique novamente durante os próximos quatro anos, devido à decisão do governo de "renacionalizar" a indústria.

Nos EUA, geralmente não associamos a nacionalização com um bom governo, mas para um país altamente dependente em exportações de recursos naturais, tem um impacto muito grande entre a população a obtenção desses recursos, ao invés de deixá-los a cargo de funcionários corruptos de companhias estrangeiras. Isso é especialmente certo se o governo se compromete a usar esses recursos para beneficiar aos pobres, o que na Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, significa 64% da população.

O governo de Morales aumentou seu investimento social até os setores de baixos recursos: por exemplo, aprovou um programa gratuito de serviços de saúde reprodutiva para a mulher, está expandindo a cobertura da saúde para as crianças e idosos e construindo clínicas rurais. Foram distribuídos mais de dois milhões de hectares de terra entre populações de áreas rurais e, além disso, o governo tem planos futuros para redistribuir uma área do tamanho do Nebraska.

Todas essas ações são promessas que Morales fez durante a campanha eleitoral, a qual ganhou com a margem de votação mais alta na história das eleições democráticas da Bolívia. Supõe-se que assim é como deve funcionar uma democracia: o povo vota por uma mudança e a consegue.

Mas nem todo o mundo vê dessa maneira. No mês passado, o ex-diretor nacional de inteligência dos EUA, John Negroponte, que agora tem o segundo cargo mais importante no Departamento de Estado, depois de Condoleezza Rice, declarou que a democracia na Bolívia "está em risco". E com freqüência aqui nos EUA se descreve o governo da Bolívia com termos utilizados durante a Guerra Fria, nos anos 50: como parte de uma aliança "anti-estadunidense" de governos de esquerda – geralmente incluindo Cuba e a Venezuela – pela qual devemos estar preocupados.

Isso dificulta o entendimento do que na verdade está ocorrendo na Bolívia, que tem pouco a ver com outros países, e que é, na verdade, produto de seu próprio processo político. A redação de uma nova Constituição, o processo de nacionalização dos hidrocarbonetos, a reforma agrária e o rechaço a um acordo comercial proposto pelos EUA são várias das demandas diretas e insistentemente feitas pelo povo boliviano. Eles tentaram por décadas a "receita" para o desenvolvimento econômico formulada por Washington, a qual fracassou miseravelmente.

Além da desigualdade deslumbrante, evidente para qualquer visitante, o ingresso per capita do país é atualmente menor do que há 25 anos. Agora o governo está tentando algo diferente, implementando seu próprio plano de desenvolvimento nacional, mas mantendo boas relações com Washington e ainda considera os EUA como um bom sócio comercial.

O governo de Morales cometeu erros, por exemplo, na forma em que tratou dos movimentos para a autonomia local nas regiões do Leste, que são as mais ricas do país. Mas parece aprender com seus erros, e evitou a repressão desprendida por seus precursores –o governo anterior matou dezenas de pessoas nas ruas. O governo enfrenta muitos desafios desalentadores, sobretudo no intento de formar um governo eficiente e eficaz em todos os níveis e implementar uma estratégia de desenvolvimento que reduza a dependência do país em relação a seus recursos naturais. Mas a honestidade elevada ao nível mais alto do governo é um bom começo e digno de respeito. (Vermelho / 28 DE MAIO DE 2007 / * Artigo traduzido do Rebelión)

Nenhum comentário: