sábado, 8 de novembro de 2014

Portugal/COMUNICAÇÃO SOCIAL E RECUPERAÇÃO CAPITALISTA*

7 novembro 2014, ODiario.info http://www.odiario.info (Portugal)


No final da década de 80, com os governos do bloco central e de Cavaco Silva, deu-se um poderoso movimento de concentração da propriedade, levando a que meia dúzia de grandes grupos económicos tomasse conta de praticamente tudo o que é mais influente na imprensa, na rádio e na TV, e depois também na informação online. Quase tudo mudou. A autonomia jornalística foi drasticamente posta em causa, os critérios jornalísticos tornaram-se cada vez mais dependentes das «leis do mercado» e da busca do máximo lucro. Lucro este que, no caso da comunicação social, é financeiro mas também político e ideológico.

Comunicação social e recuperação capitalista têm sido duas realidades intimamente ligadas nos últimos 38 anos. A comunicação social dominante – isto é, a que é dominante na influência sobre a opinião pública e, simultaneamente, está nas mãos da classe dominante – tem constituído um apoio decisivo à política de recuperação capitalista, ao mesmo tempo que a recuperação capitalista se tem acentuado dentro da própria comunicação social, tanto em termos de natureza da propriedade e de lógica empresarial como do sentido da informação produzida.

Foi no final da década de 80, com os governos do bloco central e de Cavaco Silva, que se deu um poderoso movimento de concentração da propriedade, levando
a que meia dúzia de grandes grupos económicos tomasse conta de praticamente tudo o que é mais influente na imprensa, na rádio e na TV, e depois também na informação online.

Tratava-se de mais um passo na estratégia de destruição das conquistas revolucionárias, concretizadas no período pós-25 de Abril, quer no plano formal, com o fim da censura e a conquista da liberdade de imprensa, quer no plano concreto, através do exercício dessa liberdade.

Para os jornalistas que o viveram, acabados de sair de décadas de uma informação amordaçada e uma criatividade reduzida a quase nada, foi um período inesquecível, empolgante, ainda que cheio de curvas e contracurvas, em sintonia com a própria dinâmica do processo revolucionário.

Depois quase tudo mudou. A autonomia jornalística foi drasticamente posta em causa, os critérios jornalísticos tornaram-se cada vez mais dependentes das «leis do mercado» e da busca do máximo lucro. Lucro este que, no caso da comunicação social, é financeiro mas também político e ideológico.
As condições de trabalho dos jornalistas degradaram-se, com o progressivo aumento da precariedade, dos despedimentos, do desrespeito pela legislação laboral, e também de políticas editoriais condicionadas aos interesses dos patrões e dos partidos que com eles se identificam sob o ponto de vista de classe.

O pluralismo diminuiu drasticamente. Nos finais dos anos 80, no que se refere a diários e semanários, existiam O Dia, O País, Tempo, Independente, Correio da Manhã, A Capital, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Diário Popular, Expresso, O Jornal, Diário de Lisboa, República e o diário.

Compare-se este panorama com o que temos hoje e facilmente concluiremos até que ponto a diversidade da informação e da opinião foi afectada, com efeitos devastadores à esquerda do espectro político-ideológico. O tom mais «sério» de uns e o mais «popular» de outros não disfarçam, nas questões de fundo, uma frustrante mas significativa uniformidade.

Denúncia e combate
Esta situação, aqui sumariamente enunciada, implica hoje, mais do que nunca, denunciar e combater:

– Uma informação contaminada por discriminações, desvirtuamentos, caricaturas e silenciamentos, dos quais as vítimas são, nomeadamente, as forças que lutam por políticas verdadeiramente patrióticas e de esquerda, desde logo o PCP; o movimento sindical que intransigentemente se identifica com os interesses dos trabalhadores, sem oportunismos nem compromissos espúrios, desde logo a CGTP; o movimento cooperativo, associativo e popular, empenhado na promoção da cultura e do desporto, da solidariedade social e da educação, que em todo o País mobiliza muitas centenas de milhares de cidadãos e que é praticamente ignorado pelos principais media.

– Programações ditas de entretenimento, por vezes de nível verdadeiramente degradante, com efeitos claramente alienatórios, ao mesmo tempo que, por exemplo, a divulgação e a valorização da cultura e dos seus agentes estão praticamente ausentes.

– Uma informação dirigida não para o aumento do conhecimento da realidade mas para a distracção do que é essencial, dando relevo ao espectacular e ao superficial, ao trágico e ao insólito, em detrimento das causas e dos contextos, preferindo a espuma do efémero às correntes das águas profundas.

– Uma informação sobre o que se passa no mundo dominada pelas grandes agências internacionais de texto e de imagem, empenhada em promover as versões e interpretações que servem os interesses das estratégias do capital e do imperialismo; uma informação que, em tom compungido, relata e mostra as tragédias da guerra, do terrorismo fundamentalista ou outro, mas passa por cima de coisas tão óbvias como: donde vêm as armas? Quem as fabrica? Quem as fornece?

Objecto essencial desta denúncia e deste combate devem ser também as medidas tomadas pelo Governo no sentido de reduzir ao mínimo o serviço público neste sector, derrotada que foi a intenção inicial de pura e simplesmente privatizar a RTP. O contexto é conhecido: transferir para o domínio privado – ou seja, para o grande capital – o máximo de funções do Estado. A verdade é que se entendemos como intolerável, e entendemos bem, pôr em causa conquistas como o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública ou a Segurança Social, o mesmo se pode e deve dizer do Serviço Público de Rádio e Televisão e da agência Lusa.

Uma coisa é certa: as concepções e os interesses de classe impregnam esta comunicação social, utilizada como instrumento fundamental da produção, reprodução, massificação e naturalização da ideologia dominante, assim demonstrando até que ponto continua a ser indispensável uma análise do fenómeno comunicacional e informativo assente, precisamente, numa perspectiva de classe.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2136, 6.11.2014


Nenhum comentário: