domingo, 26 de agosto de 2007

Análisis Análise / Golpe de estado

Timor: as razões do golpe

O golpe de estado em Timor promovido pelo tandem Xanana-Horta, só possível pela presença no território timorense das forças australianas, que cada vez mais se assumem como tropa de ocupação, pretende iniciar «um ciclo de independência tutelada, em subordinação ao “poder regional”, a Austrália».

José Paulo Gascão / http://odiario.info / 24.08.07

Quando, em 28 de Novembro de 1992, ouvi as respostas de Xanana Gusmão na entrevista que lhe estava a ser feita na cadeia pelo governador de Timor nomeado pela Indonésia, não tive dúvidas de que tinha traído a sua luta anterior, os seus ideais, os seus companheiros da guerrilha. Apesar da pouca informação disponível, foi isso mesmo que escrevi no Jornal do Fundão seguinte, em 4 de Dezembro: “e não há que escamotear a questão: um lutador, um resistente durante 17 anos, no fim meia dúzia de dias nas mãos de torcionários, não resistiu e assumiu o papel de renegado”.

A informação que havia sobre Timor era escassa e as notícias davam a prisão como uma vitória da ditadura de Suharto. Pensei que fora mais um caso infelizmente semelhante tantos outros. Incapaz de resistir à tortura, Xanana Gusmão, o até então líder da resistência armada timorense, passara-se de armas e bagagens para o lado do até aí seu inimigo. Por isso escrevi que “a sua [de Xanana] traição não é um crime menor do regime de torcionários de Suharto – pela violência mais brutal, desrespeitando os direitos mais elementares do Homem, transformá-lo ali, à nossa frente, num renegado, é um crime sem perdão”.


Enganei-me.

Mais tarde, noticiou-se que Xanana não fora preso mas desertara, que já antes da simulação da prisão passava semanas seguidas em casa de familiares em Dili, a negociar com os representantes da Indonésia em Timor, a sua vida futura. As suas condições na prisão, cumulado de mordomias e com um regime prisional inimaginável para um preso político, quanto mais para um guerrilheiro, tornaram ilegítimas quaisquer dúvidas.

Apesar do profundo golpe sofrido, a Fretilin e o povo timorense continuaram a sua luta, sempre ignorada pelos media, contra a ocupação Indonésia.


Se o massacre de Santa Cruz em 12 de Novembro de 1991 catapultou a luta do povo timorense para as primeiras páginas dos jornais, os heróis promovidos foram Xanana e Ramos Horta, ambos ausentes de Timor.


Ramos Horta, mais polido, sem o discurso sonolento e embrulhado de Xanana, sempre se moveu muito bem junto dos lobbys norte-americanos e mostrou saber conviver com o poder australiano. Daí não surpreender, nas negociações sobre o petróleo com a Austrália, a sua persistência na apresentação de três propostas todas elas “do agrado Howard Downer [Primeiro-Ministro australiano], mas cujo resultado era a diminuição dos recebimentos para o seu país”. (1)


Se em 2006 Timor recebeu já alguns milhões de dólares, proveniente de petróleo que havia sido explorado pela Austrália, a partir de 2007 os montantes vão crescer de forma considerável.


Enquanto o governo da Fretilin presidido por Mari Alkatiri tinha aprovado bases rigorosas, unanimemente reconhecidas como a melhor prática internacional e um meio transparente para a gestão das receitas nacionais do petróleo, Xanana Gusmão já em 2006 propunha “acabar(-se) com o controlo na utilização dos recebimentos do petróleo”.


Mas este golpe iniciado com o apoio de Xanana ao golpista Alfredo Reinaldo e a exigência do pedido de demissão do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, logo secundado por Ramos Horta, então ministro dos Negócios Estrangeiros, não seria possível sem o apoio claro da Austrália.


Em 9 de Junho de 2006, Howard, Primeiro-Ministro da Austrália, começou por afirmar, numa clara e inadmissível ingerência nos assuntos internos de Timor que o problema era uma “governabilidade pobre”. Dois dias depois, a 11 de Junho, interrogado sobre o que pensava a Austrália fazer respondeu: ”Estamos num caminho difícil de percorrer. Por um lado queremos ajudar, somos o poder regional, estamos em posição de fazê-lo. Temos a responsabilidade de ajudar, mas quero respeitar a independência dos timorenses. Por outro lado, eles devem desempenhar essa independência ou assumir a responsabilidade dessa independência com mais eficácia do que a têm tido nos últimos anos”…


A sintonia entre o tandem Xanana-Horta e o governo australiano era tão perfeita que Ramos Horta, então ministro dos Negócios Estrangeiros do governo presidido por Mari Alkatiri, à saída da inconclusiva reunião do Conselho de Estado em plena crise, logo completou a insinuação e o desejo do Primeiro–Ministro Australiano: “ o que agora é necessário é uma solução da actual crise política, o que implica, obviamente, que o Primeiro-Ministro vá no sentido que muita gente quer e se demita”.

Mas se Ramos Horta sabia o que fazia e dizia, Xanana apresentava provas de correr por conta alheia, chegando ao ponto de permitir, numa manifestação clara de que sabia quem mandava, que a mulher, uma australiana sem qualquer cargo em Timor, fosse à rádio nacional fazer uma declaração patética em seu nome!


A 26 de Junho, 15 dias depois da declaração da ingerência, Mari Alkatiri sai do governo, não sem antes denunciar que estava em curso um golpe de estado, o que agora se pretende consumar com o afastamento da Fretilin de todos os cargos de Estado, ao arrepio das regras constitucionais.

Ramos Horta, ao afastar inconstitucionalmente a Fretilin da indigitação do Primeiro-Ministro, que “avançou desde início com um Governo de Grande Inclusão”, como ele próprio havia proposto após as eleições, pretende concluir o golpe de estado iniciado há ano e meio, e dar início a um ciclo de independência tutelada, em subordinação ao “poder regional”.


(1) Tim Anderson, Professor de Política Económica da Universidade de Sydney, Independência: Eleições em Timor Leste, in Sinpermiso

http://odiario.info/articulo.php?p=409&more=1&c=1

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