terça-feira, 23 de julho de 2019

BRICS, Rússia/Entrevista do ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov publicada no jornal Argumenty i Fakty, Moscou


18/7/2019, http://oempastelador.blogspot.com/2019/07/min-sergey-lavrov-das-relacoes.html

Na página do Ministério de Relações Exteriores da Rússia (Doc. 1486-17-07-2019)

Pergunta: Pode-se esperar no futuro próximo alguma melhora nas relações com os EUA?

Sergey Lavrov: Dificilmente haverá qualquer melhora em breve, já que se pode dizer qualquer coisa da confusão em que estão nossas relações, menos que seja fácil. Não por nossa culpa. Afinal, relações bilaterais demandam esforços recíprocos. Temos de nos encontrar no meio do caminho.

A Rússia está pronta para andar nessa direção, como já dissemos em diversas ocasiões. Partimos da premissa de que Rússia e EUA têm uma responsabilidade especial. Somos as duas maiores potências nucleares, membros fundadores das Nações Unidas e membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. A cooperação entre nossos dois países é fundamental para garantir estabilidade e previsibilidade nos assuntos internacionais. No entanto, nem tudo depende de nós. Como diz o ditado, só se dança um tango, se os dois quiserem.

A situação é bastante complicada no setor norte-americano. Por um lado, o presidente Donald Trump fala de buscar boas relações com a Rússia, mas essa atitude está longe de ser prevalente em Washington. Vemos isso em movimentos hostis, como várias acusações sem fundamento, que a Rússia enfrenta, imposição de sanções econômicas e financeiras, confisco de propriedades diplomáticas, sequestro de cidadãos russos em terceiros países, oposição aos interesses da política externa da Rússia, e tentativas de
se intrometer em nossos assuntos domésticos. Estamos vendo esforços em todo o sistema para alcançar quase todos os países do mundo e persuadi-los a reduzir suas relações com a Rússia.

Muitos políticos dos EUA tentam ofuscar-se uns os outros, no serviço de aumentar as fobias anti-Rússia e estão usando esse fator em suas lutas políticas domésticas. Entendemos que só escalarão no período que antecede a eleição presidencial de 2020. No entanto, não desistiremos, em desespero. Continuaremos a procurar um terreno comum com os EUA, apesar de todos os desafios que há.

É essencial que os presidentes da Rússia e dos EUA entendam que é necessário acabar com o impasse nas nossas relações. Durante a reunião de junho, realizada em Osaka, os dois líderes pronunciaram-se a favor de intensificar a cooperação econômica, combinando esforços para resolver crises regionais, retomando o diálogo sobre estabilidade estratégica e também disseram que apreciaram o diálogo sobre o combate ao terrorismo. Vladimir Putin convidou Donald Trump a visitar Moscou para participar dos eventos que marcarão o 75º aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial.

Em suma, é preciso reconhecer que Washington tem sido inconsistente e muitas vezes imprevisível em suas ações. Por essa razão, tentar prever qualquer coisa em nossas relações com os EUA é perda de tempo. Permitam-me reiterar que, no que diz respeito à Rússia, estamos dispostos a trabalhar pacientemente para melhorar nossas relações. É claro que isso só será possível se os interesses da Rússia forem respeitados e as negociações forem baseadas em igualdade e respeito mútuo.

Pergunta: O acesso de nossos diplomatas a várias propriedades russas em São Francisco foi restrito. Que ações práticas o senhor está tomando para proteger nossa propriedade?

Sergey Lavrov: Washington, na verdade, expropriou seis edifícios russos que foram registrados no Departamento de Estado dos EUA como propriedade diplomática: dois prédios do Consulado Geral da Rússia em São Francisco, a residência do Cônsul Geral em Seattle, as instalações rurais da Embaixada da Rússia e Missão Comercial em Nova York, bem como a nossa Missão Comercial em Washington. Não temos presença diplomática na costa oeste, onde vivem dezenas de milhares de cidadãos e compatriotas russos. O Departamento de Estado dos EUA nega-nos o direito de visitar esses locais. Tudo isso é flagrante violação das obrigações legais internacionais dos EUA.

Reagimos contra essas ações abertamente coercitivas. Fechamos o Consulado Geral dos EUA em São Petersburgo, que, aliás, não era propriedade dos EUA. Estamos analisando alguns possíveis métodos para recuperar a propriedade russa ilegalmente confiscada. Regularmente levantamos o assunto da violação, por Washington de suas obrigações no plano bilateral e também em plataformas multilaterais. Continuaremos a fazer isso.

Pergunta: Os EUA sequestram e perseguem cidadãos russos em todo o mundo, aprisionando-os sob pretextos improváveis. E parece que temos medo de dar uma resposta apropriada a esses bandidos internacionais.

Sergey Lavrov: Não temos medo de nada. Mas não agimos como bandidos, porque respeitamos o direito internacional.

A perseguição a cidadãos russos em outros países nada mais é que modo de os EUA pressionarem a Rússia. Washington recusou-se categoricamente a cooperar com nossos órgãos de aplicação da lei com base no Tratado de 1999 sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal. Em vez disso, os EUA pressionam seus aliados e outros estados, forçando-os a prender cidadãos russos para, em seguida, extraditá-los para os EUA. Isso está sendo feito silenciosamente, furtivamente e sem qualquer prova confiável [da culpa dessas pessoas]. Alguns cidadãos russos foram raptados, como aconteceu com Konstantin Yaroshenko na Libéria em 2010 e com Roman Seleznev nas Maldivas em 2014.

Naturalmente, não deixaremos nossos cidadãos abandonados para enfrentar seus problemas. Examinamos cuidadosamente todos os casos de cidadãos russos detidos a pedido de Washington. As autoridades russas estamos trabalhando em medidas para aumentar a eficácia da proteção legal a nossos cidadãos no exterior. O Ministério das Relações Exteriores e diplomatas russos nos EUA estão tomando todas as medidas possíveis para proteger os direitos e interesses de nossos compatriotas em perigo. Estamos fazendo o melhor possível para garantir que os detidos russos tenham acesso a assistência consular e legal 24 horas por dia e para melhorar suas condições de detenção. Em nossos contatos com os americanos, invariavelmente exigimos que nossos cidadãos sejam libertados e voltem para casa o mais rápido possível. O mesmo vale para os casos amplamente divulgados de Viktor Bout e Maria Butina.

Levantamos essa questão em plataformas multilaterais, incluindo o Conselho de Direitos Humanos da ONU, bem como em nossos contatos com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Alto Comissário da OSCE para Minorias Nacionais e o Comissário do Conselho da Europa para Direitos Humanos.

Infelizmente, conhecendo os métodos agressivos do sistema norte-americano, que não se limitam a usar métodos ilegais, não podemos garantir que nada de ruim aconteça aos cidadãos russos no exterior. Neste contexto, gostaria de aproveitar esta ocasião para recomendar que os nossos cidadãos considerem cuidadosamente os riscos de viagens ao exterior, especialmente para países que tenham acordos de extradição com os EUA.

Pergunta: Por que a Rússia pagaria pela associação à Parliamentary Assembly of the Council of Europe, PACE, se está constantemente sujeita às provocações da assembleia?

Sergey Lavrov: Só para esclarecer, não há taxas separadas para a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O nosso país faz pagamentos que se incorporam ao orçamento do Conselho da Europa de acordo com o Estatuto do conselho e a lei russa. As despesas relacionadas à PACE representam pequena fração do orçamento comum do Conselho da Europa.

A rigor, a adesão ao Conselho da Europa é fonte de uma série de benefícios para os nossos cidadãos e para o país em geral. Dentre eles, aperfeiçoamento do nosso sistema legal nacional, a solução de toda uma gama de questões sociais e humanitárias e o combate à corrupção. Todos os ministérios e agências que fazem parte da Comissão Interinstitucional de Membros do Conselho da Europa da Rússia (cerca de 20 no total) confirmam a importância da participação proativa nessa organização, incluindo mecanismos de mais de 60 convenções das quais nosso país é signatário.

No que diz respeito a provocações, eles são cerebradas pela minoria russofóbica agressiva instigada pelos EUA – que é observador no Conselho da Europa. Naturalmente, são coisas que fazem azedar a atmosfera e não auguram nada de bom para o trabalho construtivo da PACE. Mas, repito, a sensata maioria dos membros da PACE que apoiam o retorno da Rússia àquela estrutura parlamentar está farta e cansada desse capricho sem sentido. É o que se vê pelo fato de que, na sessão de junho, a assembleia emitiu uma resolução para restaurar os poderes da Rússia sem quaisquer reservas, atendendo assim à condição de retomada dos pagamentos da Rússia.

Pergunta: É escandaloso assistir à violência do exército ucraniano contra os residentes da República Popular de Luhansk (RPL) e da República Popular de Donetsk (RPD). Cidadãos inocentes, crianças e defensores dessas duas repúblicas estão sendo mortos. Foi relatado que o povo local se dirigiu ao presidente russo, Vladimir Putin, com um pedido para enviar tropas. Por que não atender ao pedido e forçar a Ucrânia a fazer a paz, como no caso da Geórgia?

Sergey Lavrov: Sim, a situação no Donbass continua extremamente preocupante. Até hoje, quase nada foi feito para impor um cessar-fogo, e os bombardeios continuam. Claro que o sofrimento das pessoas nessas duas repúblicas não reconhecidas é dor continuada em nossos corações.

Os sinais que o presidente Vladimir Zelensky enviou durante sua campanha eleitoral e logo após ser eleito foram bastante contraditórios. Esperamos que a recente promessa de Kiev, de cumprir integralmente os Acordos de Minsk assuma o formato de política efetiva, após as eleições para o parlamento ucraniano [Verkhovna Rada]. O mais importante é acabar com a guerra e ouvir as pessoas no sudeste da Ucrânia, que querem que a paz seja restaurada, que querem falar livremente sua língua nativa russa e que seus direitos socioeconômicos sejam respeitados.

Espero sinceramente que a nova liderança ucraniana não mantenha o desastroso curso do regime de Poroshenko e consiga converter, em esforços reais na direção da paz, o crédito de confiança que receba das urnas. O muito aguardado desengajamento de forças e equipamentos que começou no final de junho em Stanitsa Luganskaya, que havia sido bloqueado pelo governo anterior por dois anos e meio, é indicação convincente de que onde há vontade política pode haver progresso.

Pergunta: A Rússia pretende reconhecer oficialmente a RPD e a RPL como estados independentes?

Sergey Lavrov: Nossa posição sobre esse assunto é bem conhecida. De acordo com o Pacote de Medidas de Minsk, onde a Rússia atua como avalista, o Donbass tem que receber um status especial que está permanentemente consagrado na constituição da Ucrânia. Acreditamos na necessidade de nos concentrarmos neste momento na implementação dos Acordos de Minsk, conforme aprovado por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, o que os torna instrumento vinculante.

A liderança ucraniana deve encarar diretamente os próprios cidadãos e renunciar à política de prender o Donbass em situação permanente de estrangulamento econômico; deve reconhecer o direito dos residentes de Donetsk e Lugansk de falarem sua língua nativa e celebrarem as datas e feriados públicos que consideram sagrados, e de honrar a memória de seus heróis nacionais. Sem isso, não seria sério, para dizer o mínimo, falar sobre a restauração da confiança entre os residentes do RPD e do RPL em relação à Kiev oficial. É claro que estabelecer um diálogo significativo e direto entre Kiev e as repúblicas populares não reconhecidas é a condição central dos Acordos de Minsk. Isso requer simplificar o trabalho do Grupo de Contato formado por representantes de Kiev, Donetsk e Lugansk e apoiado pela Rússia e pela OSCE. Neste caso, o Formato da Normandia também pode ser eficaz para facilitar o trabalho do Grupo de Contato. Também pode haver outras formas de apoiar o processo de liquidação no Donbass desde o exterior, desde que sejam aceitáveis para todos os lados e, é claro, não enfraqueçam os princípios dos Acordos de Minsk. O presidente Vladimir Putin foi bem claro ao reafirmar sua posição, inclusive durante numa conversa telefônica com o presidente Vladimir Zelensky em 10 de julho.

Pergunta : O que o Ministério das Relações Exteriores da Rússia está fazendo para libertar o jornalista russo Kirill Vyshinsky da detenção em Kiev? Já passou mais de um ano na prisão, em essência, por sua atividade profissional. Por que a Rússia não pode pressionar a Ucrânia para libertá-lo?

Sergey Lavrov: O processo judicial no caso do editor-chefe da RIA Novosti Ucrânia assemelham-se ao teatro do absurdo. Não há dúvida de que o jornalista foi submetido a prisão ilegal, apenas por trabalhar para um meio de comunicação russo e reportar honestamente sobre os desenvolvimentos em curso. Até os promotores ucranianos parecem entender isso, já que estão adiando as audiências sob o pretexto de estudar os materiais investigativos.

A Rússia exige que Kiev libere imediatamente Kirill Vyshinsky e restaure completamente todos os seus direitos. Nossos diplomatas mantêm contatos estreitos com os advogados do jornalista, já que a Ucrânia recusou o acesso consular. Fazemos tudo o que podemos para alcançar nossos parceiros estrangeiros, inclusive em plataformas internacionais, pedindo que trabalhem com Kiev para obter uma resolução positiva o quanto antes.

Pergunta: Que medidas o governo da Geórgia deve tomar para evitar que indivíduos que são uma desgraça para a Geórgia promovam manifestações anti-Rússia na região do Parlamento do país?

Sergey Lavrov: As relações entre o governo e a oposição são assuntos internos da Geórgia. Não temos intenção de interferir nesse processo. No entanto, estamos definitivamente preocupados com quaisquer tentativas feitas por alguns representantes radicais da elite política georgiana para estimular o sentimento russo e colocar nossos povos uns contra os outros. Duvido que essas pessoas tenham pensado no dano que sua ação causava ao próprio país deles e na prosperidade de seu povo, que depende em grande medida do estado das relações econômicas e humanitárias com a Rússia.

Esperamos que a liderança georgiana reconheça o quanto antes a natureza prejudicial e o perigo de novos esforços para fomentar a histeria anti-Rússia. Afinal, é essencial que Tbilisi tenha encontrado forças para condenar as ações vergonhosas de uma rede de televisão local, que ofendeu o presidente da Rússia, gerando mal-estar até dentro da sociedade georgiana.

Esperamos que as autoridades georgianas possam restaurar a estabilidade social e política no país e remover as ameaças de segurança que os russos enfrentam atualmente. Caso isso aconteça, as condições necessárias serão criadas para que se examine a possibilidade de remover as medidas cautelares tomadas pela Rússia, incluindo a proibição de viagens aéreas para a Geórgia. Queremos ser amigos e cooperar para garantir os maiores benefícios possíveis a russos e georgianos.

Pergunta: A mídia chinesa começou recentemente a se referir à Sibéria como “terra chinesa”. Cerca de 12 milhões de chineses vivem atualmente no Extremo Oriente e na Sibéria, na Rússia. Pode acontecer que a China realmente assuma a Sibéria e o Extremo Oriente da Rússia no futuro próximo?

Sergey Lavrov: As disputas fronteiriças entre a Rússia e a China foram resolvidas há muito tempo. O Tratado bilateral de boa vizinhança e cooperação amigável, adotado em 2001, afirma que não há reivindicações territoriais entre os dois países. Contra esse pano de fundo, aqueles que têm dúvidas sobre o desenvolvimento construtivo das relações russo-chinesas buscam difundir o mito de que haveria uma ‘ameaça chinesa’.

Quanto aos 12 milhões de chineses que supostamente vivem no Extremo Oriente e na Sibéria, tenho muitas dúvidas da precisão desse número. Os medos associados estão claramente fora de proporção.

A política da Rússia e da República Popular da China para fortalecer suas relações de vizinhança é um esforço multifacetado e de longo prazo que não pode ser afetado por flutuações de curto prazo. A cooperação sino-russa não é dirigida contra ninguém. Seu principal objetivo é facilitar o desenvolvimento socioeconômico e a prosperidade de nossos países e povos. Como Vladimir Putin e Xi Jinping disseram após as conversações de 5 de junho em Moscou, os dois países estão entrando em uma nova era em sua parceria abrangente e cooperação estratégica. A crescente confiança mútua nos assuntos militares e políticos, números recorde de comércio e expansão dos contatos culturais e humanitários, bem como uma melhor coordenação com Pequim nos assuntos internacionais, falam do impulso positivo em nosso diálogo bilateral.

Pergunta: As relações com o Irã são essenciais para a geopolítica da Rússia. No entanto, o Irã se entregou a uma retórica agressiva inaceitável contra o Estado de Israel em numerosas ocasiões e foi além das palavras. Qual a diferença entre a posição da Rússia e a dos países europeus nos anos 1930, quando encorajaram a postura antissoviética de Hitler?

Sergey Lavrov: A Rússia vê um valor intrínseco nas suas relações com o Irã, Israel e todos os outros países do Oriente Médio. A Rússia tem uma política externa multifacetada, que nada tem a ver com a ideia de “ser amigo de alguém, contra outros”. Em nossos contatos com os líderes de todos os países da região, somos consistentes em convidar nossos parceiros a encontrar soluções pacíficas para os problemas que possam surgir e renunciar ao uso ou à ameaça de usar a força.

A crescente tensão na região, que testemunhamos hoje é o resultado direto de Washington e alguns de seus aliados terem subido as apostas em sua política anti-Irã. Os EUA estão flexionando músculos ao tentar desacreditar Teerã e atribuir todas as culpas à República Islâmica do Irã. Cria-se assim uma situação perigosa: um simples fósforo pode iniciar um incêndio. A responsabilidade pelas possíveis consequências catastróficas recairá sobre os EUA.

Quanto ao aspecto histórico de sua pergunta, não é apropriado projetar o que aconteceu na Europa nos anos 1930, sobre os atuais desenvolvimentos no Oriente Médio. Como todos sabemos, Neville Chamberlain e Edouard Daladier procuraram apaziguar Hitler para dirigir o poderio militar alemão contra a URSS. Nós não estamos vendo nada deste tipo hoje.

O Irã regularmente reafirma seu interesse pela estabilidade regional por meio do diálogo com todos os países interessados, incluindo os estados árabes do Golfo. Além disso, Teerã sempre enfatizou que não tem planos de empreender qualquer ação agressiva.

No que diz respeito à Rússia, estamos tomando medidas para diminuir as tensões. Somos proativos na promoção do conceito de segurança coletiva no Golfo Pérsico, o que implica abordagem fase a fase para a resolução de conflitos e a criação de mecanismos de construção e controle da confiança. Estamos trabalhando com nossos parceiros para preservar os acordos multilaterais para promover um acordo sobre o programa nuclear iraniano.

Pergunta: O senhor acha que estamos perdendo geopoliticamente na Ucrânia, Armênia e Geórgia e permitindo que um cinturão de “inimigos da Rússia” monte-se à nossa volta, incluindo algumas das antigas “nações fraternas” que ganham dinheiro na Rússia e da Rússia, repatria esse dinheiro e ainda nos considera, se não inimigos, com certeza não amigos?

Sergey Lavrov: Os processos políticos na Ucrânia, Geórgia e Armênia nos preocupam, não há dúvida sobre isso, porque são povos irmãos e estamos aos quais nos liga uma longa história de relações, inclusive termos sido parte de um mesmo estado.

Infelizmente, após a dissolução da União Soviética, o Ocidente passou a crer que seria o fim da história. Com isso o Ocidente agora pode interferir flagrantemente nos assuntos de qualquer país e presunçosamente dar as ordens na política interna desse país. A Ucrânia é talvez o exemplo mais flagrante.

A Armênia é uma história diferente. Este país é o principal parceiro da Rússia no sul do Cáucaso, com quem temos fortes relações estratégicas e uma aliança. Estamos empenhados num extenso diálogo político e cooperamos no plano parlamentar e na cena internacional. A Rússia é o principal parceiro econômico da Armênia. Nossas ligações nos setores de educação, cultura, investimento, militar e técnico estão em ascensão.

Quanto à Geórgia, tenho certeza de que os georgianos não nos veem como inimigos russos. Infelizmente, neste momento vemos certos políticos na Geórgia competindo na retórica anti-Rússia para alcançar seus objetivos mercenários e oportunistas. Tenho certeza de que tudo será resolvido mais cedo ou mais tarde, e nossos países voltarão a desfrutar de boas relações de vizinhança.

Em linhas gerais, nossa agenda no espaço pós-soviético tem caráter unificador e visa a estimular o desenvolvimento socioeconômico dos respectivos países, promovendo e harmonizando a integração na região, fortalecendo a segurança coletiva e o potencial de nossa resposta coordenada a ameaças e desafios.

Pergunta: Qual é o status das conversações com o Iraque sobre a volta de nossas mulheres e crianças que continuam presas? Quais são as perspectivas de que voltem para casa?

Sergey Lavrov: Até agora, conseguimos trazer para casa 90 crianças. De acordo com nossos registros, permanecem no Iraque cerca de 30 crianças. Planejamos trazê-los de volta nos próximos meses.

Infelizmente, a situação é mais complicada quando se trata das mães. Todas são condenados por violar a lei iraquiana, atravessando ilegalmente a fronteira, permanecendo ilegalmente no país e participando de atividades terroristas. 66 cidadãos russos estão atualmente na prisão. A Embaixada da Rússia em Bagdá está constantemente monitorando seus casos e fornecendo a ajuda necessária.

Para recapitular, começamos a trabalhar na operação humanitária para devolver nossos cidadãos menores de volta à Rússia no outono de 2017, quando autoridades iraquianas nos informaram que mulheres e crianças russas haviam sido detidas durante uma operação antiterrorista em Mosul.

O escritório do Comissário Presidencial dos Direitos da Criança Anna Kuznetsova estabeleceu uma comissão para coordenar a operação. A comissão envolve representantes de órgãos governamentais competentes, incluindo o Ministério das Relações Exteriores. Juntamente com as autoridades iraquianas, concordamos com um curso de ação para localizar as crianças e preparar os documentos necessários para sua repatriação. Especialistas russos coletaram o material biológico de crianças e mães para testes de relacionamento com DNA. Enquanto isso, procurávamos localizar parentes para estabelecer a tutela formal. Então recebemos decisões do Tribunal Central de Bagdá sobre o retorno das crianças.

Continuamos a trabalhar muito nesse assunto.

Pergunta: Qual é o motivo para facilitar o acesso à cidadania russa para as pessoas que vivem no exterior?

Sergey Lavrov: Estas decisões são baseadas principalmente em considerações humanitárias. Por isso adotamos um procedimento facilitado para a concessão de cidadania russa aos moradores de certos distritos nas regiões de Donetsk e Lugansk. O procedimento foi formalizado em abril deste ano por uma ordem executiva presidencial.

O bloqueio de Kiev tornou insuportáveis as condições de vida para habitantes de certos distritos das regiões de Donetsk e Lugansk, da Ucrânia. As pessoas foram privadas de tudo, incluindo pagamentos sociais, pensões, salários, bem como o sistema nacional de serviços bancários, de educação e de saúde. Perderam os direitos de voto, já que nem as comissões eleitorais nem as seções eleitorais foram estabelecidas naqueles distritos. Em outras palavras, Kiev de fato transformou essas pessoas em apátridas. Era nosso dever prestar assistência a pessoas nessa situação.

A cidadania russa lhes permitirá enfrentar seus problemas atuais, dar-lhes liberdade de movimento, bem como acesso a serviços de saúde, educação, serviços bancários e transporte.

Ao mesmo tempo, a Rússia não está forçando ninguém a adotar sua cidadania ou a abandonar a cidadania ucraniana. Cada residente do Donbass toma a decisão de forma independente.

Além disso, essa prática nada tem de novidade. Vários países europeus, como Polônia, Hungria e Romênia, vêm fazendo isso há anos.

O procedimento geral para a concessão de cidadania russa é regulado por uma lei federal, que diz que a condição básica é a residência do requerente na Rússia. Mas a lei também estipula preferências para cidadãos estrangeiros que vivem fora da Rússia, se pelo menos um dos seus pais for cidadão russo que viva na Rússia. Uma exceção foi feita para os apátridas que tiveram cidadania soviética e vivem nas antigas repúblicas soviéticas. Esses podem receber cidadania russa sem assumir residência na Rússia. Além disso, pais que possuem cidadania russa podem registrar seus filhos nascidos em casamentos mistos, como cidadãos russos. Estamos trabalhando para melhorar esse procedimento.

Na realidade, escritórios russos no exterior emitem passaportes russos para cerca de 50 mil pessoas todos os anos. Mais da metade dessas pessoas são crianças nascidas em casamentos mistos. Seus pais geralmente escrevem em seus requerimentos que querem manter a conexão legal e espiritual com a Rússia.

Pergunta: O senhor já desenvolveu boas relações pessoais com colegas estrangeiros mesmo que tenha diferenças políticas com seus países de origem? Pode dar algum exemplo desse tipo de amizade?

Sergey Lavrov: Boas relações pessoais, relações de confiança, são extremamente importantes na profissão diplomática. Em alguns casos, as comunicações são mantidas e soluções para problemas são encontradas apenas graças a tais relações pessoais. Em geral, acredito que a capacidade de manter contatos próximos, evitar tomadas de decisões emocionais e nunca esquecer os interesses estratégicos de seu país ao lidar com preocupações de curto prazo são as qualidades exigidas de todos os diplomatas, independentemente de posição e cargo.

Claro, parceiros e contrapartes mudam. Por exemplo, como ministro do Exterior, trabalhei com cinco Secretários de Estado dos EUA. Mas isso não significa que as relações pessoais sejam rompidas quando meus colegas aposentam-se ou são designados para outra posição. Afinal, o mundo é pequeno.

Quanto a dar exemplos, não gostaria de nomear ninguém agora, inclusive por respeito aos outros colegas. Afinal, amizade é assunto muito pessoal. Além disso, muitos dos meus amigos ainda estão trabalhando no serviço diplomático ou são proeminentes na esfera sociopolítica.

Pergunta: Que qualidade distingue um verdadeiro diplomata de um falso?

Sergey Lavrov: Quanto às qualidades que um diplomata profissional deve ter, eu diria que a mais importante é uma compreensão profunda das metas de desenvolvimento do seu país e dos interesses da política externa. Claro, isso exige treinamento especial, bom conhecimento da história, envolvimento constante em todos os aspectos da vida, bem como erudição colossal. Diplomatas rotineiramente trabalham com pessoas de outros países, etnias e culturas. Então, têm de ser bem versados nos detalhes do país. É claro que é muito importante ter conhecimento de línguas estrangeiras, o que é, a propósito, um ponto forte quando se trata de nossa diplomacia. No geral, o trabalho diplomático consiste em contatos ativos com as pessoas, e é por isso que um verdadeiro diplomata deve causar boa impressão, encontrar uma linguagem comum com outras pessoas em qualquer situação, além de ouvir, principalmente o que as contrapartes dizem.

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