quarta-feira, 29 de maio de 2019

BRICS, China/Caçar Huawei não levará a vitória alguma na guerra tech


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A Huawei chinesa é a Rainha, no tabuleiro do xadrez tech. Pequim limitar-se-á a mandar seus garotos-tech escalar para o nível seguinte.

Trata-se de guerra geopolítica e geoeconômica. Guerra fria, até aqui, mas agora a um passo de mergulhar em congelamento profundo. A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA declara precisamente isso, com todas as letras. China é opositor estratégico que tem de ser contido a qualquer preço, em todas as frentes: econômica, militar e, sobretudo, tecnológica.

Entra em cena a ofensiva concertada atual, em todo o espectro, da tecnologia 5G e da Inteligência Artificial até os movimentos para tentar impedir o avanço da globalização 2.0. Acrescente-se a isso pressão máxima em todo o mundo para impedir que outras nações se unam às Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Estrada, ICE – o conceito organizador de política estrangeira para a China em futuro próximo, e mapa estratégico do caminho para a integração da Eurásia até 2049.

Tudo está interconectado: a guerra comercial do governo Trump; o bloqueio da Huawei (pela empresa Google), impedida de usar o sistema operacional Android; a demonização da Iniciativa Cinturão e Estrada. Tudo tem a ver com controlar as cadeias de suprimento global; e com a infraestrutura ideológica.

Huawei não é reles peão: é a Rainha no tabuleiro do xadrez tech. Num ambiente no qual as empresas chinesas de TI estão escalando rapidamente várias etapas em termos de
patentes científicas registradas, a Huawei já é a primeira entre iguais. Do conhecimento tecno-científico à pesquisa aplicada e soluções criativas de mercado, a China-tech já é uma “ameaça” concertada aos EUA-tech. Aí está o coração do choque geopolítico e geoeconômico entre o hegemon e a superpotência aspirante.

Pressão contra Alemanha, Reino Unido e Itália, por exemplo, baseada num conceito difuso de ‘agressão econômica’, não forçará essas nações industrializadas a descartar a Huawei, porque podem beneficiar-se da liderança da [empresa] Huawei na tecnologia 5G, para criar suas próximas cidades ‘inteligentes’ ou seguras.

Fragmentar cadeias globais de suprimento – como o governo Trump tenta fazer – tampouco resolve, porque a interdependência continua vigente. Cerca de 22% dos produtos Huawei incluem componentes norte-americanos, e o chip Snapdragon da norte-americana Qualcomm é parte dos smartphones chineses.

O que mais importa é se Made in China virá com pacotes criativos totais, privilegiando valor agregado para os negócios, visando a uma massa global de consumidores, privados e corporativos. Esse processo está no coração de Made in China 2025, que visa a quebrar a dependência em relação à tecnologia ocidental e a configurar a China como líder global em Inteligência Artificial, serviços de nuvem, Internet das Coisas [ing. Internet of Things (IoT)], automação industrial 4.0, biotecnologia, aeroespaço. Adeus, baixos custos na manufatura de massa. Alô, nuvem de tecnologias emergentes.

O caminho a seguir é ‘Asianomics
Em ‘AI Super-powers: China, Silicon Valley and the New World Order [Superpotências em Inteligência Artificial: China, Vale do Silício, e Nova Ordem Mundial] de Kai-Fu Lee, capitalista que financia empresas startup e pequenos negócios que se espera que tenham possibilidades de crescimento de longo prazo. Com décadas de experiência nos dois lados do tech-negócio, Kai-Fu Lee demonstra conclusivamente como a tecnologia “será como uma cunha que separará as superpotências da Inteligência Artificial e o resto do mundo, e pode dividir a sociedade por linhas de classe”, à maneira de “science fiction distópica.”

EUA e China já são superpotências de IA porque, à parte os talentos e os laboratórios de primeira linha, podem contam com “vasta base de usuários e com vibrante ecossistema empresarial e de capitais de risco”.

Em toda a Eurásia, seguindo as pegadas da Iniciativa Cinturão e Estrada, a China está fadada a governar, com 5G e IA, do Sudeste ao Sudoeste da Ásia e dali diretamente até a África.

Resta pois a Europa Ocidental, com campo de combate chave, para internet e serviços de internet, a ser conquistada pela Huawei e outras tech-empresas chinesas. Sempre importante lembrar que uma grande maioria dos ditos “aliados” dos EUA – especialmente na Ásia, mas também em vastas porções da Europa – já têm comércio mais ativo e mais investimentos com a China do que com os EUA.

5G estabelecerá um novo tecnoparadigma em robótica aplicada à produção industrial, cirurgia por controle remoto, soluções de transporte movidas por IA, logística de distribuição e incontáveis outros campos de especialização. Pense, por exemplo, no embarque de contêineres para comunicação autônoma – num livre fluxo de alta velocidade de conexão.

Nesse novo ambiente, Huawei é ‘menor’, mais leve, mais inovadora, e seus produtos consomem menos energia. Acrescente a isso que as empresas chinesas vão acumulando experiência com operadores de telecom, investindo por exemplo em centros e laboratórios de pesquisa na Europa, como o Centro Huawei para Transparência e Ciber-segurança [ing. Huawei Transparency and Cyber Security Center] em Bruxelas.

Não só a China, mas a Ásia como um todo, vai-se tornando o motor privilegiado do desenvolvimento tecnológico do século 21. Bem-vindos pois a “Asianomics”.

Significa que Huawei, ainda que sob ataque do governo dos EUA e rejeitada por Google, não terá problemas para encontrar fornecedores chineses e asiáticos. Na verdade, preparem-se para Pequim direcionar todas as majors tecnológicas chinesas para que produzam todas as tecnologias e componentes que a China ainda não tenha. Há muitos precedentes. Consideremos aqui rapidamente só um dos mais importantes.

Inovar ou morrer
Em setembro de 2014, o primeiro-ministro Li Keqiang falou à plateia do “Davos de Verão” chinês em Tianjin, para explicar como a inovação tecnológica era essencial para criar crescimento e para modernizar a economia chinesa.

Esses discursos normalmente são litania sonífera de jargão e exortações ao trabalho. Mas daquela vez Li apareceu com slogan novo, jamais ouvido: “Empreendedorismo em massa e inovação em massa”. E essa, em pouco tempo, já era a palavra-de-ordem para um processo estimulado pelo estado para promover a criação de ecossistemas favoráveis às startups, com apoio forte à inovação tecnológica.

Em julho de 2015, o Conselho de Estado da China – ao qual cabe apresentar todas as grandes políticas realmente importantes – emitiu uma diretiva: doravante todos devem embarcar no vagão “do empreendedorismo e da inovação em massa”. A meta era criar milhares de incubadoras de tecnologia, zonas de empreendedorismo e “fundos de orientação”, apoiados por Pequim, para atrair mais e mais venture capital privado, paralelamente com políticas fiscais sedutoras e facilitação em todos os processos legais para quem quisesse iniciar o próprio tech-negócio.

Na China, as coisas funcionam assim. O governo central pode fixar os principais objetivos. Mas a implementação de qualquer plano é totalmente local – com milhares de prefeitos e funcionários locais. Esse pessoal só consegue ser promovido, dentro da vasta burocracia, se tiver desempenho satisfatório. E os examinadores são, claro, dos altos escalões do departamento de recursos humanos do Partido Comunista Chinês. Fácil imaginar portanto o frenesi, quando Pequim fixa metas e alvos claros. Mostrem serviço – ou se esvaiam no esquecimento, com a carreira paralisada.

É exatamente o que acontecerá a seguir. Pequim dirá ao setor tech do país que escalem para o nível superior. Quem quer que tenha visto o centro frenético de experimentação que é Shenzhen, sabe o que isso significa. Não há dúvida de que o ataque dos EUA à Huawei chinesa sairá pela culatra.

Agora, Huawei acelerou a implementação de seu próprio sistema operacional, que será integralmente adaptado para mercados globais. O que era o Plano B dos chineses, é agora Plano A – mais a vingança. Jamais subestime o poder de consequências não planejadas: o momento em que Huawei quebrará o monopólio de fato da empresa Google, pode estar a um tech-passo de distância.

*Pepe Escobar é jornalista independente, especialista em questões geopolíticas. Escreve para RT, Sputnik, Strategic Culture Foundation e TomDispatch, com contribuições frequentes para websites e programas de rádio e TV, dos EUA ao leste da Ásia. Foi correspondente do Asia Times Online, onde manteve a coluna "The Roving Eye" ["Olhar Errante"], de 2000 a 2014. Nascido no Brasil, trabalha como correspondente estrangeiro desde 1985. Morou em Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok e Hong Kong.

Já antes do 11 de setembro, especializara-se na cobertura do arco que se estende do Oriente Médio ao Leste da Ásia, com ênfase na geopolítica e nas guerras por energia da Grande Potência.

É autor de "Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War" (2007), "Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge" (2007), "Obama does Globalistan" (2009) e "Empire of Chaos" (2014), todos publicados pela editora Nimble Books. Seu livro mais recente é  "2030", espécie de biografia intelectual condensada em algumas dezenas de páginas, lançado em dezembro de 2015. Atualmente, vive entre Paris e Bangkok.

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