terça-feira, 30 de abril de 2019

Brasil/Proposta de Bolsonaro pode legalizar o genocídio no campo



Gilvandro Filho*, para o Jornalistas pela Democracia

"Excludente de ilicitude". É um nome pomposo para uma outra expressão que já foi até nome de filme: "licença para matar". Foi um dos destaques do confuso pacote anticrime que o igualmente confuso ministro da Justiça, o juiz de primeira instância Sérgio Moro, apresentou, em fevereiro, e não conseguiu agradar nem mesmo a todo o governo. Na prática, a licença pretendida por Moro seria para os policiais, no enfrentamento com "a bandidagem", segundo o presidente e seus aliados.

Jair Bolsonaro escancarou a possibilidade de matança de quem não está ao lado dele e do seu governo. Nesta segunda-feira (29), falando a produtores rurais, seu público preferencial, o atual presidente da República abriu o jogo colocou na alça de mira o grupo que elegeu como o seu pior inimigo, junto com o PT (Partido dos Trabalhadores): o MST (Trabalhadores Rurais Sem Terra). O tal do "excludente de ilicitude, na visão tosca e ditatorial de Bolsonaro, poderá incluir os donos de terra e seus capangas que, agora, poderão abater trabalhadores sem-terra à vontade, sem se preocupar com qualquer punição.

A autorização para se iniciar um genocídio contra os sem-terra é a face cavernosa e carcomida de um governo autoritário e inconsequente. O que o seu chefe deseja é dar aos pistoleiros a serviço dos latifundiários o mesmo poder que Moro está querendo dar aos policiais quando subirem os morros do Rio de Janeiro, por exemplo. Nos dois casos, os alvos da licença para o abate são os pobres.

Sérgio Moro quer dar ao aparato policial um crachá de "exterminador de bandidos", com a classificação de quem está ou não na mira da bala vingadora sendo feita pela própria polícia. Bolsonaro ultrapassa todos os limites do bom senso e da irresponsabilidade. E entrega aos pistoleiros a mando dos proprietários de terra o poder de polícia, o que já seria uma anomalia sem precedente. Estender a este grupo uma licença de extermínio vai além. Se a concessão desse direito à polícia é irresponsabilidade, fazer o mesmo com pistoleiros, é crime.

A frase de Jair Bolsonaro para justificar tamanha insanidade política é lapidar e constitui, de per si, uma confissão de culpa sobre uma proposta que seria inacreditável se não fosse tristemente coerente com o approach bolsonariano para lidar com os movimentos sociais. Pior é que, pelo que o presidente informou, o projeto já está em discussão com membros do Legislativo.

"Tem um outro (projeto) que vai dar o que falar, mas que é uma maneira de ajudar a combater a violência no campo. Ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem poderá entrar no excludente de ilicitude. Ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder. Para que o outro lado que desrespeita a lei tema o cidadão de bem".

A frase de Jair Bolsonaro prescinde de comentário. Muito menos o que o presidente entende pode ser um "cidadão de bem", classificação sobejamente utilizada pelo eleitorado dele para definir o que parece ser, justamente, o contrário.

É preocupante essa fixação dos atuais governantes com os movimentos sociais que reivindicam lugar para morar e têm na ocupação de áreas improdutivas a sua ferramenta de luta. Vê-se, agora, pelas palavras do presidente da República, até onde pode chegar esse tipo de animosidade. Os sem-terra estão um passo de se tornarem, aos olhos da "justiça" brasileira, bandidos e terroristas.

Enquanto isto, na outra ponta, pistoleiros e milicianos agem desenvoltos e à solta, sem serem importunados. Em muitos casos, pelo contrário: convivem e são integrados ao poder. Em alguns casos, até homenageados pelos seus poderosos do momento.

*Gilvandro Filho Jornalista e compositor/letrista, tendo passado por veículos como Jornal do Commercio, O Globo e Jornal do Brasil, pela revista Veja e pela TV Globo, onde foi comentarista político. Ganhou três Prêmios Esso. Possui dois livros publicados: Bodas de Frevo e “Onde Está meu filho?”

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