quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Portugal/O EURO E AS ESCOLHAS

16 novembro 2011/Resistir http://www.resistir.info

por Daniel Vaz de Carvalho [*]

I - A QUESTÃO DAS ESCOLHAS EM ECONOMIA

Dizem-nos os feiticeiros da tribo neoliberal que a Economia é feita de escolhas. Como se a gestão económica de um país, de uma empresa, de uma família, fosse o mesmo que escolher maçãs ou cores de camisas, porque mesmo para escolher detergentes ou comprar na peixaria tal já não depende das escolhas próprias mas sim do que outros decidiram quanto a repartição do rendimento…

A superstição neoliberal contestará isto. Os seus missionários vêm de além Atlântico desenvolver perante o gentio teses como: "com pensamento positivo terás tudo o que desejas", "pensa como os ricos e serás como eles". É pena que a sua magia não resolva os problemas das dezenas de milhões de desempregados e pobres nos EUA, nem para salvar o país da sua astronómica dívida.

Porém que no respeita ao euro e à ditadura do BCE, parece que não há escolhas.

Dizer que há endividamento porque as pessoas fizeram más escolhas, é mais que evidente. E a primeira má escolha foi as pessoas acreditarem nas promessas feitas dos partidos do neoliberalismo (PS, PSD, CDS – os partidos Efemistas).

Quando se propagandeou a adesão ao euro, choveram promessas. O euro seria o maná da terra prometida, a prosperidade e os milhares de milhões de euros de economias que os Estados iriam poder realizar. Porém, a agenda imediata era a extensão sem limites da precariedade, a privatização dos serviços públicos, a desregulamentação financeira e…partir a espinha ao movimento sindical.

Foi como escolher um detergente, devido às promessas de uma intensa publicidade, e no final aquilo não passar de uma mistura com areia que danificou totalmente a máquina. Culpar as pessoas pela estagnação económica e endividamento – agravados pela ao adesão ao euro – é como culpar o utilizador de produtos falsificados e não o responsável pelo seu fabrico, é como punir o consumidor de droga e deixar à solta os traficantes. Sabemos que é isto que se passa nas fraudes empresárias e bancárias que o cidadão comum é chamado a pagar. O caso mais espantoso – e sem vergonha – da agenda neoliberal, é o facto de o novo presidente do BCE, o sr. Mario Draghi, ter sido alto dirigente do famigerado, pelas piores razões, banco Goldman Sachs. Que espécie de escolha será então esta?

Afinal, parece que isso das escolhas não é bem para levar a sério. Já o tínhamos visto com a aprovação dos tratados europeus designadamente no incrível processo do Tratado de Lisboa, tivemos agora mais uma prova: quando na Grécia foi anunciado um referendo sobre o seu futuro: os "mercados" tremeram. As "decisões" da magna reunião europeia no final de Outubro que resolveria finalmente os problemas da União, tratada pela subserviente e acrítica comunicação social como se um "suave milagre" viesse enfim dos limbos para salvação do euro, debatida durante dias e noites, além de parir um rato (sempre o mesmo aliás) desfez-se em dois dias perante o anúncio grego. A reunião do G20 preparada durante meses por centenas de "especialistas", mudou de agenda no mesmo dia em que começou. Mas esta gente nada prevê?

Repare-se que o PIB da Grécia é apenas 1,8% do da UE, 2,4% da zona euro! Que a sua dívida pública é 2,26% da UE, 3,4% da zona euro, não mais que 1,6% das dividas públicas da UE e EUA reunidas! E basta isto para o mundo capitalista ficar em pânico. Bem podemos dizer, parafraseando Marx, que o neoliberalismo representa a "miséria da economia – economia da miséria".

Na pressurosa comunicação social chegou a ser afirmado que 80% dos gregos eram a favor do euro. Se assim fosse qual o problema? A realidade era bem diferente: numa sondagem realizada após 27 de Outubro apenas 12% dos gregos aprovavam o pacote de "ajuda" que o primeiro-ministro grego tinha aceitado
[1] .

Um famoso humorista brasileiro, Milor Fernandes, contava as histórias do "amigo da onça", pena que não se façam agora as dos "amigos do euro".

Diz D. Merkel, coadjuvada pelo seu gigolô político o sr. Sarkozy, que a austeridade vai durar 10 anos. É como ser condenados às galés durante dez anos, pelo menos, depois logo se vê – sim, "medidas de segurança" podem ser aplicadas nestas democracias. Por cá os mentalmente colonizados fizeram o responso, no relatório do OE a previsão é que na próxima década o crescimento médio da economia não atinja 1%, quando é necessário pelo menos 2% de crescimento para reduzir o desemprego.

Isto é o mesmo que dizer que o euro já perdeu a guerra, pois a China e os outros BRIC voltam-lhe as costas, sabendo-se que o euro a encostar-se ao dólar é como juntar-se a fome com a vontade de comer – empréstimos dos "mercados". São afinal de uma forma muito "free market", concorrentes.

O euro já perdeu a guerra, mesmo que o fuhrer de serviço à banca alemã queira que os povos periféricos do euro façam "sepuku" (hara-kiri) em seu nome. Após a derrota em Estalinegrado, em janeiro de1943, o Volkisher Beobachter, jornal oficioso do partido nazi, titulava: "Sie starben damit Deutchland leben" (Eles morrem para que a Alemanha viva). Entenda-se que "eles" foram alemães, italianos, romenos, búlgaros e outros povos dominados pelo "Reich".

Há algo de similar na forma drástica e cruel como se está a impor a pobreza e a precariedade social aos povos da zona euro, para que em primeiro lugar a banca alemã sobreviva.

II- NÃO ESCOLHER O EURO, E DEPOIS?

Se a economia é feita de escolhas, a questão quanto ao euro – ficar no euro ou sair do euro – é apenas esta: austeridade e pobreza durante uma década, ou seja, nada está garantido quanto ao futuro, ou austeridade e esforços durante 6 meses. Com o euro estão anunciados 10 anos de sacrifícios, isto é, "ad aeterno ceteris paribus" (até à eternidade em iguais circunstâncias…). Sair do euro: 6 meses de sacrifícios e esforços, recompensados.

Os que fazem regressar os trabalhadores à condição de "servos da gleba" com trabalho gratuito 20 dias por ano, para além do aumento da taxa de exploração para níveis equivalentes à das décadas da ditadura fascista, proclamam com teatral emoção que saindo do euro a dívida subiria para níveis elevadíssimos e não haveria dinheiro para pagar salários e pensões, fazendo, também de forma semelhante à do fascismo, uma espécie de apelos patrióticos ao conformismo na pobreza.

Iludem-se as pessoas. Na realidade ficando no euro a dívida em 2013 será superior à de 2010 e em 2012 os juros atingem 8 800 M€. Daqui a tal promessa (ou antes, ameaça) de que dentro de 10 anos…

Dizer que a dívida aumentava com moeda nacional é falso. A dívida só pode ser paga com a riqueza criada: isto é, com a produção nacional de bens e serviços. Portanto a dívida terá o mesmo "valor"; fora do euro teremos possibilidade de criar esse valor, no euro, o serviço de dívida é escamoteado com novos empréstimos.

O caso da Grécia mostra como perante a hipótese de incumprimento e abandono do euro, as altas instâncias da EU e o próprio G20 tremeram. É que o incumprimento de um país faz voltar a especulação dos inefáveis "mercados" para os demais países e sabemos como todos eles, incluindo Alemanha, Reino Unido e EUA estão fragilizados – a Grécia como Portugal, ou a Irlanda – a braços com novo plano de "ajuda" – fazem o papel de "bodes expiatórios" na ara ritual da especulação, a que já se juntam a Itália, a França, a Espanha. As finanças estão de tal forma à beira do precipício que pequeníssimas economias como as de Portugal ou Grécia podem provocar uma derrocada.

Diga-se que renegociações foram efectuadas com êxito pela Argentina, pelo Equador, pela Islândia, no passado recente. Claro que isto é escondido e falseado para a opinião pública não perceber que na finança especuladora "o rei vai nu".

Renegociar a dívida implicaria estabelecer um valor máximo em percentagem do PIB para o seu pagamento, por ex. 2,5%, em vez dos cerca de 5,5% em 2012. Isto é, os devedores seriam parte da solução, não do problema.

Há ainda outro aspecto. A determinação da parte da dívida que pode ser considerada ilegítima. Uma divida torna-se ilegítima ou "odiosa" – termo consagrado internacionalmente – quando
[1]
- foi contraída por dirigentes sem o acordo ou aprovação popular
- os fundos do empréstimo não foram usados em benefício dos cidadãos
- o credor estava perfeitamente informado destes factos mas ignorou-os

Divida ilegítima será por exemplo a relacionada com os encargos do BPN e BPP, a relacionada com contratos e renegociações contrárias à lei (caso das PPP), contratos fraudulentos ou incumpridos (caso das compensações na compra dos submarinos), a relacionada com a fuga de rendimentos e activos de empresas em manifesto incumprimento dos apoios que receberam do Estado, etc, etc.

Uma moeda própria (um novo escudo) é evidente que seria objeto de forte desvalorização, porém passado um primeiro momento (digamos os tais 6 meses) tenderia a equilibrar-se em função da competitividade relativa da nossa economia. Este equilíbrio será obtido tanto mais rapidamente quanto mais aumentar a produção nacional, reduzido importações, aumentando exportações. Compreendemos que a Alemanha trema de conceber no seu "lebens raum"
[2] do euro, economias cuja competitividade se alterasse drasticamente em função de moeda própria reduzindo o saldo da sua Balança de Transações, artificialmente mantido devido ao euro.

Portugal veria rapidamente a sua Balança de Bens e Serviços (salientamos o turismo) reduzir os défices e portanto a necessidade de endividamento, podendo até tender para o equilíbrio caso o problema dos combustíveis fosse resolvido satisfatoriamente. Nas condições actuais de subaproveitamento das capacidades produtivas instaladas e desemprego o aumento da produção na agricultura, nas pescas, na indústria, é possível através de medidas bem conhecidas
[3] .

A importação de combustíveis poderá constituir um problema delicado (durante uns 6 meses) mas cuja solução se encontra mais uma vez e ainda na produção nacional e no estabelecimento de contratos bilaterais com créditos e pagamento em bens e serviços junto de países produtores. Há soluções.

Sem sentido é a alegação de que Portugal não teria dinheiro para pagar salários e pensões. Não há dinheiro de facto com o empobrecimento progressivo que constitui a permanência no euro. Mas haveria fora do euro dado que estes seriam pagos na moeda nacional. Obviamente o seu poder de compra estaria relacionado com a capacidade produtiva nacional.

Dir-se-á ainda: "Ah! Mas os nossos principais parceiros comerciais deixariam de nos comprar produtos". Não é bem assim: sair do euro não viola nenhum tratado internacional
[4] nem norma da OMC (apesar de não concordarmos com elas) ou da OCDE. A retaliação sobre o nosso país requereria então a aprovação de sanções no Conselho de Segurança da ONU. Quem estaria a violar tratados internacionais seriam os países que exercessem retaliação. Teriam de perguntar isso ao Reino Unido, Dinamarca, Noruega (fora da UE), Suécia, além de mais países da UE fora da zona euro.

Há um conjunto de medidas que poderiam ser adoptadas para a consolidação da economia nacional. Destacamos "separação entre bancos de depósito e bancos comerciais; interdição de um certo número de actividades especulativas, taxa sobre transacções financeiras, limitação dos rendimentos das administrações de sociedades e enquadramento estrito dos bónus, represálias contra transferências para paraísos fiscais, aumento das despesas públicas para relançamento da economia e do emprego, protecção do poder de compra dos salários e das prestações sociais"
[1] Perante isto, os comentadores avençados dirão (como o sr. "comentador sorridente" de serviço) Vade Retro Estado , porém aquelas medidas têm a particularidade de terem sido propostas em reuniões do G20, embora nunca passem do papel e das conferências de imprensa! Os países do G20 não poderiam deixar de estar de acordo connosco…

Claro que a transferência de rendimentos para o estrangeiro – que atingiu 10% do PIB em 2010 – teria uma perspectiva totalmente diferente com moeda própria.

Muitas outras medidas têm sido propostas na AR por partidos consequentemente de esquerda retomando o programa constitucional e o espírito anti-monopolista e de dignidade nacional do 25 de Abril.

Para concluir este breve esboço das escolhas sobre o euro, diga-se que na Argentina, em situação sob certos aspectos pior que a portuguesa, após uns três meses de austeridade – que já vinha de trás, claro – passou a crescer 8% ao ano. Por que? Porque renegociou a sua dívida e desindexou a sua moeda do dólar dos EUA. Quanto ao Equador e a Islândia progridem sem problemas de maior neste aspeto. Seis meses não nos parece irrealista para Portugal renegociar a sua dívida e reorganizar a economia através da coordenação e apoio às actividades produtivas na agricultura, na pesca, na indústria, na construção. Claro que a tribo neoliberal tocará os seus tambores de guerra e tudo fará para, como no passado, "quebrar a espinha" à unidade popular.

Se "a economia se faz de escolhas", escolher o euro é escolher "uma situação alucinante. Os Estados não podem ser financiados pelo BCE, mas este pelo contrário refinancia os bancos privados a muito baixas taxas de juro. Estes últimos emprestam em seguida aos Estados a taxas nitidamente superiores, radicalmente usurárias. A UE coloca-se voluntariamente sob o império dos mercados financeiros. Os planos de austeridade, para além do seu carácter socialmente inaceitável, são inúteis. Este o paradoxo da situação. A única solução é sair do seu domínio".
[4]

"As agências de notação não desempenham o papel de um termómetro, mas de um vírus que faz subir a febre da avidez (…) O problema não são as agências de notação, mas os mercados financeiros. É portanto criminoso ter posto as dívidas públicas nas suas mãos"
[4]

Acrescente-se que é impossível encontrar um ponto de equilíbrio económico em mercado totalmente aberto entre países com a mesma moeda e produtividades totalmente diferentes. Eis a razão da degradação económica e social nas economias mais frágeis.

O euro é uma moeda precária, pelos seus fundamentos e pela ideologia sem futuro que lhe está subjacente. Tudo o que está, desesperadamente, a ser feito para o manter conduzirá mais cedo ou mais tarde à sua mudança radical ou mesmo ao seu fim. Na zona euro, poucos países têm estruturas económicas compatíveis com a mesma moeda que a Alemanha. Mesmo a França, por muito que o sr. Sarkozy se ponha em bicos dos pés, não está nestas condições.

A saída do euro não é na realidade uma opção: é uma imposição dos factos que ocorrem em Portugal e em outros países. Para os portugueses a questão é: seis meses de esforço e austeridade ou a servidão toda a vida. Sair do euro é restaurar a independência nacional.

Consta que D. Luísa de Gusmão, terá dito ao marido, o futuro D. João IV, nas vésperas da restauração de 1640: "antes ser rainha por uma hora que duquesa toda a vida". Arriscava a vida do marido e filhos, e para si no mínimo a prisão para toda a vida, mas escolheu não se sujeitar nem ao país à servidão filipina. Não foi rainha por uma hora, mas por toda a vida, e não faltavam então problemas a Portugal.

A direita portuguesa escolheu a servidão. É altura de o povo português escolher a dignidade da sua história e prosseguir um dos seus momentos mais altos: o 25 de Abril de 1974.

[1] www.cadtm.org/ , novembre, G20, symbole de la faillite d'un système, Eric Toussaint
[2] "lebens raum", o "espaço vital" nazi de trágica memória.
[3] Como por exemplo as expressas no livro Portugal a Produzir, Ed. Avante, 2011
[4] Quanto aos da UE é discutível
[5]
www.cadtm.org/ , 4 novembre, Sortir les États de la servitude volontaire, Thomas Coutrot, Pierre Khalfa

Ver também:

Sair do euro – e depois? , Rudo de Ruijter

MEE, o novo ditador europeu , Rudo de Ruijter

MEE, um golpe de estado em 17 países , Rudo de Ruijter

Sobre o Acordo de Bruxelas: Alquimia invertida na Europa a todo vapor , Yanis Varoufakis

"Deixem os bancos pagarem as suas próprias contas" , Mike Whitney

A crise na eurozona , James K. Galbraith

[*] Engenheiro.


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